DAS COISAS DE ALAGOINHANDUBA – Imagem: arte do artista visual argelino Kamel Rekouane. - Alagoinhanduba nem
existe no mapa, coisa que remete ao desprestígio daquelas cidadezinhas
escondidas nos cafundós. Até hoje o senso não foi concluído, não havendo
concórdia quanto ao exato número de habitantes, sabendo-se apenas dos votantes
no período eleitoral. Afora isso, tudo de extraordinário acontece todo dia,
desde correr bicho, ataques de tochas sobrenaturais, mula sem cabeça, perna
cabeluda, afora escândalos, assassinatos, protestos, assaltos, passeatas,
arengas e revoltas, enfim, tudo lá acontece de verdade, a ponto de se constatar
que o mundo todo está ali em ebulição. Sempre sujeita às mais insólitas
acontecências, o extravagante faz parada diária na resenha popular. Principalmente
depois da pendenga instalada pelo estranhamento entre o Padre Quiba e o então
coroinha Bidião, que a coisa pegou fogo a ponto de rachar a população no meio e
deixá-la em pé guerra. Os anos se passaram e, de um lado, os encolerizados
asseclas do pároco local que acusam o então sacristão de partes com o tinhoso e
de hereges aqueles que debandaram pras bandas do desavergonhado papa-hóstia,
acoloiados dos fuxiqueiros e fanáticos fiéis mais fervorosos. De outro, os
antipatizantes do furioso vigário, que elegeram Bidião clérigo opositor,
representante dos pobres, oprimidos e espremidos da sede, distritos e
periferia, facção essa que vem ganhando simpatia na redondeza, chegando a
outros estados e até o estrangeiro. Por conta desse embate escandaloso, deu-se
de chegar uma bonitona de uma monja, risonha e amável que atendia pelo nome de Lenora.
Ao botar os pés na localidade, a coitada alheia aos últimos acontecimentos, logo
foi surpreendida pela hostilidade de guerra civil entre os munícipes, cada qual
empunhando seu estandarte e motim. Qual não foi seu assombro no meio do maior
fogo cruzado, carregado de pulhas, pedradas e esconjuros entre as trincheiras. Procurou
de todo jeito um diálogo com a população aguerrida, estarrecendo-se com as feitiçarias
e crendices que reinavam, pasma com tanta gente envenenada pelas grosseiras superstições,
cultora de sórdidas e torpes abusões, amuletos, simpatias, benzeduras,
feitiços, portadores de ferraduras para se livrarem da sexta-feira treze, de
pés de coelho e trevos de cinco pétalas para se salvarem do mau agouro da
coruja, do mau-olhado e das esconjuras dos mandingueiros, de só andar com o pé
direito evitando passar embaixo de escada ou cruzar com gatos pretos,
valendo-se de rezas para proteção contra as pragas do inferno e as tentações do
cabuloso. Ao tentar dissuadi-los por uma conciliação, a simpática monja sentiu
de perto que não haveria ali consenso algum, sendo logo instada a escolher de
que lado ia ficar e, mediante a informação de que não partilhava de nenhuma das
duas, foi esculhambada sob a ameaça de quem vai contra a corrente da opinião
geral: Ou é herege ou está com a sanidade comprometida, o que pra eles é a
mesma coisa. Qual que é, não pode ficar em cima do muro, ou pra lá ou pra cá,
resolva! Assustou-se com a emergência da situação. Tentou se abrigar, porém a
turba reunida agora já a tinha por inimiga pública número um e já pronta para
ser sacrificada em substituição à malhação do Judas que estava em vias de
comemoração. Capturada pelo opróbrio, foi arrastada para um local onde erguiam uma
cruz, arrancaram-lhe as vestes e escorraçada completamente nua, já investiam em
pregá-la crucificada, quando o disco voador do Padre Bidião deu sinal de vida
com um rasante de afastar a mundiçada toda e, finalmente, salvá-la daquela
humilhação geral. Acolhida quase sem vida, mesmo assim foi achincalhada por
todos, resultando acamada por semanas em estado de coma, voltando a si mais de
três meses depois, sem saber nem quem era, nem onde estava e o que fazia ali.
