terça-feira, setembro 01, 2020

TARSILA DO AMARAL, MILLÔR, PINKER, SERRES, CENDRARS, ROSEMBERG CARIRY, SONIA EBLING & LUZILÁ GONÇALVES FERREIRA



DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE AQUELA... DECÁLOGO DO IMBROCHÁVEL COISONÁRIO – Nas últimas horas foram anunciadas as últimas medidas do governo em cadeia nacional e que ninguém viu! Lá vai para ciência de todos. Primeiro: Todo problema será resolvido por bem ou por mau! Não teve acordo, já era, pro saco! Essa a solução socioeconômica para tudo e todos, viva o consumo! Segundo: Todo concurso público só terá provas que avaliem a fé em Deus e o patriotismo. Entre os escolhidos, só os medíocres e chatos (do lado da gente, né?). Esta a nossa e verdadeira meritocracia. Às mulheres acrescente-se prova de remexido dos quadris e nenhum conhecimento, tenho dito! Afora isso, é fundamental que todos façam silêncio, vamos organizar esta porra de zona. Terceiro: Todos terão que trabalhar até os 100 anos ou mais! Aposentados e vagabundos serão metralhados em praça pública! Quarto: A moeda corrente nacional será o jeitinho: uma mão lava a outra e todo mundo resolve as coisas. Quem quiser estudar que pague! Será lançado um Guia Educacional só com uma regra: é pau pra lamber sabão e pau pra saber que sabão não se lambe, assim! Livro é um bocado de letras só pra fazer confusão e os dicionários não mais terão palavras difíceis que serão erradicadas para descomplicar as coisas. Quinto: A história terá apenas feitos militares e todo o resto queimado e esquecido para sempre. Todas as ruas, avenidas e logradouros voltarão a ter apenas nomes de heróis soldados e santos, chega de lugar disso ou daquilo, pronto, assim todo mundo saberá a quem obedecer e apelar. Sexto: Todos terão uma renda básica de 200 coisonários para morrer aos pouquinhos e ninguém ficará pra semente (e que morra logo, de preferência). Além do mais, viver é caro pra dedéu, só pros ricos. Sétimo: Não haverá mais fábricas brasileiras, todas serão americanas pra gente usufruir tudo do bom e do melhor dos United States. E só. Oitavo: Revoguem-se as disposições em contrário e fim de papo! (Ei, mas são dez, tem que ser dez! Por que? Porque é um decálogo. Por que? Como os 10 mandamentos, ora! Ah, é. Então bota aí...) Nono: A democracia será como as lições práticas do quartel, escreveu e não leu, o pau comeu. Pronto. (Falta uma! Taoquei, porra! Bota aí...) Décimo: Assino e determino, assim será a minha democracia de hoje em diante. (Ah, mas é a mesma coisa do nono! É isso mesmo, fechaí. Ponto final e vá pra porra!). Aí com essa, até Millôr ressuscitou: Conseguiram o que queriam: transformar o povo num cão que não morde. (Mas também não abana o rabo.) Ser brasileiro me deixa muito subdesenvolvido. Agora, pausa para o intervalo comercial! Click.

