ALGUÉM ENTRE FLORES E DORES – Imagem do artista italiano Nicola Pucci. - A fotografia e o espelho, ela não mais sorri nem gargalha
da morte por viver além da conta, segurando a si e o que é seu quem sabe como e
a vida é uma dor de cabeça no claroscuro noitedia das flores murchas e anos
passados. E todos os véus caíram e desvelaram a carne nua, os lábios rubros, a
pele eriçada e os longos beijos maiores que cada sabor de fruta saltando do
decote pra saia curta suspensa pelo álibi da volúpia dos olhares, das frases
sussurradas no idílio que ficou como um quadro suspenso na parede, todo dia
ali, palavras malditas, gestos inconfidentes, aversões e despedidas. Ela tentou
sorrir e não havia nenhum aceno na penumbra, a vida nas cartas escritas das
cinzas, a conversa no guardanapo, o riso na parede, a cabeça ao muro, o
sussurro e o afeto, se nada é de repente, tudo é por ali. Já é outra hora.
Amanhã pode ser ou não, jamais ou depois. Que lhe seja dado. O verbo é que foi,
fratura e amalgama. Se há um tempo pra outra coisa, essa não é. Ou foi ou será.
Devia saber de tudo e de nada. Outra história, a foto é dela, mas não é ela tão
tristalegre, primitiva esperança, desconforto do tempo. Não é ela, a pose não é
mais dela, negava de pés juntos. Não era a foto dela e era ela manhã de domingo
sofrendo a ausência dos que amou e amando quem deveria chegar pela porta de
todos os horrores da maquiagem perdida e a tarde é ela subindo a escada pro
primeiro andar sem saber o que fazer de tudo no desarranjo dos sonhos e
desordem na sala de estar, a espernear o amor que nunca teve amanhecer do seu
lado supondo ser seu indefinidamente. E disse sim e agora, enquanto havia
barulho por todo lado, deitando nua de lado e ruminando o prazer pretérito de
beber a gula daquele que se diz amar e é como a fumaça que entorpece e logo se
esvai com os badalos dos sinos e a praça repleta de anseios e conversa mole,
tantas mentiras bem vestidas e hipocrisias eloquentes demais. E sorriu a janela
aberta a brisa do verão que não veio ao meio dia, o cão uivando solitário caos,
a porta trancada pelo arame farpado e fios elétricos da chama acesa do seu
ventre, o dorso da agonia e cadê o que a faz feliz se o prazer é intenso e
escorre pelas veias e dedos das mãos de quase não voltar mais desde ontem, como
se fosse desbotada lembrança de qualquer coisa da alegria sentida no vagão que
passou do ponto de parada e seguiu como se nunca mais fosse agora na dor de
jamais poder sentir depois do gozo. E sonhou o amor a dizer sim e ela sorriu
como nunca a intimidade molhada descendo pelas pernas e empoçando o terraço até
a cozinha das lágrimas redimidas assaz renovadas nos olhos pro sexo no chão de
suas entregas mais verdadeiras, até amar demais como sempre amou e agora era
outra a paixão pelos corredores acesos e quartos escuros, tudo pela primeira
vez como foi a segunda por três, quatro, tantas e quantos inaugurados sem ter
visto o que teve de nunca e sempre, reinauguradas felicidades de antes e depois
pela primeira vez, sim, pela primeira vez e nunca mais dizia nada do que foi
pro que será, como a primeira menina que viu o céu e era azul porque brincava
como um menino levado aos desmandos, montado no vento sem saber as meninas e
príncipes na delicadeza das saias e quase foi feliz na noite do dia duplo,
pelos arredores de tantas paixões desfeitas, pela coleção de tudo desarrumado,
pelas festas ruidosas, pelas fraquezas dos outros, por resolver tudo sozinha e
na hora, e não respirar de verdade, e fraquejar com mendicantes, e não correr