Coitada, agora zanzava entre as vestais e freiras bidiônicas como uma sonâmbula
que perdera o juízo e a própria identidade. Deu trabalho para aprender a
balbuciar qualquer coisa que necessitasse, restando seus dias assim, como uma
alma penada. Ninguém se compadecia do seu estado, exceto o Padre Bidião que,
vez em quando, a levava para seções iniciáticas com o objetivo de lhe recuperar
a memória e a vida. Tornou-se com o tempo, patrimônio folclórico do sitio
bidiônico dançando com anjos e santos da sua imaginação, vez ou outra vítima de
estupros e escárnios sem que nada seja feito em sua proteção. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música do compositor, arranjador, instrumentista e cantor Edu Lobo: Camaleão, Limite das Águas,
Tantas Marés & Ao vivo & muito mais nos mais de 2
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mil acessos ao
blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Os organismos estão sempre em busca de algo,
sempre iniciando algo, sempre “prontos para alguma coisa”. Há uma fonte central
de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do sistema como um
todo, e não uma parte dele. A maneira mais simples de conceituá-la é como uma
tendência à plenitude, à autorrealização, que abrange não só a manutenção, mas
também o crescimento do organismo [...]. Trecho
extraído da obra Um jeito de ser (EPU,
1987), do psicólogo estadunidense e criador da abordagem
psicoterapeuta Terapia Centrada na Pessoa, Carl Rogers (1902-1987). Veja
mais aqui, aqui e aqui.
AS TRÊS ECOLOGIAS - [...] O planeta
Terra vive um período de intensas transformações técnico-científicas, em
contrapartida das quais engendram-se fenômenos de desequilíbrios ecológicos
que, se não forem remediados, no limite, ameaçam a vida em sua superfície.
Paralelamente a tais perturbações, os modos de vida humanos individuais e
coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de
parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada
pelo consumo da mídia, a vida conjugai e familiar se encontra frequentemente
"ossificada" por uma espécie de padronização dos comportamentos, as
relações de vizinhança estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão.
[...] Através de cada um desses exemplos, encontra-se o mesmo
questionamento dos modos dominantes de valorização das atividades humanas, a
saber: 1. o do império de um mercado mundial que lamina os sistemas
particulares de valor, que coloca num mesmo plano de equivalência os bens
materiais, os bens culturais, as áreas naturais etc; 2. o que coloca o conjunto
das relações sociais e das relações internacionais sob a direção das máquinas
policiais e militares. Os Estados, entre essas duas pinças, vêem seu
tradicional papel de mediação reduzir-se cada vez mais e se colocam, na maioria
das vezes, a serviço conjugado das instâncias do mercado mundial e dos
complexos militar-industriais. [...] as três ecologias
deveriam ser concebidas como sendo da alçada de uma disciplina comum
ético-estética e, ao mesmo tempo, como distintas uma das outras do ponto de
vista das práticas que as caracterizam. Seus registros são da alçada do que
chamei heterogênese, isto é, processo contínuo de ressingularização. Os
indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes.
(O mesmo se passa com a ressingularização das escolas, das prefeituras, do
urbanismo etc). A subjetividade, através de chaves transversais, se instaura ao
mesmo tempo no mundo do meio ambiente, dos grandes Agenciamentos sociais e
institucionais e, simetricamente, no seio das paisagens e dos fantasmas que
habitam as mais íntimas esferas do indivíduo. A reconquista de um grau de
autonomia criativa num campo particular invoca outras reconquistas em outros
campos. [...]. Trechos extraídos da obra As três ecologias (Papirus,1990), do
filósofo, psicanalista e militante revolucionário francês Félix Guattari
(1930-1992). Veja mais aqui.
LINDA
– [...] Eu vi o sol, a água e o fogo. Eu
vi montanhas e o semblante das pessoas e flores raras... as quais não existem
aqui na ilha. É muito sombrio e frio, aqui. Desde que eu não enxergo mais, eu
não reconheço mais o seu perfume... Eu vi meus pais e minha irmã, eu era muito
jovem para saber onde estava... Eu também brincava na praia. Como eu me recordo
de ter podido enxergar! Um dia, eu estava no pico de uma montanha, e vi a
neve... então eu comecei a reconhecer aqueles que ficam infelizes... [...].
Trecho extraído da peça teatral Os cegos
(Cátedra, 2009), do escritor, dramaturgo e ensaísta belga Maurice Maeterlinck (1862-1949). Veja mais aqui.
LIÇÕES DA NOITE - Antes de sair de casa, / mesmo com o sol
ainda alto, / convém preparar / a lamparina. / Enchê-la de querosene, /
subir-lhe um tanto o pavio / e deixá-la bem perto da porta. / Antes de se ir para
a cama, / todo cuidado é pouco: / há que apagar / a lamparina. / Sua fumaça
desenha abstrações / que marcam a cal da parede / e tingem de negro nossas
narinas. / Quando a luz é precária / e as sombras têm poderes, / tateia-se pela
casa a buscar/ a lamparina. / A brevidade de sua chama / e a baixa luz com que
nos ilumina / lembram-nos de que a noite é nossa sina. Poema extraído da obra A carne e o tempo (Nankin, 1997), premiado poeta e jornalista mineiro Donizete
Galvão. Veja mais aqui.
A ARTE DE KAMEL REKOUANE
A arte do artista visual argelino Kamel Rekouane.
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