O AMOR DO SOL E DA LUA - Antes não havia
nada. A terra era o céu. A manhã vivia no coco de cajubi, guardado pelo
urubu-rei que morava num buraco vermelho na Via Láctea. Um susto com a chegada
do urubu-branco, sem querer, quebrou-se o coco e surgiu a alvorada. A partir de
então reinava o dia e, com ele, Mbud-ti que desceu primeiro a terra e admirou-se
com tudo, a seguir muito feliz pelas maravilhas. Dias se passaram e se sentiu
sozinho. A noite adormecia no fundo das águas, no coco do tucumã, guardado pela
Cobra Grande e Azã gritando tati para acordá-la na vigilância. Mbud-ti queria a
noite para dormir e aproveitou-se do cochilo dos vigias e levou-o consigo. O
coco fazia um barulhinho: ten, ten, tem - eram os grilos, corujas, rãs, sapinhos,
urutaus, morcegos e todos os seres noturnos. Espicaçava a curiosidade, ansiava
por libertar a noite daquela prisão. Tomando distância, bateu com o coco numa
quina duma pedra e, ao se quebrar, a noite apareceu com seu silêncio e trevas, bichos
e coisas. Tudo se transformou na escuridão. Aracuã, Jacupeba, Urutau, antes
homens, tornaram-se pássaros noturnos. Foi ali que Mbud-ti viu pela primeira
vez a sonâmbula Mbudu-vri-re, a linda e nua Capéi, vagando sem rumo. Saiu a
toda carreira na direção dela, mas ela desapareceu repentinamente. Ao acordar Capéi
se viu nua e a sua brancura alumiava tudo, regulando as marés e a germinação
das sementes, o brilho das pedras, o fluxo das mulheres, o nascimento das
crianças e bichos. Ao acordar, de longe ela viu um belo vulto, era Mbud-ti que
rondava. Assustada, escondeu-se numa moita. Ele passou tristemente
procurando-a, sem que pudesse vê-la escondida. Ela viu melhor aquele por quem
seu coração palpitou de amor no primeiro instante. E ao segui-lo, não mais
conseguiu encontrá-lo. Havia sumido. O solitário coração de Mbud-ti tremia de
paixão, levando-o a vagar por dias e noites no seu encalço. O dela, também,
entregue a paixão por aquele que apenas viu passar. Depois de muita busca e
espera, deu-se um eclipse, foi quando miraram um ao outro e suspiraram de amor.
Apesar da curta duração do evento, ambos logo ansiaram pelo reencontro. Como
não conciliavam o tempo e o espaço, abateu-se uma grande tristeza nos
enamorados. Durante o dia Mbud-ti perseguia de leste a oeste à procura dela.
Por toda noite Capéi sonhava com a chegada do seu amado. Os solitários cumpriam
a sua sina. Logo as estrelas apareceram para consolar Capéi que lamentava a
dura sorte, sempre cheia ou nova com as lembranças dos momentos com o seu amado,
crescente ou minguante quando entristecida com sua ausência. Veio então, muito tempo
depois, um novo eclipse e puderam namorar: ele abraçou-a, deitou-se sobre a sua
brancura aos beijos, envolvendo-a com sua imensa paixão, e se amaram com
êxtase. Nesse momento todas as aves cantaram para alegria deles. No prazer dos
corpos, eles foram elevados aos céus, transformando-se no eterno amor entre o
Sol e a Lua. PS: Recriação das
lendas recolhidas de O selvagem (CEN,
1940), de Couto de Magalhães; Mitos dos
índios Tembé do Pará e Maranhão e Os
Apinajé (RPHAN, 1986), de Curt Nimendaju Unkel; e Entre os aborígenes do Brasil Central (Cultura, 1940), de Kar von
Den Steinen. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio
Tataritaritatá especial
com a música do compositor russo Dmitri
Shostakovich
(1906-1975): Pieza para piano e violino & Symphonies nº 5, 7 e 14 &
muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Tudo que existe pode ou ser concebido por si
ou não. Não há intermediário, pois as duas proposições se contradizem. Agora,
tudo que pode ser concebido por si e sem se pensar em outro ser – eu digo, pode
ser concebido por si como existindo independentemente de outra coisa ou pode
ser concebido sem a ideia que representa essa outra coisa – isto é certamente
uma substância; e qualquer ser que não possa ser concebido por si ou sem se
pensar em outra coisa, tal ser é uma maneira de ser, ou a modificação de uma
substância [...] Eu vou deixar assim – pois há muito tempo eu parei de me preocupar com
problemas que estão acima de mim [...]. Pensamento extraído das Obras completas (J. Vrin, 1958), do
filósofo francês Nicolas Malebranche
(1638-1715).
