UM LOUCO AMOR...
– Ao vê-lo brilhando no palco por cenas engraçadas, logo ela estremeceu. Era
ele bulindo no seu coração. Ao final do espetáculo seguiu para o camarim e na
fila ele a viu e logo aproximou-se: Sou primo do velho Sábio! Disse-lhe com
ares de andarilho enérgico, como quem chegasse varrendo tudo à frente, levando
tudo de roldão com seus ventos fortes. Beijou-lhe as faces e saiu. Alguém na fila
logo insinuou: Manter um louco por perto afasta o mau-olhado. Ela sorriu com o
gracejo. Advertiram cochichando: É um embusteiro. Ele ficou séria reprovando a
insinuação. Abandonou a fila e dirigiu-se de volta para sua residência. No meio
do caminho sentiu passadas ao seu encalço. Era ele risonho: Vai pra onde, moça?
Sou um pobre diabo na dança da vida dos grandes trunfos de Charles Williams e perseguindo
seus passos. Como assim? Deixe-me apresentar: Sou Le Fou: Eu sou luz e viajo
leve... Cheguei de Marselha! O espalhafato dele parecia invadir suas entranhas
de forma gostosa. Chamou-a de Squeaky
Fromme. E repetiu silabicamente: Lynette
Alice Squeaky Fromme. E acrescentou: Agora dará certo. Sou il Matto. Ela sorria sem entender nada
daquilo tudo. Ele então com um ar enigmático e ubíquo fez-se príncipe Mishkin do Idiota de
Dostoiewsky: Oh! Tempo é que não me falta; é inteiramente propriedade
minha... E firmou seus olhos no dela: Tens a beleza enlouquecedoura de
Nastácia Filíppovna. E a seduziu convencendo-a de que foi tocado pela mão de
Deus. Continuaram às passadas e ele mais incisivo: Sou de Tarocchi, bem
recebido em toda parte! Sabe o que é? Não. Sou Coringa: sei todas as faces do
diabo! Estou nos dois mundos de Puck e com o rei Oberon e, quando quero, sou o bobo
do Rei Lear de Shakespeare: Tenho os ossos do universo e o Ovo do Mundo! Ela
espantava-se com loquacidade dele, abrindo bem os olhos, admirada. Aquilo tudo
para ela ere muito encantador. E seguiram dela nem notar direito os passeios
por Stonehenge, pela Hagia Sophia e o Templo de Delphos. Disse-lhe Lao-tzu: Nós
fazemos vasos de barro, mas a verdadeira natureza deles está no vazio interior...
Ela estava encantada com sua fanfarrice e mais ainda com os ensinamentos
Ouroboros: Deus é uma esfera inteligível, cujo centro está em toda parte e
cuja circunferência não está em parte alguma. Vamos? Pra onde? Quem não tem
meta fixa nunca perde o caminho. Ela olhou de lado e era como se estivesse no
salão de um castelo escuro. Como chegamos aqui? Ele estalou os dedos, as luzes
acenderam; novamente os dedos, fez-se escuridão: apenas um raio de luar sobre
as faces deles. Ele sorrateira e diligentemente de forma enfeitiçante desabotoou
cada um dos botões de sua blusa e a retirou para contemplar seus atraentes
seios rijos. Tocou delicadamente o bico de um seio e a sentiu estremecer
fechando os olhos como resignada refém. Deixou-a apenas com a sua longa saia
vermelha, afastando-se para admirá-la, entregando-se um buquê de flores,
ornou-a com uma coroa de flores à cabeça e, ao seu pescoço, colocou-lhe um
cordão com uma insígnia realçada entre os seios nus. Ajoelhou-se aos seus pés e
com juras desmesuradas prometeu ensinar-lhe a voar com salvo-conduto sagrado
pelo universo num tapete mágico que a presentearia tão logo anuísse com todo o
seu ritual. Sorridente e com nuto positivo ela deixou-se levar. Ele fez-se The
Pied Piper e expôs a flauta mágica de Papageno: Vamos pros jogos que a
gente joga? Tomou-lhe as mãos e a fez amolegar seu sexo sussurrando-lhe ao
ouvido: Você é a minha coringa, verá minha face idiota risonha ao espelho.
Sejamos loucos pelo amor de Jesus. Fez-se bufão despudorado e enredou-a nas
cenas do Parsifal de Wagner, pelas colinas do Monte Salvat, como se
fosse um cavaleiro do Santo Graal: Vamos ao jardim mágico do mago negro
Klingsor! Ela segurava seu pênis enquanto ele estertorava ferindo cisnes no ar.
