A SOLIDÃO DE
HEDY - Aquela austríaca linda tinha Eva no nome, filha de uma pianista
judia de Budapeste, que a criou como católica. Seu pai era gerente de um banco
vienense. Ainda criança estudou balé e piano, fascinada por teatro e cinema. Aos
12 anos ganhou um concurso de beleza na terra natal. Foi então que adotou o
nome Hedy e começou a ter aulas de atuação. Um dia falsificou uma permissão
assinada pela mãe e foi bater numa produtora que a contratou aos 16 anos, como
secretária do diretor. Depois atuou como figurante no Money on the Street,
e, logo em seguida, atuou no Storm in a Water Glass. Foi escalada para o
teatro e impressionou o diretor que a levou para Berlim. Lá estreou como protagonista
no filme The Trunks of Mr. O. F. Depois foi a vez da comédia We Need
No Money: era a estrela principal. Aos 18 anos o estrelato com Ecstasy:
a nudez, os closes e os seus orgasmos inesquecíveis. Carregada de remorsos
pelas cenas, mesmo assim foi premiada em Roma. Manteve-se no teatro e
arrebatando corações apaixonados. Casou-se com magnata controlador e com
amizades escusas: ela era tratada como prisioneira dele. Ela interessou-se por
ciência aplicada e, por conta disso, fugiu do marido e do país, disfarçando-se
de empregada em Paris: Jamais seria atriz enquanto fosse sua esposa... Ele
era o monarca absoluto deste casamento... Eu era como uma boneca. Uma coisa, um
objeto de arte que ele guardava - e encarcerava - sem inteligência, sem vida
própria... Em 1935 morreu seu pai, a quem era muito ligada. Ela então foi
pros Estados Unidos e lá tornou-se a mais
bela mulher do mundo. Daí, muitos filmes: a mulher glamorosa e sedutora de
origem exótica, onde foi Dalila, foi a mulher sem nome, o fruto proibido,
a estrela do Ziegfeld Girl: Este Mundo é um Teatro e o ápice da carreira
no The Female Animal. Durante a segunda guerra inventou um aparelho de
interferência em rádio e o patenteou: tornou-se a mãe dos telefones celulares. Era
também considerada inventora desde então.
Contratou um ghost writer e publicou Ecstasy and Me, sua
autobiografia. Maridos, casamentos, amantes, presa por roubos em lojas de
departamentos e farmácias, tornou-se reclusa recusando roteiros, comerciais, peças
teatrais, problemas de visão, as relações cortadas com o filho, não aceitava
visitas nem encontros e se pendurava no telefone. Suas cinzas foram levadas
para os Bosques de Viena. Salve, Hedy Lamarr! Veja mais abaixo e mais aqui e
aqui.
DITOS &
DESDITOS - O mundo não está ficando mais fácil. Com todas essas novas invenções,
acredito que as pessoas estão mais apressadas e pressionadas... O jeito
apressado não é o jeito certo; você precisa de tempo para tudo - tempo para
trabalhar, tempo para brincar, tempo para descansar... Esperança
e curiosidade sobre o futuro pareciam melhores do que garantias. Era assim que
eu era. O desconhecido sempre foi tão atraente para mim... e ainda é. Qualquer
garota pode ser glamurosa. Tudo o que você precisa fazer é ficar parada e
parecer estúpida... Eu aconselho a todos a não economizar: gaste seu dinheiro.
A maioria das pessoas economiza a vida inteira e deixa para outra pessoa.
Dinheiro é para ser aproveitado. Se você usar sua imaginação, você pode olhar
para qualquer atriz e vê-la nua. Espero fazer você usar sua imaginação...
Pensamento da atriz e inventora austríaca Hedy Lamarr (Hedwig Eva Maria
Kiesler – 1914-2000). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: Coração e
cérebro pertencem um ao outro. Sentir é sensato e pensar é sensível. Toda grande arte vem da solidão. A
solidão do pensador que simultaneamente se torna a do leitor. Na leitura, a
solidão é sempre fruto do clichê, do cotidiano: como sinônimo de estar sozinho... Pensamento da
escritora holandesa Connie Palmen (Aldegonda Petronella Huberta Maria
Palmen), que no seu livro De vriendschap (Prometheus, 1995), ela
expressou: [...] Qualquer pessoa que queira
passar por anormal e se esforce para ser excêntrica e excepcional tem maior
previsibilidade do que alguém que é considerado normal, comum, mundano e
normal. Assim que o especial é desejado, o que há de mais especial desaparece. Pessoas
verdadeiramente excepcionais raramente sabem que são excepcionais e, ao longo
dos anos, quando começam a perceber que algo as diferencia dos outros,
geralmente levam o resto da vida para aceitar isso. [...]. No seu livro De wetten (Uitgeverij Prometheus, 1996), ela manifesta: [...]
