GALINHA D’ÁGUA – Imagem: foto de Ed Machado/Folha de Pernambuco - Galinha d’água e a infância na
beira do rio do lado de cá, o outro lado distante ao alcance dos olhos: eu
sorria o que era triste e nem sabia. Deste lado, a margem é estranha: coisos e
coisas pra lá e pra cá, horrível barbárie em plena avenida dias e noites. É do
lado de cá que é tudo muitas vezes deprimível, quase sempre tão devastador o
veneno letal da estupidez que não diz mais nada além da vigência do atraso: há
quem ria de menos, quem chore de mais, dez vezes eu contei os velhos tratados
como trapos catingosos e só tivessem que morrer logo para nos deixar em paz, oh
não, meus avós, sábios e mausoléus. As praças são lixeiras e o lixo viveiros
exaltados das novas mortes nas promoções das vitrines e o glamour dos quinquênios
menores que o triz se muito ou não mais que isso, meninos enterrados vivos,
meninas que soletram o ganha-pão na condução entupida de lêmures que não sabem
da vida no sabor de morrer a cada instante entre mães que adolescem chorosas e
parem seus filhos que as guerras engolem com seus escravos insones sem saber o
que fazem a cochilar entre a ordem e a punição, esfaqueando os consaguíneos por
não terem nenhum afeto, fratricidas quais parricidas genocidas de agora, nenhuma
raiz e nem nada: são só mortos de si pros outros que mandam a lei. É tudo duro de
murro, cruel demais. Os pais pensam vivos que não sabem o futuro de ontem, hoje
só falam ameaças e os temores plantados atrás de uma luz com a voz da
escatologia: somos todos quase mortos sobrando nas bordas das calçadas tomadas
pela vigilância dos donos dos muros, onde ninguém é de ninguém e sem saber quem
seria por nós. Ninguém mais que a pedra e a água a ricochetear poucos metros na
força do muque e do pulso, ah como sou falho de tantos fracassos com todos meus
erros do lado de cá pro lado lá, porque o lado de lá é tão longe, quase inacessível
que se faz, mas tão perto de mim, olhos e mãos a me ensinar da esperança que
nunca morreu nem morrerá porque é de lá que aqui as mulheres fazem bonito na
praça do Derby de mãos dadas e elas ao meu lado a me levar menino que sempre
fui a sonhar tão estrangeiro de sempre vou com seus passos tomando de lá da Boa
Vista até a Guararapes do Oiapoque ao Chuí do planeta em ebulição por todas as
ruas, em cima da ponte, nos para-choques, retrovisores, janelas, bustos e
testas, à margem de nada e ao lado de tudo, lindo demais e em mim, tornando
possível o sonho de um país melhor no Recife com todos os cheiros dos sargaços
que não esqueci, e elas falavam e me diziam de tudo que são e somos, eu já sou com
elas pisando firme tagarelas, a me fazer tão mulher no que sempre soube de mãe
e irmãs e tias e todas, como fizeram bonito no meu coração, como se minhas
filhas voassem pra mostrar que o sábado será um domingo de toda semana por
meses de anos e décadas e séculos e milênios vindouros ao som de batuques da
dança de alma nua, descalças guerreiras, peito pras causas que minhas e dos
meus que são todos e a me levar adiante, na onda que o frevo faz fora do
carnaval, a ferver nas palpitações do peito com outras cantigas no arrepio da
pele, o rubor que incendeia as cabeças para acordar o Brasil adormecido em
berço nem tão explêndido assim e jamais, mas que é o nosso Brasil que a gente
pode fazer muito melhor. Ah, como elas dançam e cantam bonito na minha alegria
apaixonada por elas e descem do palco porque a festa seguirá sozinha e não terá
mais fim pra me fazer mais menino que sabe que é delas a nossa redenção. Do
outro lado que aspiro a lição: pra chegar lá tem de fazer todo dia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música da cantora e compositora
estadunidense Joan Baez: Concert Live, Norway Live, Fare
thee well abschiedstour & Honors and Impersonates & muito mais nos mais
de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – [...] Poderíamos
também dizer que a luz branca da razão, do esclarecimento, transforma-se na
escura luz devorada da onipotência: ao querer se livrar do medo pelo domínio total
(e totalitário) sobre o real, a razão do esclarecimento não pode mais tolerar
nada que lhe escapa, nem deuses, nem estrelas, nem sonhos. [...] Trechos da
obra Sete aulas sobre linguagem, memória
e história (Imago, 1997), da professora, filósofa e escritora suíça Jeanne Maria Gagnebin.
SOBRE A VERDADE E A MENTIRA – [...] somente
pela teia rígida e regular do conceito o homem acordado tem certeza clara de estar
acordado, e justamente por isso, chega às vezes à crença de que sonha, se
alguma vez aquela teia conceitual é ragada pela arte [...] então a cada instante, como no sonho, tudo é
possível! [...]. Trecho extraído da obra Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral – Obras incompletas
(Nova Cultural, 1987), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900). Veja mais aqui e aqui.
CIDADES INVISÍVEIS – [...] Caminha-se
por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa,
e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa:
a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia uma veia de
água; a flor do hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo e intercambiável –
árvore e pedra são apenas aquilo que são. Finalmente, a viagem conduz à cidade
Tamara. Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos
não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras. [...] Outros símbolos advertem aquilo que é
proibido em algum lugar – entrar na viela com carroça; urinar atrás do
quiosque, pescar com vara na ponte. [...] O olhar percorre as ruas como se fossem página escrita: a cidade diz
tudo o que você deve penar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você
acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os
quais ela define a si própria e todas as suas partes. [...]. Trecho
extraído da obra Cidades invisíveis
(Companhia das Letras. 1990), do escritor italiano Ítalo Calvino
(1923-1985). Veja mais aqui e aqui.
PROGRESSO - Um zum-zum!
/ Um zum-zum! / Um zum-zum esquisito / que espanta até os bichos nas tocas!/ Um
zum-zum que lembra coisas medonhas! / Coisas infernais!/ Coisas diabólicas! / E
o zum-zum cresce, / aumenta / e apavora o povaréo enorme! / - Minha Nossa
Senhora, é o fim do mundo! / - Misericórdia! Misericórdia! / - Reza, povo,
reza! / - Valei-nos! / Nosso padrinho / Padre Cícero / do Joazeiro! / Nada de
fim do mundo, meu povo! / Não é o fim do mundo não! / É o bicho homem vencendo
a Natureza!/ Corta o espaço azul do céu / rápido, / barulhento, / um fantástico
passará de ferro, / o primeiro avião!... Poema do poeta, jornalista,
economista e folclorista Jayme Griz (1900-1981), publicado no Jornal A Pilhéria, em 15 de fevereiro de 1930,
extraído da obra A imagem e seus labirintos:
o cinema clandestino do Recife 1930-1964 (Nektar, 2014), de Paulo Carneiro
da Cunha Filho. Veja mais aqui.
AS MULHERES FAZEM BONITO: #ELE NÃO
As mulheres de Recife #Ele Não
AGENDA
&
Todo dia
é dia das mulheres aqui.
&
O jantar dos compadres, Gaston Bachelard, Marcel Duchamp, Raimundo Carrero,
Luís Dantas Quesado, A música & Kurt Pahlen, Francisco
de Almeida, Culture 21, Max Bruch, Ligia Moreno, Carlos Careqa & Luiza Possi aqui.