GLOSANDO O MOTE – Imagem: arte da pintora
do cubo-futurismo russo, Natalia Goncharova (1881-1962). - Certo dia um
brabudo, desses de curral eleitoral, zanzava por Alagoinhanduba à cata de voto
dos curaus desavisados. Tome aqui, tome acolá e vote nesse aqui, esse é o meu
candidato. Distribuía cédulas e tranqueiras, de dez tões e alguns mirréis, angariava
a simpatia dos eleitores que prometiam todas as gerações dos parentes votantes
no seu candidato. Esse está eleito, seu Zé! Vivôoooo! A coisa já estava virando
festa: uma banda de dentadura prum banguela, uma moleta pro aleijado, um
piscinêz pro quase cego, um negocinho pra ouças do mouco, uma aliança pro
noivado, umas feirinhas pruns precisantes, o homem era estibado, deitava cobre
e umas goladas. A certa altura do fuzuê, chamou sua atenção a fala cantante do
Marcantóin aos versos e rimas que vinha por ali mexendo com um e com outro - não era lá essas coisas, não, rimava por só de ajeitar, coisa dum poeta de água doce que o povinho de lá até gostava e como, caía às gaitadas e tome puxa saco. Êpa!
Alto lá. O passante estreitou as pestanas, olhou sério azanoiado, fitando o pau
da venta do petulante que se encostou nele e sacolejou: Tô catando voto pressa
eleição, diga logo quanto é o seu, vá! Peraí, mô véio! Alto lá digo eu. Que é
que é isso, meu? Vá, desembuche! Meu voto, seu senhor, é pura verdade, não tá a
venda não, é minha identidade. Aí o raivoso peiticou: Você me arrespeite que
aqui eu mando em tudo, seu cabra! Eita! O senhor pode mandar em tudo que é
localidade, o senhor pode ser tudo, até autoridade, mas aqui pra nós, não manda
na minha privacidade, em mim quem manda sou eu, Marcantóin de Zecandrade! Já vi
que esse cabra é maluvido e quer uns esquentos no pé da orelha! Êpa! O homem
então ciscou, arrevirou-se, bateu na mão o cabo do revólver e foi logo
ameaçando: Homem nenhum cospe desaforo na minha cara, eu lhe arrebento todo com
duzentos tiros no focinho, seu cabra safado! Marcanntóin ajeitou a gola da
camisa, arregaçou as mangas, ajeitou o cinturão na fivela, deu um passo pra atrás
e dois de lado, e sapecou na lata do chato: Seu homem sou um pobre com honestidade,
as coisas que eu sei, aprendi na realidade. Não me venha com brabeza nem com essa
maldade, você pode ser macho que for da maior atrocidade, pode inté falar em
riba da sua legalidade, que não me envergo ou arredo com a temeridade. Se você
quiser dar grito feito uma malignidade, digo que sou corpo fechado, sem medo de
ruindade. Aviso que pode guardar a sua animosidade, que aqui só tem valor o que
é tranquilidade. Guarde seu riso troncho e sua falsidade, que eu cá privo das
coisas em plena liberdade: sou amigos de todos e de todos tenho amizade. Se aqui
acontece qualquer calamidade, sou tal qualquer um, sou a outridade. Cada um vai
pronde quer, pro campo ou pra cidade. Se se quer viver, que viva toda
eternidade. O melhor da vida mesmo é viver com qualidade, tratar os outros com
civilidade, quando não por solidariedade. Pro que é desigual, só há a equidade.
Se é pra ver Drummond ou Marquês de Sade, seja qual for o verso de saudade,
vale qualquer um, a sua personalidade. Seja moço ou mesmo da melhor idade, seja
feliz no seu canto, você é a felicidade. E se tem que escolher, escolha mesmo
de verdade, que eu só voto quem vejo cheio de humanidade. Os aplausos foram tantos
que o metido saiu de fininho com o rabinho entre as pernas e resmungando,
enquanto Marcantóin correu solto glosando o mote por toda tarde. E vamos
aprumar a conversa, gente! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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DITOS & DESDITOS:
[...] Para ele, tudo o que fizessem de agradável
nunca era feito naturalmente, mas por um desejo de se beneficiarem. Esse
conhecimento era tão antigo como sua vida, que havia começado numa rua [...]
Por que ninguém faz nada a respeito?
[...] Por que não pegam todo mundo e
descobrem quem é quem, e botam os malditos judeus isolados, e acertam essa
história de uma vez por todas! [...] Para
ela era apenas uma questão de esclarecer suas identidades e poderiam aproveitar
o hotel no fim de semana. Ele não sabia como dizer que nunca mais se sentiria à
vontade naquele hotel. Não sabia como dizer que não deviam tentar convencer um
dono de hotel ou qualquer outra pessoa de que eram gentios. Ele não entendia
esse seu sentimento. Mas seria como implorar, como ser admitidos em caráter
experimental, e se fizessem ou dissessem algo o clima em torno deles ficaria
frio, e ele teria de passar todo o fim de semana provando que era um bom
sujeito. [...] Naquelas primeiras
impressões de violência futura, os agressores eram... bem, se não cavalheiros,
eram decerto permeáveis a condição de cavalheiros, como ele próprio. Podiam
limpar a cidade da noite para o dia, por assim dizer, e então a cidade
pertenceria exclusivamente a pessoas como ele, e a gentalha que conseguira
mudar tudo desapareceria de alguma forma no anonimato de onde havia surgido
[...] e não podia enfrentar aquele homem
assim – e ele era um homem agora – e dizer que não gostava dele porque não
gostava. Nem podia dizer que sua habilidade de ganhar dinheiro era questionável
[...] viu que nunca odiara realmente a ele, simplesmente estivera sempre a
ponto de odiá-lo – passara por aquele homem toda manhã com a noção de que ele
tinha em si a propensão a agir como se espera que ajam os judeus:
desonestidade, sujeira, barulho. [...] E,
no curso normal dos acontecimentos, seu sentimento jamais mudaria, por mais
corretamente que Finkelstein se comportasse no quarteirão. [...] a única resposta que podia dar àquele homem
era que não gostava dele porque seu rosto era o rosto de um homem que devia
estar agindo de modo odioso [...]. Não
vou mudar. Gosto daqui. Gosto do ar, faz bem para os meus filhos. Não sei o que
eu vou fazer, mas não vou mudar. Não sei como vou enfrentar eles, mas vou lutar
com eles. Essa coisa é organizada para eles verem o que podem tirar disso. São
um bando de demônios e querem este país para eles. E, se o senhor tivesse
alguma consideração com este país, não me diria uma coisa dessas. [...].
Trechos
extraídos da obra Foco (Companhia das
Letras, 2012), do escritor e dramaturgo estadunidense Arthur Miller (1945-2005). Veja mais aqui.
A ARTE DE NATALIA GONCHAROVA
A arte da pintora do cubo-futurismo russo, Natalia
Goncharova (1881-1962). Veja mais aqui, aqui e aqui.
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