LIBERDADE, LIBERDADE - [...]
Mas afinal, o que
é a liberdade? Apesar de tudo o que já se disse e de tudo o que dissemos sobre
a liberdade, muitos dos senhores ainda estão naturalmente convencidos que a
liberdade não existe, que é uma figura mitológica criada pela pura imaginação
do homem. Mas eu lhes garanto que a liberdade existe. Não só existe, como é
feita de concreto e cobre e tem cem metros de altura. A liberdade foi doada aos
americanos pelos franceses em 1866 porque naquela época os franceses estavam
cheios de liberdades e os americanos não tinham nenhuma. Recebendo a liberdade
dos franceses, os americanos a colocaram na ilha de Liberty Island, na entrada
do porto de Nova York. Esta é a verdade indiscutível. Até agora a liberdade não
penetrou no território americano. Quando Bernard Shaw esteve nos Estados Unidos
foi convidado a visitar a liberdade, mas recusou-se afirmando que seu gosto
pela ironia não ia tão longe. Aquelas coisas pontudas colocadas na cabeça da
liberdade ninguém sabe o que sejam. Parecem previsão de defesa antiaérea. Coroa
de louros certamente não é. Antigamente era costume coroar-se heróis e deuses
com coroas de louros. Mas quando a liberdade foi doada aos Estados Unidos, nós
os brasileiros já tínhamos desmoralizado o louro, usando-o para dar gosto no
feijão. A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares.
Quando a liberdade chegou aos Estados Unidos, foi-lhe feito um pedestal que,
sendo americano, custou muito mais do que o principal: quatrocentos e cinqüenta
mil dólares. Assim, a liberdade põe em cheque a afirmativa de alguns amigos
nossos, que dizem de boca cheia e frase importada, que o “Preço da Liberdade é
a Eterna Vigilância”. Não é. Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade
é de setecentos e cinqüenta mil dólares. Isso há quase um século atrás. Porque
atualmente o Fundo Monetário Internacional calcula o preço da nossa liberdade
em três portos e dezessete jazidas de minerais estratégicos. (Foge.) [...].
Trecho extraído da peça Liberdade,
liberdade (L&PM, 1977), do diretor
teatral, cenógrafo, jornalista e tradutor Flavio
Rangel (1934-1988) em parceria com o desenhista, humorista, dramaturgo,
escritor, tradutor e jornalista Millôr
Fernandes (1923-2012), peça teatral que recebeu comentário do New
York Times, Espetáculo mistura protesto,
humor e música (25 de abril de 1965): Os
espetáculos teatrais que elevam a voz com protestos políticos contra o regime
semimilitar do Brasil, estão produzindo, no país, bom entretenimento e uma nova
visão dramática [...] A peça insinua
que os militares, atualmente, têm voz decisiva em muitos assuntos fora de sua
competência profissional. Um militar afirma, falando de um problema civil:
“Ora, isso pode ser resolvido por qualquer criança de três anos!” E depois de
um momento de embaraço, acrescenta: “Tragam-me uma criança de três anos!” [...]
“Se o governo continuar deixando os
jornais fazerem certos comentários, se o governo continuar deixando este
espetáculo ser representado, e se o governo permitir que o Supremo Tribunal
continue dando habeas-corpus a três por dois, nós vamos acabar caindo numa
democracia!”. Veja mais aqui, aqui e aqui.