Algumas pessoas parecem ter as leis naturalmente. Eles
não leem livros e ainda assim têm uma opinião, uma crença, uma ideia sobre como
o mundo deveria funcionar. Eu não entendi como isso era possível [...]. Também no seu livro Logboek van een
onbarmhartig jaar (Prometeus, 2011), ela diz: […] Luto é apaixonar-se sem redenção. [...]. Por fim, no seu livro Jij zegt het (Prometeus, 2015), ela recomenda:
[...] Devemos enfrentar nossos monstros, domar os lobos,
vasculhar os labirintos de nossas almas e matar o Minotauro, porque se não o
fizermos, eles nos matarão. [...]. Veja mais aqui,
aqui, aqui & aqui.
ALGUÉM MAIS
FALOU: Se eu pudesse, mudaria muitas coisas porque não tenho orgulho de
tudo que fiz na minha vida. Mas para aquelas pessoas que me ajudaram, e foram
muitas, eu digo, obrigada. Elas são a razão pela qual escrevi este livro... Quando
criança, eu queria ser escritor e ganhava bastante dinheiro com meus poemas... Meu
coração estava partido, mas, à luz dos acontecimentos, foi melhor assim. O
papel não fez muito por Carol e provavelmente não teria feito mais por mim.
Também me ensinou a não me esforçar muito para nenhum papel definido! É melhor
aceitar as coisas como elas vêm. O papel da Sephora caiu no meu colo. Acho que
é a melhor maneira de as coisas acontecerem. Pensamento da atriz canadense Yvonne
De Carlo (Margaret Yvonne Middleton – 1922-2007). Veja mais aqui.
TEATRO: A CENA DIVIDIDA – O livro Teatro: a cena dividida (L&PM, 1983), do filósofo, professor e
crítico de teatro brasileiro Gerd
Bornheim (1929-2002), reúne ensaios sobre o teatro popular, a situação e o
impasse, a indiferença de Lukács, a mística das origens, a metamorfose do povo,
o folclore, o drama histórico, o repertório clássico, a atualidade do atual,
teatro e literatura, os caminhos do teatro contemporâneo, entre outros
assuntos. Da obra destaco: [...] Que se
fale tanto hoje em massa e em processos de massificação é indicio de que tudo
se passa na ambiguidade da própria condição humana, nas suas feições atuais. Os
processos emolientes de massificação, que tornam esta palavra sinônimo de
apassivação, sem dúvida exibem hoje toda a sua possível agressividade: a ampla
gama dos meios de publicidade explora uma ideologia fundamentada no lucro,
transformando a mentira em moeda corrente na sociedade. Contudo, mais do que
simples apassivação e com um sucesso menor do que possa parecer, o que se verifica
é um esforço para tornar as populações passivas: a publicidade seria perfeita
se consegue determinar o homem a ponto de destruí-lo completamente de qualquer
nuança do espírito crítico. E, sem dúvida, a máquina publicitária tende a
funcionar de modo inexorável, a serviço que está de “poderosos grupos de
interesses”. É inegável, por isso mesmo, que os autores que se comprazem em
destacar os processos de apassivação trabalham, conscientemente ou não, a favor
de uma ideologia que não saberia esconder o seu endereço. E no entanto, é no
próprio seio dessa apassivação que começam a manifestar-se os indícios de sua
superação, já através, por exemplo, do medo que o poder da propaganda desperta.
Que se fale, e cada vez mais, sobre os aspectos danosos dos processos de
massificação, que se esteja desenvolvendo, até mesmo com certa espontaneidade,
a consciência crítica em relação àqueles processos, não é algo que careça
totalmente de significação. O mais importante a salientar, porém, é que hoje
existe, efetivamente, toda uma história do proletariado, que se insurge por
vias que são o exato oposto da passividade. Mas a ambiguidade subsiste
[...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
A MENINA DOS OLHOS – O livro As insolentes patas do cão (Scortecci, 1991), do escritor e
advogado cearense Nilto Maciel
(1945-2014), reúne contos desse excepcional autor, entre os quais destaco A menina dos olhos: Corríamos pelo campo, não bem com que intenções. Possivelmente
desejávamos pegar borboletas ou grilos. Talvez quiséssemos apenas correr. Não
consigo lembrar-me dessas migalhas. Já faz muito tempo. Eu devia ser um
pedacinho de gente de uns cinco ou seis anos. Havia uma cerca de arame a
dividir o terreno em dois mundos opostos: de um lado capim , de outro terra
nua. E tratamos de transpô-la. E já então arrastava=nos a determinação de achar
não sei o quê. Uns pareciam mais decididos, como se comandassem os demais.
Raquel sobretudo, que caminhava à frente e de vez em quando parava,
abaixava-se, cutucava o chão. Uns acercavam-se dela, faziam-lhe perguntas,
arranjavam gravetos e espetavam a terra. Imitavam-na ou queriam agradá-la.
