OUTRA CARTA DE JANEIRO - Minha cabeça é um badalo vivo no sino das
lembranças, a armadilha é lembrar. Quisera esquecimento, já inexiste. Os muitos
que habitam em mim, uma pugna sem fim: a cada um sua veleidade. E me estraçalham
e me consumo, rasgam do que sou reduzido aos pedaços. Hora a hora, o tempo, o
dia e a espera silenciosa do que sequer se sabe. Meus olhos crescem pelos pormenores
do que foi dito e calado, tudo perdido no vazio da noite flutuante sobrecarregada
de arroubos e assaltos. Quando canso da discórdia, é porque fui exaurido da
contenda, fatigado de padecimentos hereditários. Tomo pé da situação, pleno
abandono. Ninguém vai ou vem, nenhuma fala ou gesto, beco de ir embora é via
sem saída. É lá onde caem noites e dias, sol e estrelas, poço sem fundo e fim, tão
rente porque caio sem descanso e desabitado. Sou quem caiu, enfim, por toda
parte como qualquer um. Em mim quantas bocas famintas, tantas gargantas pros
gritos, abundantes sonhos dissolvidos entre o imediato e jamais, o crivo da
queda dia a dia, de dor em dor, o que tive e não, a voz para cantar ditirambos,
palíndromos, limeriques, entoando as cidades que são profusas em meu peito, tão
desertas à minha chegada. Dentro de mim é inverno e meus passos no verão: sou
dos céus nos meus pés pela terra nem sei de onde, entre o despovoado e insólitas
miragens. Sobrevivente em qualquer parte, voo incansável pela rua secular que
morreu na esquina da minha viagem de tanto tempo, pássaros e ventos, as minhas
várias mortes, o meu destino nas mãos. Tudo se acumula: vestígios, pedras e
desenganos, argila e avesso, pegadas insuspeitas de anos mortos. A vida passa e
envelheço menino que sou e teimo em viver entre agulhas e lâminas, ausência
desde ontem. Nem tenho mais o que dizer, estranho ocidente de meus nomes
esquecidos e sem sobrenome por folhas caídas do pouco que sempre fui pro tanto
que nem me quiseram, inteirado de nada, a buscar o que não se acha, dizer o que
não se ouve, amanhãs e regressos entre chuvas e chicanadas. Se uma claridade
pela fresta, um fiapo de esperança pronta para retomar seja o que for; se a
treva persiste, inquieto exorcizo sombras aniquilando ilusões arrancadas da
pele e entranhas. Apenas vivo, até quando. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Como é estranho eu viver sempre numa alegre
embriaguês, sem razão particular. [...] A areia estala tão sem esperança sob esses passos, que todo o vazio e a
falta de perspectivas da existência ressoam na noite úmida e sombria. E aqui
estou eu deitada, quieta, sozinha, enrolada nos véus negros das trevas, do
tédio, da falta de liberdade, do inverno - e, apesar disso, meu coração bate
com uma alegria interior desconhecida, incompreensível, como se, sob um sol
radiante, estivesse atravessando um prado em flor. No escuro, sorrio à vida,
como se eu conhecesse algum segredo mágico que pune todo o mal e as tristes
mentiras, transformando-os em luz intensa e em felicidade. E, ao mesmo tempo,
procuro uma razão para esta alegl1a, não encontro nada, e tenho que sorrir
novamente - de mim mesma. Acredito que o segredo não é outro senão a própria
vida; a profunda escuridão noturna é bela e suave como veludo, basta somente
saber olhar. No estalar da areia
úmida sob os passos lentos, pesados da sentinela canta também uma bela, uma
pequena canção da vida - basta apenas saber ou vir. [...] Trecho de uma
carta da filósofa e economista polaco-germana, Rosa Luxemburg
(1871-1919), extraída da obra Rosa Luxemburg, os
dilemas da ação revolucionária (Unesp,
1999), da professora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia c
Ciências da Unesp (Marília), Isabel Maria Loureiro. Veja mais aqui e aqui.
A POESIA
DE VIRGÍNIA LEAL
Oh, marujo, tens,
sim, a chave da
(l)íngua (babel)ica
a abrir e fechar
o sentir e o falar,
o parar e o mexer...
Oh, marujo, tens
latência germinal
à espera do sim
- viagem em nau
de onde se ouve,
sem cessar, mil
cantos de Circe,..
Não te desviam da obra
primeira e b(ela)
os sulcos do (a)mar
aquela inesperada,
redonda e pálida tez...
Oh, marujo, tens
nos fios de algodão
vagas a lembrar
que o sal do (a)mar,
magmático, arteiro,
marulha sob
numérica cláusula,
de velha teoria
dos conjuntos.
Também te dizem
do puro instante
- sem um mergulho
no te(n)so tempo
- quase um relâmpago
nas íris do vento,
a falar do que
de eterno há num
lavático segundo.
Eu, oh! marujo, ao contrário
da bela e astuta Penélope,
não desmancharei meus
finos bordados e brocados.
Saberei, leniente, prolongá-los
na carícia do teu corpo-quilha,
no ir e vir, ensaios e erros,
fio de prumo, arrasto, fosso
- um mundo a singrar veios
de veia rubra a jorrar de
um erótico col(osso).
VIRGÍNIA LEAL – Poema "Nauta libidinosus" – da Série “Lascivus”, da poeta e professora Virginia Leal. Veja mais aqui.
A ARTE DE COLIN JOHNSON
O trabalho de colagem atual que eu chamei de
"hiper-colagem" começou no ensino médio como um estilo de desenho animado.
Eu carreguei esse estilo nos meus anos de faculdade e,
eventualmente, substitui a colagem por elementos desenhados. O trabalho tornou-se progressivamente mais complexo ao longo dos anos.
Em um sentido metafórico, o trabalho de colagem representa tudo “feito pelo
homem” em termos de desperdício ou recusa, em contraste com o estilo totalmente
pintado do meu trabalho, que representa tudo o que está relacionado à
“natureza”. Eu tenho trabalhado duro para integrar esses dois mundos, o
contraste que existe e os danos causados pelo lixo "humano" ao mundo
"natural".
COLIN JOHNSON - A arte do artista britânico Colin Johnson que trabalha uma técnica
denominada de hiper-colagem com intrincadas aventuras visuais. Veja mais aqui.
A ARTE PERNAMBUCANA
A música do saudoso arranjador,
maestro, compositor e multi-instrumentista Moacir
Santos (1926-2006) aqui, aqui
& aqui.
A poesia do poeta, jornalista, professor e crítico
literário Cesar Leal (1924-2013) aqui.
A arte do artista plástico Fernando
Lúcio aqui.
As obras do
historiador, jornalista, lexicógrafo, pesquisador e compositor Nelson Barbalho (1918-1993) aqui, aqui & aqui.
A revista de HQ Ragú,
editada por Christiano Mascaro e João Lins aqui.
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