PARADISO - [...] À medida que foram passando os
anos, paradoxalmente, essa sensação de morte, que se entrelaçava a seus estados
de lassidão, aos começos de toda sonolência, ou à resistência de um fastio que
não se dobra, foram-no levando, ao adquirir consciência desses estados de
abstemia, a sentir a vida como uma planície, sobre a qual se desenvolve um
espesso zumbido, sem começo, sem fim, expressão para esses estados de ânimo que
reduziu com os anos, até dizer com simplicidade que a vida era um fardo bem
atado, que se desatava ao cair na eternidade [...] Enquanto esperava sua volta, pensava em seu
pai e pensava em você, desfiava o rosário e dizia: o que direi a meu filho
quando voltasse desse perigo? A passagem de cada conta do rosário, era a
súplica de que uma vontade secreta o acompanhasse, ao longo da vida, que
seguisse um ponto, uma palavra, que tivesse sempre uma obsessão que o levasse a
procurar o que se manifesta e o que se oculta. Uma obsessão que nunca
destruísse as coisas, que procurasse no manifestado o oculto, no secreto o que
ascende para que a luz o configure [...] Não recuse o perigo, mas tente sempre o mais difícil. Há o perigo que enfrentamos
como uma substituição, há também o perigo que tentam os doentes, esse é o
perigo que não engendra nenhum nascimento em nós, o perigo sem epifania. Mas
quando o homem, através de seus dias tentou o mais difícil, sabe que viveu um
perigo, embora sua existência tenha sido silenciosa, embora a sucessão de seu
marulhar tenha sido mansa, sabe que esse dia lhe foi designado para sua transfiguração,
verá, não os peixes dentro do fluir, lunarejos na mobilidade, mas os peixes na
cesta estelar da eternidade [...]. Trechos extraídos da obra Paradiso (Brasiliense, 1987), do
escritor cubano Lezama Lima (1910-1976). Veja mais aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS - A MINHA CANÇÃO: Esta minha canção
enleará sua música em torno de ti, meu filhinho, como os braços apaixonados do
amor. / Esta minha canção tocar-te-á a fronte como um beijo de bênção. / Quando
estiveres sozinho, ela se assentará ao teu lado e segredará ao teu ouvido;
quando estiveres no meio da multidão, criará uma barreira de distância em torno
de ti. / A minha canção será como um par de asas para os teus sonhos. / Transportará
teu coração às bordas do desconhecido. / Será como a estrela fiel lá em cima,
quando a noite escura tombar sobre a tua estrada. / A minha canção pousará nas
pupilas de teus olhos e levará a tua vista até o coração das coisas. / E quando
a minha voz emudecer na morte, a minha canção falará no teu coração vivo. LIBERTAÇÃO - Para mim, libertação não
está na renúncia. Sinto o abraço da liberdade em milhares de enlaces do
deleite. / Você sempre me serve a dose fresca do Teu vinho encorpado e
aromático, enchendo esta taça terrena até a borda. / Com Sua chama, meu mundo
acenderá centenas de velas diferentes e as depositará no altar de Seu templo. /
Não, jamais fecharei as portas dos meus sentidos – os deleites da visão, do tato
e da audição revelarão Seu deleite. / Sim, minhas ilusões arderão no regozijo
iluminado e a maturidade de meus desejos dará os frutos do amor. Poemas do
poeta e músico indiano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Rabindranath
Tagore (1861-1941). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE MÁRIO CRAVO NETO
A arte
do fotógrafo, escultor e desenhista Mario Cravo Neto (1947-2009). Veja mais
aqui.
AGENDA
&
Um passo & a vida, a literatura de Luiz Ruffato, Máximas principais de Epicuro, o pensamento de Moshé Feldenkrais, a
arte de Walter Crane, a poesia de Admmauro Gommes, Direitos da Mulher & Pesquisa
Científica aqui.