PEDRA, OURO & CORAÇÃO - A pedra bruta, pedaço de rocha
oriundo do choque térmico do magma com a superfície. Lá estava ela de anos ou
talvez de sempre exposta à erosão, feiosa e suja, um ita. Reles como qualquer
outra, simples, disforme, deformada pela duração, fragmento rijo ao desgaste, ao
desbotamento, dura e sólida. Quem diria que ela fosse objeto de estudo dos
petrólogos, um pedregulho, ou coisa que valha, seixo, calhau, cascalho, burgau,
rebo, pedra-pome, basalto, cristal, seja no deserto, no pico da montanha, no
fundo do poço ou como cálculo renal. Uma mera pedra. Ao pegá-la, parece coisa
qualquer, desimportante, diferentemente se nas mãos de um artesão – esse sou eu
ou você, qualquer um. Pegá-la, esfregá-la, limpá-la, o desbaste, a remoção da
sujeira, aparentemente uma coisa feia que, assim mesmo, a gente segura e
espreme – como artesão – lava, bem lavada de ficar lisa, aquinhoada, exposta ao
cuidado como se fosse uma preciosa ou do Sol ou da Lua ou Estrela num castelo
abandonado. Afinal, pode ser avultada, quem sabe, lápis-lazúli ou pérola ou rubi sob o colchão na cama dos mortos; safira ou selenita
ou turquesa amarela dentro da cabine de um barco afundado no mar; zebra stone
ou unaquita ou rodocrosita, ou mesmo água marinha sob os escombros duma casa
assombrada; madrepérola ou malaquita ou crisocola sob as ferragens de automóvel
num ferro velho; ou berilo ou dolomita ou jade sob o lixão das periferias
famintas; ou kunzita ou amazonita ou cianita sob os restos mortais de
insepultos amaldiçoados; ou esmeralda ou granada ou magnetita perdidas nos
esgotos urbanos; ou rodonita, peridoto ou bronzonita nas imundícies das margens
dos rios; ou pirita, âmbar ou quiastolita
no estômago de uma égua morta à beira de um riacho longe; ou hematita, serpentinita
ou ametista num gruta perdida entre muitas por
aí; nuumita, citrino
ou leopardita no chão de um ermo distante; ametrino, cornalina ou fluorita na
beira das rodagens desse mundo de meu Deus; sodalita, apatita ou coral nas
locas das cobras vigilantes; labradorita, azurita ou madeira fossilizada aos
pés de um morro ignoto; morganita, turmalina negra ou melancia ou verde no meio do nada de um vale desconhecido, ou mesmo ágata azul ou fogo ou dentrita ou lilás ou rosa ou verde escondida nas matas ínvias quase inexistentes; calcita azul ou laranja
ou verde na curva fechada do matagal; cristal fumê ou rutilado, ou mesmo howlita
azul ou branca ou rosa na pedraria dos deltas fluviais; jaspe amuleto ou estrelado
ou indiano ou oceânico ou pardo ou rajado ou vermelho ou zebra rosa ou precioso
nos rebentões dos ventos perdidos; obsidiana negra ou maragony, olho de falcão
ou de gato ou de tigre nas correntezas que dão pro mar; ônix verde ou azul ou vermelho
nos vales inóspitos das terras de ninguém; opala andina ou de fogo, ou quartzo
azul ou bordô ou ros ou sodalític ou verde nas margens dos brejos de terras sem
nome; topázio azul ou imperial ou o tesouro e a descoberta, o desvelo do ouro da colisão
das estrelas de nêutrons e que à primeira vista reluz denso, dúctil, maleável
pepita exposta à brisa mormaçada, ao tempo e temporais, intempéries, e tida e
guardada num canto qualquer, esquecida, abandonada, o pó, a poeira, sujeiras, quase
irreconhecível na tumba da rainha Zer. Como qualquer outra será preciso sempre limpar,
tratar, manusear, lapidar, lavrar, o carinho da quase cobiça. Assim também as
coisas primeiras, como a semente e a raiz, os filhotes, o esmero e a dedicação,
o fruto que saboreia quando se remove a casca, o que se esconde embaixo da crosta,
da pele, da terra. Inestimável ou não, pode se tornar qualquer uma na mais