Estava seduzido por ela: Você é a escrava amazona Kundry. Ousou beijá-la novamente
para se desviar das lanças que destruíram o castelo mágico. Entre os escombros
ele afastou-se descendo degraus, tocou-lhe os pés e suas mãos se atreveram a
contornar suas pernas trêmulas por baixo da saia, alisando os joelhos à mostra e
intrometendo-as entre as coxas dela, alisando sua calcinha escarlate,
cuidadosamente removida para cheirar o aroma de sua intimidade e guardá-la ao
bolso. Desabotoou então as presilhas da saia para desnudá-la e nela fez a festa
da epifania The Swabian-Alemannic Fastnacht, e celebrou a Mardi Gras, fez do
seu corpo as ruas de Hamelim e envolveu-a numa onírica viagem ao Getsêmani para ser azeitada por sua prensa no jardim ao
sopé do Monte das Oliveiras. E ela suou o sangue em grandes gotas a correrem
até o chão. Estava premiada com a fertilidade quebrando seus votos de castidade.
Disse-lhe ele sussurrante que ali se tornara imortal: Alguém lá em cima
está do meu lado, sou agora mais amigo de Deus. Veja mais aqui.
DITOS &
DESDITOS - A maioria dos problemas do homem neste planeta, na longa
história da raça, foram enfrentados e resolvidos, parcial ou totalmente,
através de experiências baseadas no bom senso e realizadas com coragem. Não é
da natureza do homem, a meu ver, estar sempre bastante satisfeito com o que tem
na vida... O contentamento tende a gerar relaxamento, mas um descontentamento
saudável mantém-nos alertas às novas necessidades do nosso tempo... A porta
poderia não ser aberta novamente para uma mulher por muito, muito tempo, e eu
tinha uma espécie de dever para com outras mulheres de entrar e sentar na
cadeira que foi oferecida, e assim estabelecer o direito dos outros por muito
tempo e muito distantes na geografia para sentar nos assentos altos. Feminismo
significa revolução e eu sou uma revolucionária. A acusação de que sou mulher é
incontestável... Pensamento da socióloga estadunidense Fannie Perkins
(1880-1965).
ALGUÉM FALOU:
Um grande número de pessoas amontoadas em pequenas tendas: alguns doentes,
alguns moribundos, ocasionalmente um morto entre eles; rações escassas
distribuídas cruas; falta de combustível para cozinhá-los; falta de água para
beber, para cozinhar, para lavar; falta de sabão, escovas e outros instrumentos
de limpeza pessoal; falta de roupa de cama ou de camas para manter o corpo
longe da terra nua; A conclusão é que todo o sistema é cruel e deveria ser
abolido. Trecho do relatório Para o Fundo de Socorro SA, Relatório de
uma visita aos campos de mulheres e crianças nas Colônias do Cabo e do Rio
Orange (1901), escrito pela enfermeira e ativista britânica Emily
Hobhouse (1860-1926), durante a Guerra Anglo-Boer. Veja mais aqui.
OS GRANDES
TRUNFOS – […] Nada era certo, mas tudo estava seguro – isso fazia parte do mistério do
Amor. [...] São mãos lindas; embora tenham arruinado o mundo, são mãos
lindas. [...] Toda beleza retorna. Espere um pouco. [...] é chamado de
Louco porque a humanidade julga tratar-se de loucura até conhecê-la. É soberano
ou não é nada e, se não for nada, o homem nasceu morto. [...] Diz-se que
o embaralhar das cartas é a terra, e o bater das cartas é a chuva, e o bater
das cartas é o vento, e o apontar das cartas é o fogo. Esse é um dos quatro
naipes. Mas dizem que os Grandes Trunfos são o significado de todo o processo e a
medida da dança eterna.[...]. Trechos extraídos da obra The
Greater Trumps (Victor Gollancz, 1932), do escritor britânico Charles
Williams (Charles Walter Stansby Williams – 1886-1945), uma narração vívida e apaixonada de uma
tentativa de usar as cartas originais do Tarô para descobrir o significado de
todos os processos cósmicos, tanto microscópicos quanto macroscópicos, que o
autor chama de "A Dança da Vida". Uma advertência do autor: O uso egoísta e
egocêntrico dessas imagens arquetípicas mostra-se desastroso; seu uso adequado revela
o Amor no cerne da Dança. As decisões dos protagonistas de aceitar ou
rejeitar o Amor onipresente como o centro de todo o ser tornam-se o foco para a
conclusão dramática do romance, ao longo do qual explora dois dos principais
temas de seus escritos - o Caminho da Afirmação e o Caminho da Negação.