da raia por desacreditar de tudo e sucumbir no final das contas até se
embebedar destroçada achando que tudo se resolverá de qualquer jeito um dia,
apenas a se empanturrar de tristeza e um dia será feliz, um dia, mesmo ficando
na mão com o altruísmo gratuito e a covardia de todos na horagá, por ser
celebrada santamiga e tratada por rabugenta enxergando a lonjura tão perto e
não é nada demais. Ela riu e chorou mil vezes o prazer adiado e a incompreensão
da sua loucura sem pregar os olhos, enquanto apertava o peito na beira do
abismo de grandes viagens inglórias idealizadas e não mais sorrisse das
maravilhas, porque os amigos sumiram e as amigas estavam com seus amores e se
ausentaram todos com uma piscada de olhos, e era tão irreal demais pra ser viva
e morria os amores, todos mortos de não haver mais jeito e só ela respirava o
amor pela centésima como se fosse a primeira vez entre lágrimas e goles de êxtases
na catarse de ser menina que sempre foi na mulher que perdeu o amanhã no
presente por amar demais. E riu e chorou por todos os lados, nada tão espremido
quanto o solilóquio de dissolvidas lembranças num canto da casa repleta de
perspectivas arruinadas e não valem um beijo surpreendente que se foi com a
chuva de não sei quando de tão pavoroso e não mais atormenta depois do sexo
solitário nas tragadas da bonança. Ela riu e chorou quantas páginas, traços,
versos, solfejos, rabiscos e danças, e dera de si tudo que tinha além das
posses e garatujas, com toda força, todos os passos, todas as poses e
vestimentas jogadas, dinheiro fora, nada vale sequer um instante de plena
certeza na eterna dúvida. Ela riu e chorou como se a vida e o filme fossem uma
coisa só, e doía demais por não ser, e tocar pra frente e levar nos peitos,
honrar a vez da mulher na palavra pela pusilanimidade do macho, a subir ladeira,
descer montanha, e tudo será diferente dali por diante, com certeza, promessa
que não se cumprirá porque tem tudo entre o que é certo e o que é errado,
nenhum vacilo nenhuma concessão, tudo na volta e acertado, cumprido, riscado. E
ela chorou e sorriu o que foi e o que não foi, deveria ter sido, melhor assim,
hoje não faz diferença, o rio é o rio, o mar é o mar, foto ou espelho jamais
farão diferente. É sempre assim o rio, o mar, a fotografia, espelhos, tudo
segue, todos seguem. E ela seguirá. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música da cantora, compositora e pianista estadunidense Tori Amos: Little Earthquakes, Live
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é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Viver o livro e escrever a vida, talvez
esteja aí o segredo – mas isso só acontece àqueles que têm a felicidade de
contar, em universo próprio e único, o tempo comum a todos nós. [...]. Pensamento extraído de A Palavra, o todo
(Vértice, out/nov/dez,1982), do escritor português José Cardoso Pires.
SOBRE ESPECIALISTAS – Quando
os especialistas estão de acordo, não se pode considerar como certa a opinião
contrária; quando os especialistas não estão de acordo, os não-especialistas
não podem considerar nenhuma opinião como certa; quando todos os especialistas
acham que opinião alguma possa ser certa, é melhor que o homem comum se
abstenha de dar seu ponto de vista. Essas frases podem parecer banais, mas se
elas fossem aceitas, revolucionariam completamente a vida humana. Recomendações
do filósofo, matemático e pensador inglês Bertrand Russel (1872-1970).
Veja mais aqui e aqui.
