quinta-feira, janeiro 31, 2019

KENZABURO OE, KEN WILBER, RACHEL ROSALEN, ESTAMIRA & DANI BARROS, CABEÇA DE BAGRE


CABEÇA DE BAGRE - Naquela hora o recém-nascido passou a ser a menina dos olhos do pai: Esse o rei daqui, macho todo, vai comer todas e mandar ver. Gabava-se patriarcal com seus princípios rígidos, anacrônicos: Esse será macho até dizer basta, escreva aí. E paparicou, expôs como um troféu, ele e a esposa botaram o menino a perder. Na hora do nome, o primeiro litígio. Depois de muito bate boca o marido bateu na mesa: Joatâncio Filho e ponto final. Na certidão de nascimento, Florismilton, preferência da mulher. Tanto que o garoto cresceu ambíguo, chamado de Tanzinho pelo pai e marmanjaria; e Florinho pela genetriz e quejandas. O tampinha foi crescendo arrodeado de tias, primas, madrinhas e achegadas. Não demorou muito a macharia botar cada boticão de olhos, de chamar na responsa o genitor, orelhas na frente das pulgas: Como é que é? Já quase rapaz, o pai olhou direitinho e nem notara o que denunciavam: que, desde tenra infância, ele delicadamente desmunhecava, falava escondendo a língua e virava os olhos. Num brinque comigo! Espie! Veja direitinho! Vá! Mas num é que é mesmo, rapaz! Esse cabra tá puxando a mãe, talqualzinha. Pode não, vou endireitá-lo agora. E puxou-lo pelo cangote, aos empurrões, ais e uis, meteu-lo dentro dum quarto aos esporros e sermões. A vítima com os olhos arregalados, franzia o cenho de boca aberta: Tome jeito, seja homem! Nem que seja a pulso você vai ser macho, ouviu? E convocou a parentalha macha que era o cúmulo da chatura para o coitado e entraram em ação: Isso só se resolve no cacete! E bateram nele que só, para ver se ele parava com aquilo. Depois de umas tantas lamboradas, pisa de todo jeito, todo dia e o dia todo, ao cabo de uns dois meses nesse trupé, parece que tomou jeito e começou a parecer com o pai, falar, andar, pensar e ter postura do progenitor. O que havia de vigia não permitia a menor delicadeza nas horas de folga, o que levou na cara: Esse não tem jeito, ou vendo, ou mato de pau. É um cabeça de bagre! Ao ouvir o apelido, ficou fulo de engicar-se por dias: Cabeça de bagre, uma ova! Taí, parece que pela pressão ele endireitou-se e foi se ajeitando pras bandas duma prima assanhada da pá virada que torrava um sarro da calcinha voar: Agora sim, o compadre vai achar é bom um filho meu pra sua filha! Fica tudo em família! Entre beijos e amassos, ele se apaixonou pelo sorriso dela e, segundo as más línguas, cometeu a tolice de levá-la inteira pra casa: Essa daí não tem macho que sustente, ela quebra o cristão! É mesmo, comadre, do jeito que ela é fogosa, acho que esse não dá vencimento dela não! E parece que não deu mesmo, dele vê-se numa trapaça e cobrando dela: Se assunte, nega! Nega é a sua mãe, seu pau-mole, só sabe pedir arrego. Sou macho! Você é um cabeça de bagre! Aí, fechou o tempo e, de tanta raiva, deu-lhe um murro que deixou-la banguela: já eram dos arcos inferior e superior, incisivo, canino e primeiro molar. Apelidou-a de boca de sovaco, por vingança. Ela não se deu por vencida e o pau cantou de findar os dois na polícia. Um primo que era araque da ordem, chegou junto: Tu és doido, macho, além de abusar da tua prima, ainda bate nela é? Ela me chamou de cabeça de bagre! É isso mesmo que tu és, desgraçado, um cabeça de bagre! Ele deixou o primo estropiado, de precisar uma tuia de agente e soldados pra conter a fúria dele, e deixá-lo molinho na frente do delegado: Que brabeza é essa, hem? Me chamaram de cabeça de bagre! E o que é que tem, só sendo mesmo um cabeça de bagre para fazer uma merda dessa! Oxe, ele pulou da cadeira e agarrou-se no pescoço do delegado, de só soltá-lo depois de lapada de todo jeito no toitiço, findando desacordado. Dias depois conseguiram a soltura dele, respondendo o processo em liberdade por ser primário. Nem adivinhava o boato do apelido comendo no centro, entre bocas e ouvidos, aos cochichos. Um menino atrevido gritou: Cabeça de bagre! Ele correu e arreou a lenha no recalcitrante, sendo apartado pelo povo. A vítima deu parte na polícia, outra queixa contra ele. Sabia que ia se lascar dessa vez. Ficou na dele, primeiro encheu a pança, depois a bronca: Foda-se. Tomou todas na