Ao som dos álbuns Para os que foram e os que
ficaram (2012), Ressonâncias (2016) e Rascunhos (2019), da pianista e compositora Louise Woolley.
VOU DANADO COM ASCENSO... - Navegante errante voo
do lugar donde venho e quanto mais rodo por aí e acolá não saio do lugar. Inventei
desde menino de singrar tão vasto pelo mundo afora, mas pronde fui findei mesmo
foi de volta, parece até que nem saí. Estou por aqui e queria era correr
distâncias a desbravar quebradas insólitas, mas fui reduzido entre os filhos da cana que enterraram meus ancestrais e só no pé do ouvido Anne Carson:
É mais
fácil contar uma história de como as pessoas ferem umas às outras do que
daquilo que as une...
Mesmo assim a todos saudei e o mais perto que pude foi do que não mais havia,
porque era só desolação. É que nunca tive medo de nada, mesmo que tudo se parecesse
tão amedrontador quanto imoral ou obscuro. Nem de envelhecer de véspera, porque
da janela eu sei quanto maio fez parte duma história e nada mais se completava
na mudez do silêncio. Aprendi com Conceição Evaristo:
Combinaram de nos matar. Mas,
combinamos de não morrer... E apanhei o que restou sem deixar a tarde
desaparecer de vez pela escuridão insone, com suas flores acesas em oferenda,
guardando os que nem me despedi ao partir e que era quase um poema de amor na
manhã em que o vento dançava com os que nasceram e nem sabiam dos que padeceram
sobre tantos nomes que não diziam nada. Quando havia depois era sempre esquecer
e tudo não parava de acabar tão depressa e nada mais demorava porque na noite doía
muito acordar e, no fim das contas, valia Geraldine Brooks: Se há uma classe de
pessoa em quem nunca confiei totalmente, é daquele que não conhece dúvidas... E se o tempo urgia nos meus passos supostamente fugitivos
a tecerem caminhos entre destroços e ausências, recusas e aceitações, as minhas
pegadas estavam na minha pele roubada do chão que pisei, pedras e palavras nos
talhos dos sentimentos, sílabas alvoroçadas pelas voçorocas da carne na
imprecisão do verso perdido. Já era bem tarde os arranhões pelo corpo e o
sangue no muro que jamais reconheci, porque amanhecia e estava só com tudo
incerto e o tempo se rasgava nas vozes que eram de todos e viviam em mim. Até
mais ver.
LOCAL DE ANTECIPAÇÃO
Imagem: Acervo ArtLAM.
A casa do exílio \ é uma casa com portas \ que se abrem e fecham em
ambas as direções, \ de modo que a chegada e a partida \ ocorrem num único
movimento fluido, \ como acontece com uma porta giratória, \ no centro da qual
o exilado \ espera para ser encerrado. \ A casa não é uma morada, \ mas um
lugar de antecipação. \ Todas as salas são salas de espera. \ O sofá da sala de
estar \ oferece apenas uma breve pausa \ para andar de um lado para o outro. \ A
literatura nas estantes \ é feita de formas \ e não contém poesia, \ apenas
ordenanças \ Por mais finais que sejam as ordens, \ tão indefinidos são os
dias. \ As janelas são janelas \ através das quais se traça uma paisagem \ que
em breve deixará de ser visível \ e onde \ se trai a vista de origem. \ Quando
o exilado sai de casa \ segue as placas que indicam 'saída', \ que encontrará
onde quer que chegue.
Poema da
escritora holandesa Hagar Peeters, autora de obras poéticas: Genoeg gedicht over de liefde vandaag
(Podium, 1999), Koffers zeelucht (De
Bezige Bij, 2003), Nachtzwemmen (Perdu,
2005), Loper van licht (De Bezige Bij,
2008), Wasdom (De Bezige Bij, 2011) e De schrijver is een alleenstaande moeder
(De Bezige Bij, 2019).