CAIS DA SAGRAÇÃO - [...] Vez por outra, já entrada a noite, um picar
de viola, ouvido na calçada da rua, me levava ao fundo de um bar, no Portinho
ou na Praia do Caju, e eu por lá me demorava até noite velha, distraído na
ressurreição de romances ibéricos tradicionais, como a Nau Catarineta, a Santa
Iria e a Moura Encantada, certamente trazidos ao Maranhão nas caravelas
portuguesas, ainda ao tempo da Colônia, e aí conservados na sua letra e música
pela memória fiel de barqueiros e pescadores. Junte-se ainda a crônica da vida cotidiana,
com seus amores, seus desafios, suas rivalidades, seus ódios, suas vinganças e
seus perdões, e ter-se-á a explicação do meu gosto em deixar o terraço do Hotel
Central, à sombra da velha igreja da Sé, para descer todas as tardes à Praia
Grande e ao Cais da Sagração, sem pressa, quase passo a passo, a recolher pelo caminho
um pouco da poesia genuína que o tempo guarda na alma do povo. Por outro lado,
o passeio, só por si, vale a caminhada. Tanto assim que, nos dois semicírculos
que avançam para o mar e onde outrora se erguiam as atalaias do Forte de São Filipe,
também me deixei ficar horas esquecidas, debruçado no parapeito da amurada, a
receber no rosto a brisa úmida que vem do mar, enquanto os meus olhos se estendiam
por cima das águas, para tentar distinguir, por trás da névoa esgarçada, o
contorno da cidade de Alcântara, para sempre perdida. Não conheço mais belo panorama
à hora do pôr do sol, quando vêm voltando do mar alto os igarités de pesca. Ainda
ao pé do coreto, perguntei à quitandeira, que ria à toa, com duas covinhas
laterais no rosto redondo, se o manuê de seu tabuleiro era mesmo gostoso. - Igualzinho
ao que Nosso Senhor manda servir no Céu nos dias de festa - respondeu-me,
alargando as bochechas no riso derramado. E de boca cheia, a dizer-lhe que sim,
que seu doce estava mesmo à altura das mesas do Paraíso, passei para a calçada fronteira,
tomei à minha direita, perlongando a muralha do cais. [...]. Trecho da obra Cais da sagração (Nova Fronteira 1981), do
escritor, jornalista, professor e teatrólogo Josué Montello (1917-2006). Veja mais aqui.
CÂNTICO À ESTIRPE LATINA - Nossa estirpe latina é rainha / entre as
grandes estirpes do mundo; / em sua fronte uma estrela divina / brilha eterna
no tempo profundo. / Seu destino adiante é o guia / e à vanguarda seus passos
conduz. / Sempre à frente, com mais galhardia, / ela esparge ao redor sua luz.
/ É uma deusa a estirpe latina, / de fascínio e de encanto mais doce; / o
estrangeiro, à sua frente, se inclina, / à sua voz todo o mundo curvou-se. / Tão
formosa, tão viva e ridente, / sob um céu que ares tíbios desfralda, / ela
espelha-se ao sol resplendente / e se banha num mar de esmeralda. / Nossa
estirpe latina faz parte / dos tesouros das terras louçãs; / de bom grado, ela
os doa e reparte / com as suas diletas irmãs. / Mas terrível se faz, quando um
dia, / o seu braço é furor libertário / e golpeia a cruel tirania / em defesa
do seu corolário. / Quando, enfim, no Juízo Final, / frente a Deus, se lhe for
perguntado: / − Qual missão foi o teu ideal / na existência terrena? Eis o
brado / da estirpe latina, alto e forte: / − Ó Senhor, quantos mundos andei / ante
os olhos da vida e da morte, / a Ti, sempre, Te representei! Poema do
poeta e dramaturgo romeno Vasile
Alecsandri (1821-1890).
A MENINA BANDA
O curta A menina banda, dirigido, roteirizado e
fotografado pelo cineasta Breno Cesar,
conta a história de uma criança que emite sons como instrumento musical,
causando desconforto entre os moradores de um vilarejo. Imperdível.
AGENDA
&
A arte do artista italiano Nicola
Pucci.
&
Eterno retorno, A educação de Cecília Meireles, a poesia de César Vallejo, a literatura de Eliphas Lévi, Manifesto
Neoconcreto, As penas do mundo, O terror das fábulas, Socorro Durán & Biblioteca Fenelon Barreto aqui.