BOBO DA CORTE
& O LOUCO - [...] Era função do bobo do rei recordar-lhes as suas
loucuras, a mortalidade de todos os homens e ajudá-lo a guardar-se do pecado da
arrogância e do orgulho jactancioso. Um bobo quase idêntico ao rei não pode
exercer adequadamente essas funções, nem pode afastar o “mau-olhado”. E, como o
demonstrou a “tragédia de Watergate” do início dos anos setenta, uma corte
composta inteiramente de pessoas que sempre concordam com o rei está destinada
à ruína [...] Se dermos ao louco as boas-vindas ao nosso mundo, ele talvez
nos ensine a voar e nos ofereça salvo-conduto para viagens semelhantes ao seu
mundo, contanto, naturalmente, que o ajudemos a arrumá-lo um pouco. [...] A
doença mental está aumentando num ritmo alarmante. Ironicamente, mas não inesperadamente,
a coisa que mais temíamos desceu sobre nós. Paradoxalmente, o caminho para a
verdadeira sanidade passa através da infantilidade e da loucura. [...] Como
assinalou muitas vezes Margaret Mead, quem quer que tenha nascido depois da
Segunda Guerra Mundial está ingressando num clima científico cultural
desconhecido de seus pais e para eles sempre incognoscível. [...]. Trechos extraídos
da obra Jung e o tarô: uma jornada arquetípica (Cultrix, 1980), da
escritora britânica Salie Nichols. Veja mais aqui, aqui e aqui.
MARÇO - [...]
Conhecer a
biblioteca de um homem é, em certa medida, conhecer a mente de um homem. [...]
Você continua. Você coloca um pé na frente do outro e, se uma voz fina
grita, em algum lugar atrás de você, você finge não ouvir e segue em frente. [...]
Eu não estou
sozinho nisso. Eu apenas o deixei fazer comigo o que os homens já fizeram com
as mulheres: marchar para a glória vazia e a aclamação vazia e nos deixar para
trás para juntar os cacos. As cidades destruídas, os celeiros queimados, os
animais inocentes feridos, os corpos arruinados dos meninos que geramos e dos
homens com quem nos deitamos. O desperdício disso. Eu sento aqui e olho para
ele, e é como se cem mulheres estivessem sentadas ao meu lado: a esposa
revolucionária da fazenda, a camponesa inglesa, a mãe espartana - 'Volte com
seu escudo ou sobre ele', ela gritou, porque era isso que se esperava que ela
chorasse. E então ela se inclinou sobre o corpo quebrado do filho e as palavras
viraram pó em sua garganta. [...]. Trechos extraídos da obra March
(Penguin, 2006), da escritora australiana Geraldine
Brooks.
DOIS POEMAS
- I – Estou
aqui por outras crianças.
Estou
aqui porque me importo.
Estou
aqui porque as crianças de todo o mundo estão sofrendo e porque quarenta mil
pessoas morrem de fome todos os dias.
Estou
aqui porque essas pessoas são, em sua maioria, crianças.
Temos
de compreender que os pobres estão à nossa volta e que os ignoramos.
Precisamos
entender que essas mortes são evitáveis.
Temos
de compreender que as pessoas nos países do terceiro mundo pensam,
preocupam-se, sorriem e choram tal como nós.
Temos
que entender que eles sonham os nossos sonhos e nós sonhamos os deles.
Temos
que entender que eles somos nós. Nós somos eles.
O
meu sonho é acabar com a fome até ao ano 2000.
Meu
sonho é dar uma chance aos pobres.
Meu
sonho é salvar as 40 mil pessoas que morrem todos os dias.
Meu
sonho pode e se tornará realidade se todos olharmos para o futuro e vermos a
luz que lá brilha.
Se
ignorarmos a fome, essa luz se apagará.
Se
todos ajudarmos e trabalharmos juntos, ele crescerá e se libertará com o
potencial de amanhã. II – Todos nascemos e um
dia todos morreremos. Provavelmente até certo ponto sozinho. E
se a nossa solidão não for uma tragédia? E se a nossa solidão for o que nos permite
falar a verdade sem ter medo? E se a nossa solidão for o que nos permite
aventurar-nos – experimentar o mundo como uma presença dinâmica – como algo
mutável e interativo?
Se
eu morasse na Bósnia ou em Ruanda ou sabe-se lá onde mais, a morte
desnecessária não seria um símbolo distante para mim, não seria uma metáfora,
seria uma realidade.
E
não tenho direito a esta metáfora. Mas eu uso isso para me consolar. Para dar uma fração de significado a algo
enorme e desnecessário.
Esta
realização. Essa constatação de que viverei minha vida
neste mundo onde tenho privilégios.
Não
consigo resfriar águas ferventes na Rússia. Não posso ser Picasso. Eu não posso ser Jesus. Não posso salvar o planeta sozinho.
Posso
lavar louça. Poemas da ativista estadunidense Rachel
Corrie (1979-2003), que era membro do Movimento de Solidariedade Internacional
(MSI), e atuava nos territórios palestinos da Faixa de Gaza ocupados por
Israel, quando foi emagada até a morte por uma escavadeira blindada israelense.
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