POVOS DOS CISNES - [...] Um livro que não trata de nada nunca o decepciona. Livros
que buscam conclusão e encerramento correm o risco de decepcionar seus
leitores. As conclusões amortecem o impulso de inovar e de imaginar. [...].
Trecho extraído da obra Swanfolk (Harvill Secker, 2022), da escritora
e dramaturga islandesa Kristín Ómarsdóttir, autora do poema Manhã sem cabeça, extraído do livro Waitress in Fall (Carcanet & Partus Press, 2018): Certa manhã, você recebe no
correio \ a cabeça de um homem \ molhado de sangue \ na soleira da porta \ como
o leite aqui antes, \ como os jornais matinais de tempos passados, \ como as
cartas nos envelopes \ e o som do motor de um carro fica distante \ quem me
deseja mal? \ você pensa ao mesmo tempo que \ toca seu pescoço \ o sol e os
cantos matinais dos pássaros \ esvaziam o que resta da consciência. Veja mais aqui.
BATALHA PELO CÉREBRO - [...] uma sociedade interessada em uma liberdade cognitiva robusta
provavelmente buscaria proteger seus cidadãos contra a detecção injustificada
de evidências automáticas, memorizadas e proferidas no cérebro [...]. Trecho extraído da obra Incriminating thoughts (Stan. L. Rev.,
2012), da neurocientista, pesquisadora e professora iraniana Nita Farahany,
que no seu livro The Battle for Your Brain: Defending the Right to Think
Freely in the Age of Neurotechnology (St. Martin's
Press, 2023), expressa: [...] Em 2019, o Wall Street
Journal informou que uma escola primária em Jinhua exigia que os seus alunos do
quinto ano usassem auscultadores EEG, que forneciam dados aos seus professores,
pais e ao estado. O fabricante e fornecedor dos dispositivos com sede nos
EUA, BrainCo, já havia enviado mais de vinte mil deles para a China. Com cerca
de uma polegada de largura e feitos de plástico preto, os fones de ouvido Focus
1 (ou Fu Si) são usados pelos estudantes. Uma
luz no meio brilha em vermelho, amarelo ou azul para sinalizar o envolvimento
do aluno. Dados mais intensos das ondas cerebrais são enviados em tempo real
para o computador do professor, cujo software gera alertas em tempo real sobre
os níveis de atenção dos alunos. Os
professores que supervisionam o programa acreditavam que a monitorização do
cérebro melhorava substancialmente o envolvimento dos seus alunos. Um
aluno concordou, dizendo que “ficou mais atento nas aulas. Todas
as minhas tarefas retornam com notas perfeitas.” Outros alunos são menos
otimistas, tendo sido punidos pelos pais por seus baixos índices de atenção. [...] Imagine o futuro do trabalho quando a monitorização do
cérebro se tornar mais omnipresente se estas leis e normas não estiverem em
vigor. Depois de um ano marcante na empresa, a gerente de
divisão Sue liga para a funcionária Pat para oferecer-lhe uma renovação de
contrato com um aumento salarial de 2%. Sue
sabe que a empresa poderia facilmente pagar e estaria disposta a pagar até 10%
para mantê-la, mas espera que Pat aceite menos. Pat
atende a ligação de Sue usando os fones de ouvido intra-auriculares de EEG
fornecidos pela empresa. Pat
mantém a voz uniforme durante toda a ligação para não revelar suas emoções e
promete conversar com Sue no dia seguinte. O
tempo todo, Sue observa a atividade cerebral de Pat e decodifica sua reação
emocional às notícias. A atividade cerebral de Pat revelou alegria ao saber do
aumento salarial de 2% e permaneceu alegre durante todo o dia. No
dia seguinte, Pat liga para Sue e diz que esperava um aumento maior. Mas
Sue não pode ser enganada; ela
sabe que Pat ficou feliz com o aumento de 2%; além
disso, ela agora vê que Pat está com medo ao fazer seu pedido por um maior. Sue
responde que 2% é o melhor que a empresa pode fazer e Pat aceita a oferta. A
tentativa de Pat de negociar um salário melhor terminou antes de começar. Mesmo
o mais convicto libertário da liberdade contratual questionaria a justiça desta
negociação. [...] Algum
dia, os empregadores poderão eliminar a organização do trabalho pela raiz,
monitorizando a crescente sincronia cerebral dos funcionários. Um
estudo recente acompanhou os sinais EEG de estudantes do ensino secundário ao
longo de um semestre e descobriu que a sua actividade cerebral tornou-se mais
sincronizada à medida que se concentravam em tarefas colectivas.106 Por outras
palavras, apenas observando os padrões de actividade cerebral entre os
funcionários, poderia ser possível para
saber quem está planejando algo juntos, como organizar um sindicato. Aqueles
que estão menos envolvidos com o grupo podem ser identificados de forma
semelhante pela sua menor sincronia entre cérebros. [...]