linda do universo. É só querer. Um grão pode ser uma fortuna, ou equivalente. O
valor é seu, faça-a a mais bonita e cara, embora tudo isso seja passageiro, relativo,
que seja bela e impagável pra você, pois o bonito e o valioso que é pra você,
pode não ser para outro e outros. O que importa é a evidenciação, como se coração
pulsando. Há quem seja ou saiba, qualquer coisa vibra, pulsa. Quase ninguém
sabe: a pedra bruta e feia que pode ser ouro, coração. Ou melhor, assim também
um coração, qualquer um. Assim, tudo na vida. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] Marina entrou no banheiro e esteve uns
minutos em silêncio despindo-se com lentidão. Os movimentos dela eram tão
vagarosos que eu os percebia a custo. Era preciso adivinhá-los. Assou-se e
lavou as mãos na torneira. – Virgem Nossa Senhora! E a punha-se a cuspir. Aquela
queixa mostrava um desengano enorme. Pareceu-me que o mundo tinha despovoado e
Marina estava completamente só. [...] Aí
o pranto de Marina rebentou novamente, enrolado, com palavras ásperas que não
entendi. [...] - Coitadinha! Não via,
não sabia. Tão inocente! Agora já sabe. Pois é. Escangalhada, com um filho na
barriga. Não faça essa carinha de santa não. É o que lhe digo. Estou mentindo?
Arrombada, com um moleque no bucho. Não quer ouvir não? Tape os ouvidos. - Cale
a boca, Marina, gaguejou d. Adélia, tremendo. Me respeite, Marina. Esta ordem
bamba pareceu-me ridícula e despropositada, mas produziu um efeito que me
espantou: Marina deitou água na fervura. Virei d. Adélia por todos os lados e
não achei que ela fosse digna de respeito. Nem de respeito nem de ódio. [...]
Marina continuava a chorar. D. Adélia
queixava-se baixinho. É estranho que elas não houvessem aludido uma única vez a
Julião Tavares. Nenhuma referência àquele patife. Era o que me espantava quando
saí do banheiro, já muito tarde. Nesse dia faltei ao ponto. [...].
Trecho do romance Angústia (Martins, 1969), do
escritor e jornalista Graciliano Ramos
(1892-1953). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ARTE DE TEREZA COSTA REGO
[...] Eu acho que sou mesmo temerária. E foi assim, fui deserdada, minha
família inteira me rejeitou. Eu saí aqui sem lenço e sem documento mesmo, como
a canção da época de 68. Fui para São Paulo, fiquei clandestina. A minha vida
eu posso dividir em três pedaços. Eu acho que eu tive três nomes: fui Terezinha,
fui Joana, e fui Tereza. Fui Terezinha, a menina rica, bonita, que usava
vestidos de costureiras, importados, depois me divorciei e aí passei a ser
Joanna, quando eu era clandestina, é uma coisa muito... Eu ainda fico meio
engasgada, quando eu falo nisso. É uma coisa muito complicada, você morar numa
casa enorme com chofer, eu tinha 11 empregados no dia em que eu saí de casa. Aí
você vai para um apartamento desse tamanho, você começa a se despojar de todos
os seus valores, tá? Eu fiz Universidade em São Paulo, e vivi clandestina, eu
era Joana. [...]
Relato da artista Tereza Costa Rego, recolhido de Entre Terezinha, Joana e Tereza: as múltiplas faces de uma artista
plástica, da professora
Elizabet Soares de Souza. Imagens recolhidas do catálogo da exposição Diário das frutas (Correios/MinC/Relicário,
2013). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
A MÚSICA DE FLAIRA FERRO
Hoje
na Rádio Tataritaritatá a música da pesquisadora, dançarina, atriz, cantora e
professora de danças populares do Instituto Brincante (SP), Flaira Ferro. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.
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Crônica de amor por ela aqui
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