Outros, como eu, permaneciam ao largo, mais curiosos que agitados, à espera de
novas invenções de Raquel. Aqui e ali a terra se apresentava fofa, como se a
tivessem revolvido profundamente. E eu sentia medo, a imaginar cadáveres
enterrados, tesouro encobertos, buracos que fossem dar no país dos anões.
Raquel, porém, parecia saber de tudo, conhecer palmo a palmo o terreno e sequer
se espantava quando metia o pé num buraco mais fundo. Pouco a pouco, só eu
permaneci mais afastado e até voltei à cerca. O ciúme não me deixava ir atrás
de Raquel, feito um qualquer. Por que não me havia falado nada? Por que não me
dava atenção? Por que preferia a companhia dos outros? Ela falava sem parar e
todos a escutavam. Apontava para o chão, como se explicasse coisa muito
interessantes, a origem dos buracos, o nome dos mortos, o valor dos tesouros, a
vida dos anões. Eu não conseguia ouvir sua voz, e mais me emburrava. Para onde
fosse Raquel, iam os outros, como se ela os tivesse atados por cordões.
Arrastava-os de lá para cá, de cá para lá. E eu sem saber o que tanto buscavam.
A casa do preá, o ovo da galinha, a cova da avozinha? Primeiro Raquel apalpava
o chão com um pé, o corpo sustentado no outro, para só então seus súditos
criarem coragem de avançar, como se a terra pudesse abrir-se para os engolir. A
cada passo de Raquel meu coração dava um pulo e eu fechava os olhos para não
vê-la desaparecer. Abria-os, o coração de novo a pular, e já ela aparecia
noutro lugar, um passo aqui, pum-pum, um passo acolá, pum-pum. Súbito Raquel
afundava e gritava, estarrecida, chorava e agitava as mãos, perdida. E os
outros corriam, chocavam-se, tombavam, e eu ainda agarrei-me à cerca, a
ferir-me as mãos, paralisado, frio. E muitos anos depois, toda vez que eu via
Raquel, eu a imaginava morta, a passar na sua transparência através das
paredes, dos objetos, de mim mesmo, e vir alojar-se bem dentro de meus olhos.
Veja mais aqui.
CANTO DE AMOR À PRAIA DO
MEIO – Na antologia Poesia Viva de Natal (Nordestal, 1999),
organizada por Manoel Onofre Junior, reúne diversos poetas potiguares, entre
eles, a escritora, atriz, professora e conferencista Clotilde Tavares, da qual destaco o Canto de amor à praia do Meio: Praia
do Meio, / nunca me mereceste / mais que um olhar / rápido e enfastiado. /
Sempre foste apenas / meio caminho / entre a Praia dos Artistas e a do Forte: /
meio caminho, / andado. / Embora, às vezes, / (e sempre de madrugada) / eu te
procuraste / em teus bares abertos toda a noite / (Turimar e Cigano), / nunca
te amei / e nunca pisei de pé descalço / nas tuas areias, / invadidas aos
domingos / pela gente barulhenta / do “Alecrim, Esperança, pela Nove”. / Agora,
moro aqui, / e descubro devagar tua poesia, / teu som de coqueiros nas
encostas, / e cachorros seresteiros / que ficam acordados comigo / até tarde,
muito tarde, / olhando as janelas escuras / dos edifícios de apartamentos, /
que pouco a pouco / vão crescendo / e ficando entre os meus olhos e o mar. /
Praia do Meio, só agora / (ainda será tempo?) / descubro tua beleza e teus
segredos. / Não encontro o mistério da Areia Preta / com seus negros rochedos e
ondas brancas / nem o brilho encantado dos Artistas: / lantejoulas de sol nos
corpos lindos. / Não vejo a calma e a solidão do Forte / (peixes de ouro em
rútilas piscinas) / onde eu sempre nadei nua e sozinha / antes do topless virar
moda. / Te vejo, sim! / Com teus edifícios / que brotam dia a dia / em estranha
epidemia. / Com teus bares sempre abertos toda a noite, / o Turimar e o Cigano,
/ onde homens desesperados e insones / procuram o alívio / da última cerveja da
noite / ou do caldo à cavalo milagroso. / Com teus mágicos e incríveis
sanfoneiros: / Fernando, Expedito, / e o inefável Zé Minhoca / que morreu como
viveu: / bebendo e apostando. / Com tuas barraquinhas / (a barraca de Marlene)
/ onde o peixe frito, a batida, o limão e a siriguela / convivem placidamente
com a Murim, / a mais deliciosa das cachaças / (que sei que vou achar / no
petisqueiro de São Pedro / quando um dia eu for pro céu). / E te vejo mais
ainda / com teu mistério besta / de quem não tem mistério, / de quem se mostra
toda, / de quem se dá, / e de quem fica / (entre o Forte e a Praia dos
Artistas) / no meio. / Praia, / do Meio. Veja mais aqui.



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