Os programas de bem-estar oferecem benefícios
importantes, mas estas políticas de dados sublinham os riscos de privacidade
menos visíveis e mais perigosos que representam. A maioria está isenta das
regulamentações tradicionais de privacidade de dados de saúde. A Lei de
Portabilidade e Responsabilidade de Seguros de Saúde de 1996 (conhecida como
HIPAA), por exemplo, protege as informações de saúde identificáveis dos
indivíduos nos Estados Unidos. Mas não se aplica quando os empregadores
oferecem programas de bem-estar no local de trabalho diretamente, e não em
conexão com os seus planos de saúde coletivos. Sem leis que os impeçam de
utilizar os dados recolhidos através de programas de bem-estar, os empregadores
podem explorar os dados que recolhem, o que muitos fazem com abandono. Os empregadores aprendem tudo o que os funcionários partilham nos
questionários e inquéritos online que completam como parte destes programas, do
que medicamentos prescritos que utilizam para saber se votaram e quando pararam
de aviar as suas receitas de controlo de natalidade. E os empregadores
estão a utilizar esses dados de formas cada vez mais intrusivas. [...] À medida que a neurotecnologia e os algoritmos que a
decodificam continuam a melhorar, os sistemas baseados em EEG se tornarão o
padrão ouro no monitoramento da fadiga no local de trabalho. Não
apenas os empregadores, mas a sociedade como um todo poderão em breve decidir
que os ganhos em segurança e produtividade compensam bem os custos na
privacidade dos funcionários. Mas o
quanto ganhamos com os wearables cerebrais no local de trabalho depende em
grande parte de como os empregadores aproveitam a tecnologia. Os
funcionários receberão feedback em tempo real dos dispositivos para que possam
agir por conta própria? Os gestores monitorarão diretamente a incidência de
fadiga dos funcionários? Em
caso afirmativo, utilizarão essas informações para melhorar as condições no
local de trabalho? Ou justificará ações disciplinares, cortes salariais e
demissões de funcionários que sofrem de fadiga com mais frequência? [...]. Um relatório recente afirma que o governo chinês já está
a utilizar IA e neurotecnologia de ponta para analisar expressões faciais e
ondas cerebrais para ver se uma pessoa está atenta ao “pensamento e à educação
política” [...]. Os estudos da autora se debruçam sobre as ramificações das novas tecnologias na sociedade, no direito e
na ética, defendendo o direito de pensar livremente na era da neurotecnologia.
VOU DANADO COM ASCENSO...
Poema Ao Povo,
extraído da obra Eu voltarei ao Sol da primavera (FCCHBF/SEC/DSE/DC, 1985), com a
poesia de Ascenso Ferreira (1895-1965), organizado pela bibliotecária e
professora Jessiva Sabino de Oliveira. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui e aqui.
UM OFERECIMENTO: SANTOS MELO LICITAÇÕES
Veja detalhes aqui.
&
Tem mais:
Semana Ascenso Ferreira na Biblioteca Fenelon
Barreto
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