virada de copos e litros. Bebaço cantou e dançou: Sou cabeça de bagre, larari, laralá. Arreou no meio da rua. Acordou com o sol quente nas faces, mais do que empulhado, de tão envergonhado pelo exibicionismo. Sabia que da prima não tinha volta, agora procurado pela polícia, fugindo da família, desastroso e intragável. Foi aí que desajuizou por uma protestante: Rapaz, sou tarado nessa crente; católica é tudo hipócrita; as outras são mais vadias com pelos e cabeça de vento. E travou-se com a religiosa pela noite enorme. Ao despertar, ela não era tão linda quanto parecia. Ela invocou-se com a rejeição dele: Cabeça de bagre! A fúria dominou-lo, nem ao menos sabe o resultado de tão cego de ira. Deu uma de doido e saiu correndo, não havia outra saída, depois de aprontar foi prum hospício. Lá mesmo foi pego. Saiu mais em conta ser levado pra cadeia mesmo: Buliu com a moça, tem de casar. Um baque no coração. Olhou pra ela e com o asco de um misógino, preferiu manter-se preso. Como é que pode? Familiares e parentes no pé do ouvido: Não fica bem, pense, reflita! E pei, pou, tei, tá. Matutou e pensou consigo: Vá lá que seja, dou um jeito. Tomou uma atitude política firme e na frente de todos gritou: Nunca mais como bagre! Eis uma promessa quebrada. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS
[...] homens e mulheres têm pelo menos três olhos do saber: o olho da carne, que percebe os acontecimentos físicos; o olho da mente, que percebe imagens, desejos, conceitos e ideias; e o olho da contemplação, que percebe experiências e estados espirituais. E isso, claro, é uma versão simplificada do espectro da consciência, atingindo desde o corpo até a mente e o espírito [...] Todas as coisas são una com o Fundamento Divino - ele é, afinal de contas, o Fundamento de todo o ser! Perder a unidade com esse Fundamento é cessar de existir. Siga meu pensamento: existem apenas duas posições possíveis perante o Fundamento Divino: já que todas as coisas são una com o Fundamento, você pode ou estar consciente ou inconsciente de sua união com o Fundamento Divino: essas são as duas únicas escolhas que você tem. E já que a visão romântica é que você começa, quando recém-nascido, numa união inconsciente com o Fundamento, você então não pode perder essa união! Você já perdeu a consciência da união; você não pode ir ainda mais longe, e perder a própria união, ou deixaria de existir!Então, se você não tem consciência de sua união, as coisas não poderiam ser pior, ontologicamente falando. Isso já é o cúmulo da alienação. Você já está vivendo no Inferno [...] O que eu mais queria transmitir em One Taste era a ideia de uma vida integral, uma vida em que houvesse espaço para o corpo, para mente, para a alma e para o espírito, do modo como eles se revelam no eu, na cultura e na natureza. Em outras palavras, uma vida que tentasse, num dado momento. Ser ao máximo “todos os quadrantes e todos os níveis”. Não que eu tenha uma vida integral - jamais afirmei isso - mas, esse é um ideal que vale a pena ser almejado. One Taste também dá detalhes da minha versão de uma prática transformativa integral [...].
Trechos extraídos da obra O Olho do Espírito: uma visão integral para um mundo que ficou ligeiramente louco (Cultrix, 2001), do filósofo e pensador estadunidense Ken Wilber. Veja mais aqui e aqui.

ESTAMIRA, BEIRA DO MUNDO
O monólogo Estamira – Beira do Mundo, escrito pela premiada atriz Dani Barros e a diretora Beatriz Sayad, recriando a história da doente mental crônica e catadora de lixo Estamira Gomes de Sousa (1941-2011), levada para o cinema pelo cineasta Marcos Prado, em 2005. A atriz atuou no grupo Doutores da Alegria e participou da peça Maria do Caritó. Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE RACHEL ROSALEN
A arte da artista visual, designer e arquiteta Rachel Rosalen. Veja mais aqui.
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A literatura do escritor japonês Kenzaburo Oe, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1994 aqui.
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KARIMA ZIALI, ANA JAKA, AMIN MAALOUF & JOÃO PERNAMBUCO

  Poemagem – Acervo ArtLAM . Veja mais abaixo & aqui . Ao som de Sonho de magia (1930), do compositor João Pernambuco (1883-1947), ...