DO QUIPROCÓ PRO BOTA PRA QUEBRAR – Imagem: A multidão, arte do pintor e desenhista
Claudio Tozzi. - Alagoinhanduba
amanheceu de pernas pro ar. Bastou o doutor Teje Preso entrar por uma porta
para assumir o Judiciário da Comarca, o prefeito Zé Peiúdo, pela segunda vez,
arribou pegando o corujão pela outra. Como é que pode? Quando deram pelo sumiço
do chefe do Executivo local, avisaram-no imediatamente: Calhorda, eu pego ele. Zé
Corninho ao ser localizado para assumir o comando, foi logo desqualificado: Ah,
esse é um bunda mole, dispara. Aí o magistrado aproveitou a ocasião, reuniu
todo mundo ao seu redor e berrou: Eu sou a Lei! Tenho dito e dou fé. E zarpou
para a prefeitura. No caminho, saiu distribuindo prisões no grosso e no varejo.
Quem tinha ou não tivesse culpa no cartório, torou aço. Bastava uma camisa com
botão fora da casa, ou uma tatuagem, uma cara suspeita, uma careta mal dada, um
gesto efusivo, ou o que fosse que desagradasse o juiz, não dava outra: teje
preso! E era na hora sacudido na cadeia para mofar até o dia que ele desse na
veneta ou no tutano. E ele só covocando a cabroeira que não sabia para onde é
que ele ia. Parou de repente, chamou os cheleleus e perguntou: Onde fica o
Palácio Episcopal? Ali. Vamos lá. E foi dar uma alertada ao Bispo em pessoa,
mandando o bafo ao pegá-lo pela beca, esfregando o dedo na lata dele: Corte
certo comigo, senão tomo tudo; o meu sonho é assumir o triunvirato: Executivo,
Judiciário e Eclesiástico, porque o Legislativo vou fechar agora. Foi um buruçu.
Na hora o prelado tremeu tanto de findar com uma caganeira da peste, desaparecendo
de vez. Foi-se. Dirigiu-se à Câmara de Vereadores e chegando lá mandou ver:
Camboio de desocupados, a partir de hoje quem manda sou eu! E arrastou-los
todos para a sua posse. Chegando ao Palácio do Capim, sede da Administração
Pública local, ele autonomeou-se Rei Teje Preso, o Imperador de Alagoinhanduba.
Pronto. Todos, a partir de então, eram os seus súditos e tinham de saudá-lo de
joelhos, cabeça baixa e fazendo reverência à sua majestade. Foi até a sacada do
gabinete, armado de um megafone e vociferou pra população em polvorosa: Aqui
ninguém entra, ninguém sai. E sumiu lá pra dentro. Ninguém entendeu nada. E o
doutor Teje Preso pintou miséria: quem tinha duas casas ficou com uma; quem
tinha dois engenhos, ficou com um; quem tinha uma ou mais lojas, ficou com apenas
uma; e assim por diante, uma verdadeira reforma agrária feita e o que era
tomado por desapropriação era destinada a presídios, campos de concentração e serviços
forçados. Ninguém escapava das penas inventadas arbitrariamente por ele, mesmo
o mais inocente riso: Tá mangando de quem? Ué? Teje Preso. Na lei de sua
excelência doente mental ou aleijado, cego, surdo, mudo, era sacrificado por
ser considerado desperdício. E com pena de morte instituída – brincasse não, se
ele amanhecesse de bom humor, qualquer um que fosse preso era só cadeia; se ele
amanhecesse cagando raio, fuzilamento para quem quer que ele achasse devido -, as
mulheres eram tratadas como subgente, os morenos e mais escuros eram a
experiência que queimou – só os brancos, dependendo da lua dele, que podiam
zanzar; e se desmunhecasse, pau no lombo até os urubus atacarem o insepulto, e
por aí vai. Três meses depois foi que deram fé: um muro com mais de trinta
metros de altura foi construído por toda dimensão do município. Teve gente que
escapuliu pelo ladrão, mas a grande maioria ficou encerrada: Aqui é o cárcere. Tanto
é que desde então ninguém mais teve notícia do povinho bom de Alagonhianduba,
até sumiu do mapa, hem, hem. Que coisa! Ninguém se quer se lembra. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo & aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Quando ouvia alguém falar: essa pessoa é
feita de cortiça, não sabia que queria dizer. Para mim cortiça era rolha.
Se não entrasse na garrafa, depois de destampá-la eu a afinava com uma faca
como se apontasse um lápis. E a cortiça rangia. E era difícil de cortar porque
não era nem dura nem mole. E por último entendi o que as pessoas queriam dizer
quando falavam essa pessoa é de cortiça… porque eu tinha virado uma pessoa
assim. Não porque fosse de cortiça, mas porque tive de me fazer de insensível,
como cortiça. […] Tive de me fazer de
cortiça para poder seguir em frente. [...] mas o que acontecia comigo era que eu não sabia muito bem por que
estava no mundo. [...] Eu ouvia muito
admirada porque via um outro Cintet e fiquei pensando que a guerra mudava os
homens [...]
Trechos
extraídos da obra A praça do diamante
(Planeta, 2003), da escritora espanhola Mercê
Rodoreda (1908-1983).
A ARTE DE CLAUDIO TOZZI
AGENDA
&
O estopô
calango do Teje Preso aqui.
&
Curou, morreu, João Cabral de Melo Neto, Friedrich Nietzsche, Rosário
Fusco, Michel Maffesoli, Barbara Marczewska, Pintando na Praça & Paulo
Profeta, Tōru Takemitsu, Maria Helena de Andrade, Paulinho Nogueira & Isabella Taviani aqui.
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