AS PREGAS DE ODETE – Odete? Valha-me! Já sabe, né? Se não, deixa só ela
aparecer com aquele penteado na marra da peruca desajeitada no quengo, gola feita
cacharrel abotoada até o queixo, mangas compridas atacadas nos pulsos, a barra
do vestido no meio dos cambitos, galocha velha e fumaça pelas ventas, segure a
onda que ela bota moral de tão queixuda. Alguém já ouviu uma risada dela?
Mostrar os dentes pelo menos? Só se for de raiva. Basta ela abrir aqueles
boticões de olhos que o esparro come no centro: mexe com quem está quieto,
desonra valentão, arma o maior barraco e só para quando a trovoada arrasou o
quarteirão e redondezas, dela se ver consumida de todas as energias de gasguita
rouca. Só assim. Quando dá na veneta ela muda percurso de procissão, horário de
festa, enterro, até o que fazer e o escambau, depende só da Lua e ela aos
pitís. Haja pantim. Ah, não existe na face da terra quem saiba de tudo mais do
que ela: tem a ficha corrida de todo mundo, é dona da razão; o que diz, segundo
ela mesma, é tiro e queda; é Deus no céu e ela nesse mundão das coisas mais
desmanteladas. Por ela, consertava tudo: fome, miséria, briga de casal,
encosto, tempo ruim, violência, o que aparecer, em dois tempos, tome lá. Se
fosse prefeita, a sua cidade seria um brinco, assegura batendo o punho fechado;
se fosse governadora, o estado tinha moral, brinque não; e se fosse presidente,
dava um jeito nesse Brasilzão véio, arrevirado e de porteira escancarada,
duvida? Ela bate o pé, esfrega o dedo no seu nariz, bota as mãos nos quartos e
arreia o verbo: Aqui está tudo errado, eu dou jeito! E ai de quem pagar pra
ver. Católica apostólica romana daquelas papa-hóstia de rosário entre os dedos,
vocifera que a praga do mundo é crente, xangô e espírito ruim: Enquanto houver
isso o mundo não presta! Diz e está dito. Ela se autoproclama justiceira e ao preparar
um despacho na esquina não tem quem desenrole e se botar a mão no exorcismo,
nunca mais corre bicho por aí. E não é só isso não: não larga os evangelhos,
clama por todos os santos e usa de todo tipo de expediente para dar fim ao que achar
por perturbação ou quizília. Se é pra aconselhar, ela não pestaneja: bota tudo
na roda, mexe o pirão e ai de quem discordar do que ela diz. Pense numa
tabacuda ineivada. Quem procura por seus conselhos ou sai doido comendo merda e
rasgando dinheiro, ou nunca mais se apruma na vida, dizem. Ela está sempre ali,
em cima da bucha: Êpa! Não precisa convocá-la para nada, pois chega no
desaviso, cheira o duvidoso e deixa tudo às claras, segundo seu próprio tino: desmancha
o que está certo, desacerta o que já está errado; bota gosto ruim, peitica,
mete o bico no alheio, compra fuxico e passa o recibo, esfola a pereba, mete o
dedo na ferida e no furico dos outros: Pimenta no cu dos outros é refresco,
zomba. Pronto, com ela a cloaca abre e a coisa está feita: se está dando certo,
bota tudo a perder. Pense num estrupício medonho. Com ela ou tudo está prestes
ou gorou de vez. Chega ao ponto de arengar pelo que está certo porque entendeu
tudo errado. Vá explicar. Ela mesma diz: O remédio de um doido é outro na
porta. Só duas dela, a primeira, uma coisa é certa: quando o cara quer casar não
tem quem demova a ideia. É? Parece que é. Chama Odete pra ver. Ela sozinha já
descasou uma tuia e desfez um monte na porta da igreja. E ainda sai se vangloriando
por que salvou duas almas, uma era pouca. Taí. Outra? Já viu um suicida voltar
atrás? Pois voltou e quase mata Odete. Como não conseguiu seu intento de
enforcá-la com as próprias mãos, matou-se assim mesmo jogando-se num tonel
cheio de bosta. Como? Ah, Odete está por aí, pra cima e pra baixo. Se não
existisse teria de ser inventada, só ela mesmo pra aprumar as conversas
desconversadas. Eu, hem? Depois conto mais dela. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS
[...] Existem, segundo as tradições e as recentes pesquisas transpessoais,
quatro estados ditos “de consciência”: o estado de vigília, o estado de sonho,
o estado de sono sem sonhos e o estado de plena consciência ou vivência
holística. As características da plena consciência são conhecidas através das
tentativas de descrição dos que a vivenciam: inefabilidade, caráter paradoxal,
saída do espaço-tempo, não-projeção da mente sobre os objetos, superação da
dualidade sujeito-objeto ou estado não dual, vivência de uma luz radiante que
impregna o espaço, vivência da vacuidade plena, vivência de amor indescritível,
sentimento de viver a realidade como ela é, perda do medo da morte e descoberta
do verdadeiro sentido da existência. Como já afirmamos, componentes
fisiológicos caracterizam esse estado que é, neste nível, passível de
mensuração através da eletroencefalografia, da avaliação de mudanças
circulatórias, respiratórias, eletrocutâneas, etc. A plena consciência é
acompanhada também pelo fim do sofrimento psicológico, pelo despertar da
verdadeira sabedoria, indissociável do amor, e por uma ilimitada capacidade –
ou limitada apenas pelo corpo físico – de aliviar o sofrimento dos outros,
aproximando-os da alegria de viver. [...]
Trecho de O que se
entende por plena consciência?, extraído da obra Holística: uma nova visão e abordagem do real (Palas Athenas, 1990), do educador e psicólogo francês Pierre Weil (1924-2008). Veja mais
aqui, aqui e aqui.
A ARTE DE SIDNEY AMARAL
A arte do escultor, pintor e fotógrafo Sidney Amaral (1973-2017). Ele é licenciado em Artes Plásticas pela
Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP-SP) e estudou pintura acadêmica e
fotografia e foi aluno do Museu Brasileiro de Escultura (Mube-SP). Ele realizou
diversas exposições e mostras individuais e coletivas, e seu trabalho consiste
na apropriação de objetos cotidianos e prosaicos e na sua recriação em
materiais como mármore, resina, porcelana e, principalmente, bronze. Já
apresentou sua obra em diversos espaços brasileiros e em países como Angola,
Cabo Verde e Moçambique. Veja mais aqui.
HOMENS & CARANGUEJOS NO FESTIVAL CARIRI
Acontecerá até o dia 26 de janeiro o II Festival Cine Cariri em Nova Olinda,
Crato e Juazeiro do Norte, com debates, oficinas e exposições. O destaque fica
por conta do documentário ficção Homens e
caranguejos, de Paulo de
Andrade, baseado na obra homônima do médico, sociólogo, antropólogo e
geógrafo Josué de Castro. Veja mais aqui e aqui.
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