TODA MULHER É UMA ESTRELA – Imagem: arte da
artista francesa Sylvie Guillot. - Uma
estrela levitava, eu vi, desceu aos poucos, lá atrás do morro, desapareceu. Fui
lá, às carreiras, queria vê-la. Fui num pé só. Andei quanto não sei, cheguei lá,
não a vi. Nem podia, cadê-la. Como poderia saber? Bati os quatro cantos, atrás
das moitas, toda a chã, terreiros, descampados. Muito depois soubera: transformara-se
numa rã, pula, pula. Refiz o trajeto e nem sinal da descida da estrela. Ah,
como andei e depois de muito, desisti, voltava pra casa, uma rã pulou no meu
peito. Com a mão, joguei fora. Quando olhei de novo, era uma bela mulher, branca
e nua. Pé atrás, fiquei mirando. Vixe! Tão branca chega brilhava e lá vinha ela
em minha direção. Dei uns passos pra trás, olhei dum lado pra outro, não havia
ninguém. E ela pediu-me guardá-la num porongo. Que é isso? Não sabia. Mostrou-me
uma cabaça, para colocá-la sobre o fumeiro. Peguei a cabaça e guardei-a lá,
levei para casa. Lá abri, ela saiu e ensinou-me a vida: das coisas de antes da
criação, de como tudo foi feito, da vida, gentes e bichos. Aprendi com ela:
toda mulher é feita de luz. Contou-me histórias de Sheherazade, das mil e todas
as noites, zis dias, eras e etéreas. Flagrei sua ternura quente: toda mulher não
é apenas uma, mas muitas, se não todas, parece até nenhuma quando minguante. É só
entrega no amor, amabilidade no seu jeito esguio, suor escorrendo lágrimas, brasa
aquecida no coração: nave da vida, de nascença. O seu prazer é foguete
singrando os céus pelo infinito, entresseios, entressalas, curvas, quadris, a
passear por aí, pés no chão e pernas nuas desfiando labirintos pro abrigo das
coxas ao porto seguro do ventre morno pronto pra combustão: uma fogueira em ebulição.
E isso de norte a sul, leste a oeste, quantas rotações tantas translações. É preciso
saber. Mais tivesse ela para que eu seja maior que sou, a dormir e a sonhar, o
sonho vale muito mais, desvelando segredos no que é dela, tudo que se esvai e
não foi em vão, enfim. E eu cantasse O amor, não seria nada, apenas
homenagem passageira e fosse pouco assim mesmo perto da sua grandeza demais da
conta, grandeza de Fonte e foz pro mar sem fim. É ela. E novamente no vaso,
desfrutava do aprendizado, o que sabia, mais queria. E retornava de noite pra
ela me contar das suas até o amanhecer, eu tinha que trabalhar. E me premiava
com um sorriso para que meu dia fosse de paz. Certa feita, ao chegar em casa, alguém
violara o meu segredo. Quem poderia? Cismei na zanga, porque ela, Catxerê fugiu,
subiu aos céus e de lá brilha todas as noites na minha solidão. PS: Recriação da lenda Catxerê,
a mulher estrela, recolhido das Lendas dos índios Craó (Revista do Museu Paulista, 1950), de Harald
Shultz. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música da soprano grega Maria Callas (1923- 1977): Casta diva, O mio
bambino caro, Carmen de Bizet (Habaniera) & Mon coeur s’ouvre a ta voix &
muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] O papel do escritor é dar voz aos silenciados,
colocar a linguagem onde as coisas estão aparentemente sem palavras [...]. Pensamento extraído da obra História do pé e outras fantasias
(Cosac & Naif. 2012), do escritor franco-mauriciano e Prêmio Nobel de
Literatura de 2008, Jean-Marie Gustave
Le Clezio.
O PÓS-MODERNO [...] Talvez
haja consenso quanto a dizer que o artefato pós-moderno típico é travesso,
auto-ironizador e até esquizoide; e que ele reage à austera autonomia do alto
modernismo ao abraçar impudentemente a sua relação com a tradição cultural, é
de pastiche irreverente, e sua falta de profundidade intencional solapa todas
as solenidades metafisicas, por vezes através de uma brutal estética da
sordidez e do choque [...]. Trecho extraído de Awakenig from modernity (Tomes Literary Suplement, 20 de janeiro de
1987), do filósofo e crítico literário britânico Terry Eagleton. Veja mais aqui.
ADÃO E EVA – Relendo velhos textos, observo que a todo instante
me preocupa uma única situação. A solidão do homem, a solidão da mulher. Não a
solidão dos homens, do gênero humano: do homem com relação à mulher e
vice-versa. Suspeito que o momento supremo da nossa aventura ocorreu quando o
Senhor Deus exorbitou de suas funções, por assim dizer. Ele já havia feito tudo
e só lhe restava descansar, pois era domingo, e, sábado, toda a Criação tinha
passado a noite no Jirau, inclusive Ele. Mas parece que o Homem, Adão, achava
aquela festa muito aborrecida, pois não dançou com ninguém, bebeu demais e é
possível até que tenha dado um vexame. Suponho que no meio da noite ele tenha
decidido apanhar de qualquer maneira a fêmea do Canguru, aliás exímia dançarina
de twist, e senhora um tanto leviana, pois mal emergira da argila e já se punha
a flertar com o Rei da Criação. Mas não fica bem, a um cavalheiro, estar a
julgar a conduta da mulher alheia: esqueçamos isso e voltemos a Adão, ébrio e
cafardento, lançado num Paraíso em que todos os bichos estavam acompanhados,
menos ele. Todo o mundo reparou que ele não estava feliz. As senhoras, no toalete,
não fizeram outro comentário — todas elas dispostas a fazer qualquer coisa para
consolá-lo, porque os machos tristonhos sempre gozaram de grande prestígio
junta às fêmeas de toda a escala zoológica, e o Senhor Deus, psicólogo de rara
penetração, adivinhou que o Paraíso estava resvalando para o perigoso terreno
da galhofa — como diria, muitos milhões de anos depois, um cronista
particularmente femeeiro… Não apenas estávamos à beira do adultério, como
diante de algo muito mais grave — uma degradação. Imaginem se Adão, no auge do
pileque, fazendo um papel muito mais feio do que Noé, inaugurasse o cruzamento
de homem com, digamos, sapo, ou percevejo, ou jacaré, ou cobra d’água!
