DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA (TRÍPTICO DGF) – UMA: SABE AQUELA... DA ESCALADA DA VIDA - Fui ao fundo do poço, fiz minha catábase. Sim. E com os versos de Carlos de Oliveira: pelo cascalho interno da terra, / onde o esqueleto da vida / se petrifica protestando. / Como um rio ao contrário, de águas povoadas / por alucinações mortas boiando levadas / para a alma da terra, / procuro os úberes do fogo. Dos umbrais de mim, cenas de filmes e contas nos dedos, andaços e enlevos às desoras. Quando dei por mim naquelas funduras, a perda & a desolação anoitecida. Não sabia que em toda minha vida, das idas e vindas, entre érebros e báratros. Lá nas entranhas do mundo de mim, ouvi o Auto da Alma e a barca de Gil Vicente: À barca, à barca, mortais, barca bem guarnecida, à barca, à barca da vida! Quase os mesmos efusivos alto-falantes dos protestos velados de Not about Nightingales, de Tenessee Williams. Para me proteger de não sei o quê, recitava os poemas da inocência e experiência de William Blake, sem que previsse me deparar Coleridge aos berros: Quem se vangloria de ter conquistado uma multidão de amigos nunca teve um. Vaguei na obscuridade, quis me livrar do passado, olhar para o amanhã e seguir, até ser alertado por William Faulkner: O passado nunca está morto. Nem sequer é passado. Ontem só acabará amanhã, e amanhã começou há dez mil anos. Só faltou dizer que o mundo é a Guernica de Picasso, logro da desconfiança.
DUAS PASSAGENS ALADAS
DE UM ÚNICO AMOR - Imagem da artista multimídia Carmela Gross – Aonde cheguei era o último piso do fim, nada havia mais além; se epílogo ou
posfácio, o derradeiro do limite. Só me restava a poemópera da anábase, como quem vai e volta, a recomeçar, tropeços na jornada, cochilos e visões. Três e
tantos movimentos, pisadas e duas graças:
nunca me dei por perdido, apesar de. Sucumbi ao amor, desespero da paixão: vertigens,
duas ou poucas palavras, muitos textos e três passos para ascenção. Quantas inusitadas situações. Estava só no meio do
caminho, muito por me sujeitar de quase não ouvir os versos de Uma canção de despedida de Felícia Hemans: Quando lágrimas repentinas caem sobre seus olhos / Ao som
de uma melodia antiga; / Quando você ouve a voz de um riacho na montanha, /
Quando você sente o encanto do sonho de um poeta; / Que assim seja! / Que minha
memória fique com vocês, amigos! Porque ela era nua amanhecida Eos na carruagem púrpura alada dos arreios
multicores para os sonhos intensos de amor infindo, até o reencontro no evento
da luz.
TRÊS SOPAPOS NA
CHEGADA - Imagem da artista multimídia Carmela
Gross – Enfim, aqui estou,
algum lugar dos caminhos. Eu vim de onde me fiz, a viagem de volta, tantos
Brasís, quantos janeiros: trilhas desfeitas, rabiscos, recados indecifráveis,
motores raivosos, céus esfumaçados, desídias, talhos, atalhos perdidos,
interditos, superstições. (Dava para parafrasear Erasmo no seu Julio II excluído
del reino de los cielos nos Escritos
de crítica religiosa e política: Certamente não me
surpreende que tão poucos cheguem aqui, se você chicotear assim eles assumem o
comando da doidice. Apesar de tudo, ouso conjeturar que o país ainda tem cura
de alguma forma, pois honra um esgoto tão imundo em virtude do mero título de presidente). Aqui estou e me tratam por necromante com tudo que passei, e para que
transmita a verdade que querem ouvir. Apenas repito trecho dAs geórgicas de Virgílio: Não desejo abranger todas as
coisas juntas em meus versos, não conseguiria, ainda que possuísse cem línguas
e cem bocas, e uma voz de ferro. Prefiro
invocar a Denúncia de Marie Under:
Eu grito alto com a boca de todo o meu povo, / nossa
terra está ferida por uma praga de medo e chumbo, / nossa terra está sombreada
pela árvore da forca / nossa terra um cemitério comum, enorme de mortos. / Quem
virá ajudar? Bem aqui, no presente, agora! / Porque o paciente está fraco,
perdeu o controle. / Mas, como o canto dos pássaros, meu grito se desvanece /
no vazio: o mundo é arrogante e frio. / O suspiro do velho, o choro do bebê - /
todos correm para a areia, ilusão, falham? / Homens, mulheres gemem como cervos
feridos / para aqueles que estão no poder, tudo isso é apenas um conto de
fadas. / Trevas são os olhos do mundo,
seus ouvidos são surdos, / os poderosos perdidos na loucura ou na estupidez. /
Compaixão só é sentida por aqueles a quem o sofrimento quebra, / e só os
sofredores têm corações como você e eu. Voltei levando nos
peitos, refém da viagem, vulnerável às circunstâncias, chuvas, quedas,
labirintos e túneis sem fim... Quem dera fosse
diferente embarque, desembarque: reificação de simulacros e sempresente. A cidade
é o deserto e o difícil é chegar. Até mais ver.
A OBRA DE PAULO CAVALCANTI
[...] O que nos conforta é a grandeza da nossa autocrítica, no reconhecimento dos nossos erros. E até dos crimes cometidos em nome do socialismo. Vão-se esses erros e esses crimes. Menos os símbolos.
A obra
do escritor, advogado e jornalista Paulo
Cavalcanti (1915-1995), fundador da Associação do Ministério Público de
Pernambuco e da União Brasileira de Escritores (UBE-PE) e foi preso e aposentando
compulsoriamente pelo AI-2, autor de obras como a trilogia O caso eu conto como o caso foi – memórias políticas (1978/1980/1984), Nos tempos de Prestes (1981/1982); A luta
clandestina (1984/1985); Homens e ideias do meu tempo (1993);
Vale
a pena (ainda) ser comunista (1994); História de um governo popular e
Os
equívocos de Caio Prado Júnior. Veja
mais aqui e aqui.