DUAS DEDADAS NO ESCURINHO DO CINEMA – Naquela noite eu caminhava à toa quando ela passou por mim. Ôpa, para quem já vinha ponteando a trilha dela, não poderia jamais deixar passar. Ela se virou e sorriu a mais linda noite enluarada. Era como se a Lua em forma de mulher me fizesse enamorado Selenito, enfeitiçado por seus encantos. Vai pra onde? Passeando. Papo vai, papo vem. Estávamos próximo do cinema. Que tal? Vamos! Nem sei que filme passava, comprei os ingressos. Já começou a sessão? Já. O porteiro cochilava, entrei no meio da escuridão medonha, um zoadeiro incrível na tela. Aboletados, logo me acheguei cochichando ao seu ouvido, até ousei o braço por cima dela para facilitar a conversa, ela aquiescente, atenta. Não prestávamos atenção no filme, só um ao outro. Ao gesticular na conversa íntima, inadvertidamente rocei a mão ao seio, a outra em sua nuca, ela envolvida, achegada, virou-me a face e não pestanejei: um beijo demorado, mãos buliçosas percorrendo toda sua geografia. Foi, fomos fundo, quase às vias de fato, não fosse acenderem as luzes e me flagrarem com a mão e tudo mais na botija dela, era o fim da sessão. Não havia outra, era a última. Buscamos outra guarida, lavamos a égua. O filme? Só anos depois soube: Caldeirão da Santa Cruz do Deserto (1986), do Rosemberg Cariry, só revisto um dia quando resolvi ver Corisco & Dadá (1996), Pedro Oliveira, o cego que viu o mar (1999), Lua cambará, nas escadarias do palácio (2003), Patativa ave oupoesia (2007) e Os pobres diabos (2013), entre outros que vi dele e não lembro. Não sei qual a razão, mas toda vez que os filmes dele passavam, me vinha a imagem de Tarsila do Amaral me dizendo: Minha força vem da lembrança da infância na fazenda, de correr e subir em árvores. E das histórias fantásticas que as empregadas negras me contavam. Não sei, coisas muito próximas da minha existência, revejo em cada uma de suas cenas.

TRÊS ESTALOS & A EXTINÇÃO DE TUDO - (Imagem: arte da escultora Sonia Ebling Kermoal) - Apesar da pandemia e dos reiterados alertas dos cientistas sobre a proximidade da extinção humana, nem só indiferentes desfilam, como os que jogam contra contribuindo para o desaparecimento definitivo de mamíferos, inclusive humanos, pelo desmatamento, poluição e aquecimento global, conforme aquela Torre de Babel de Steven Pinker, desde os de antes dele e até agora. Como parece que o Brasil e o planeta entraram num apagão sem fim, na verdade esgotamos o planeta. E a nós apenas cabe assistirmos a tudo isso de forma passiva e conivente, enquanto poderosos estúpidos mandam e desmandam passando boiadas e tocando fogo para a ganância deles e desertificação de tudo. O que nos resta fazer senão a nossa própria parte. Resta-nos a utopia da transformação, ou como diz Michel Serres: Não há progresso sem utopia. A maioria das grandes descobertas ou a maioria dos progressos locais que fazemos vem, sem dúvida, do sonho de alguém que nos precedeu, como uma espécie de utopia. E a minha é escrever, quem sabe, alguém leia e comigo possamos fazer alguma coisa juntos. Afinal, como bem diz Blaise Cendrars: Escrever é uma percepção do espírito. É um trabalho ingrato que leva à solidão. Sim, à solidão criativa, capaz de mudar em mim e em todos nós. Até mais ver.

A GARÇA MAL FERIDA
[...] - Anna, chamava Gisbert. Anna, bem te acostar. – Logo vou. Mas só dali a muito minutos chegava e se aprestava para o sono, para o amor. Naquela noite eles se haviam amado muito. Nos gestos, nas palavras, na entrega que se escapava e se dava; Gisbert reconhecia a sua Anna, acrescida de uma doçura nova, mesclada a uma tristeza que ele nunca vira nela. As mãos de Anna, o rosto de Anna, o corpo de Anna, falavam, falavam. – Te amo, diziam os lábios. – Te amo, diziam as mãos. Quando se esgotara o desejo, os dois estendidos lado a lado, os olhos no teto de treliças, Anna lhe havia tomado a mão. E após um longo silêncio falara: - Eu te amei muito, Gisbert. [...]
A obra A garça mal ferida: a história de Anna Paes D’Altro no Brasil Holandês (Lê, 1995), da escritora, professora, feminista e pesquisadora Luzilá Gonçalves Ferreira, trata de uma brasileira do século XVII, cuja vida era dividida entre o sentimento da terra e suas ligações de amor com os cavalheiros flamengos, trazendo o incêndio de Olinda e a criação de Recife, a administração de Nassau com sua grande tolerância religiosa frente a um catolicismo marcado pela inquisição que fazem o pano de fundo ao exercício de amor da heroína, o qual se dá em outro plano, diferente do mundo dissoluto da colônia, que libera todo pecado ao sul do equador. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.


HIRONDINA JOSHUA, NNEDI OKORAFOR, ELLIOT ARONSON & MARACATU

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014), Retalho...