Felizmente — ou graças a Deus: parece que ele, em sua infinita sabedoria, foi
servindo mais e mais uísque à medida que Adão esvaziava o copo, de modo que o
velho Adão foi apagando, apagando e — zás! emborcou. …Foi quando extraímos uma
costela, com a qual esculpimos uma forma nova, cheia de graça, com cabelos
habilmente manipulados pelo Reinaud e tendo sobre o alvo ventre uma folha de
parreira confeccionada por José Ronaldo… Assim nasceu Dona Eva, na intimidade
Vivi sem sobrenome, porque não tinha pai nem mãe. E ela chamou Adão para irem
ao Bob’s, digo, ao bosque, onde estava a afamada Árvore da Sabedoria. E a
serpente disse a Eva: “Olha, Eva, a coisa mais bacaninha que há para fazer,
hoje em dia é comer daquela maçã que você vê ali naquela árvore. É a coqueluche
de Paris — todo mundo comendo maçã no New Jimmys, no Maxim’s, no Plaza Athenée
Rellays, no Bois de Bologne!” Eva achou a idéia fabulosa e perguntou a Adão que
tal lhe parecia. Adão no momento não tinha dinheiro no bolso (estava nu,
coitado), mas a Serpente emprestou, Adão comprou a maçã e Eva disse: “Morde
aqui”.Adão mordeu. Eva também. Foi quando dos grandes Céus os exércitos de
anjos desceram céleres sobre o Paraíso, e suas vozes faziam um clamor de
tempestade, e eles clamavam: “Nós também queremos! Nós também queremos!”. Mas
só Adão e Eva tiveram permissão. Na verdade, Eva é que acabou sendo a dona do
negócio, tanto que certa ocasião, depois de folhear a revista Playboy, Adão lhe
aplicou um beijo no cangote e disse: “Vamos comer maçã? Que dia lindo para
comer maçã!” E Eva, bocejante, sob os cabelos enrolados em bob: “Hoje não,
Adão. Hoje estou com muita dor de cabeça”. Conto do escritor José Carlos Oliveira (1934-1986), celebre pela
criação da Patetocracia: Contra a
censura, pela cultura - Todo dia um pateta qualquer enfia sua pata numa peça de
teatro e corta as frases que lhe parecem atentatórias à moral, aos bons
costumes e à democracia. Não se passa uma tarde sem que outro pateta dê o ar de
sua graça, cortando sequências inteiras de filmes.
DOIS POEMAS
– UMA DÁLIA – Ó cortesã de seio duro e
olho sem lume / como o de um boi aberto / lento e sem esforço / como um mármore
novo luz teu grande torso / flor rica e gorda em torno a ti não há perfume /
nenhum flutuando e de teu corpo e calma graça / impecáveis acordes desenrola
baça / tu bem sabes a carne, este gosto que ao menos / vão exalando aquelas que
vão fanando os fenos / e pompeias em meio a incensos não sentidos / - Assim a
dália, esta tainha de esplendor / eleva seu orgulho a fronte sem odor /
irritante no meio de jasmins atrevidos. MAS O SOL AMANHÃ – Mas o sol amanhã
doce redoura e aquece / o centeio e os trigais que a brisa ainda umedece / com
o azul conservou a frescura noturna ;/ sai-se só por sair logo a gente se
enfurna / ao longo da ribeira, toda arbustos calmos / um caminho de alfombra
circundado de almas / o ar é vivo; eis que uma ave atravessa a atmosfera / no
bico de alguma palha ou algum fruto da hera / deixa na água o reflexo após suas
passagem / é tudo / e o sonhador adora esta paisagem / cuja clara doçura de
pouco acariciou / seu sonho de ventura imensa e acalentou / a saudade de flor,
desta jovem infanta / nevada aparição que cintila e que canta / e que ao poeta
é sonho e ao homem nostalgia / evocando em seus votos, de que talvez se ria /
esta alma que ele enfim encontrou, esta data / que sua alma em soluços ainda
reclama. Poemas extraídos da obra Poema
(Difel, 1962), do poeta francês Paul Verlaine (1844-1896). Veja mais aqui.
A ARTE DE SYLVIE GUILLOT
A arte da artista francesa Sylvie Guillot.
AGENDA
Festival de inverno da Várzea
(FIV) - 24 & 25 de agosto, 6hs, Praça Pinto Dâmaso
(Praça Da Várzea), Av. Afonso Olindense, Recife – PE & muito mais na Agenda aqui.
&
Catxerê, a mulher estrela aqui
&
A vida na janela, A criança de Henri Wallon, As veias da América de Eduardo
Galeano, Perdas & Ganhos de Lya Luft, Fernando & Isaura de Ariano
Suassuna, Contrastes Filosóficos, Fecamepa, a poesia de cordel de João de
Castro, a arte de Rivail Azevedo, Ginásio Municipal dos Palmares & Políticas em Debate aqui.