DIÁRIO DO GENOCÍDIO NO FECAMEPA – UMA: SABE
AQUELA... ANÁBASE VERTIGINOSA - No meio do
caminho, escuridão vertiginosa. Tantos degraus vencidos. Um vulto irreconhecível,
encostado num dos cantos, acendeu um cigarro: Subindo? Sim. E me contou que
havia descido há tempo, não se sentia bem nem lá em cima, nem cá embaixo,
preferia a solidão entre meios. Pude reconhecê-lo com a claridade, era Francis Scott Fitzgerald: A vida é toda um processo de demolição.
Existem golpes que vêm de dentro, que só se sentem quando é demasiado tarde
para fazer seja o que for, e é quando nos apercebemos definitivamente de que em
certa medida nunca mais seremos os mesmos. A vitalidade é demonstrada não
apenas pela persistência, mas pela capacidade de começar de novo. Nunca desejei
que houvesse um Deus para invocar - desejei frequentemente que houvesse um Deus
para agradecer. Ouvi-lhe cada palavra, mais ainda o seu silêncio. Afastou-se
sem se despedir. Respirei fundo para retomar minha escalada e uma jovem e bela
mulher pousou ao meu lado. Falou-me de sua catábase, apenas por experiência,
logo voltaria. Encantado, não consegui identificá-la. Apresentou-se e era a
escritora neozelandesa, Eleanor Catton:
A terra era apenas para viver e amar. Todos nós
queremos ser amados... E precisamos ser amados, eu acho. Sem
amor, não podemos ser nós mesmos. A mente acredita no que vê e faz aquilo em que acredita: esse é o
segredo da fascinação. Estranhei o tempo verbal da primeira frase,
mas não havia tempo para questionar. Ela apressou-se com um beijo, e já se
esgueirava na descida, anunciando que logo voltaria, se eu quisesse esperar. Deu-me
um aceno de adeus, quase refiz tudo por ela. Era hora de ascender.
DUAS PALAVRAS & MUITOS TEXTOS – Da obra da premiada dramaturga
e escritora irlandesa Edna O’Brien, conheci
a peça teatral Virginia (Theatre Royal, 1981) –
muito embora soubesse de uma adaptação de Ifigênia,
escrita especialmente para o palco do Crisol em Sheffield em 2003, e de outras
mais dum volume reunido -, como também dos romances da trilogia The Country Girls (1960),
do livro de memória Mother
Ireland (1976), da rumorosa biografia James Joyce: a life (1999) e da aclamada biografia Byron in
love (2009). Dela, o belo pensamento: A escuridão é atraída pela luz, mas a luz não o sabe; a luz deve
absorver a escuridão e, portanto, encontrar a sua própria extinção. Em nossos momentos mais profundos dizemos as coisas mais
inadequadas. Todos nós nos deixamos. Morremos, mudamos -
é principalmente mudança - superamos nossos melhores amigos; mas mesmo se eu te deixar, terei passado para você algo de mim mesmo;
você será uma pessoa diferente por me conhecer; é inevitável... Leitura em dia, retomo meu percurso, a estrada é
longa e fragal.
TRÊS PASSOS PARA ASCENÇÃO DO AMOR - Imagem: arte da fotógrafa, videógrafa, produtora cultural
e curadora musical, Elza Cohen: Fotografar é
expressar em forma de imagem a minha paixão pela diversidade humana. É praticar
empatia e o ativismo social que me são inerentes. - Aos quatro cantos e ventos minha vida entre
sombras, voos e interrogações: emoções indeléveis, pecados e trevas. Padeço de
fome e sede, o que há em mim, vem com o apuro de Françoise Sagan: Desejo tanto
que respeitem a minha liberdade que sou incapaz de não respeitar a dos outros. Para
mim, a felicidade, é acima de tudo sentir-se bem. Amar não é somente querer, é
sobretudo compreender. Amei até a loucura. O que chamam de loucura é, para mim,
a única forma sensata de amar. Nem bem assimilo suas palavras, do outro, a
inesperada consideração de Gilles Lipovetsky: Na verdade, qual
idealização é capaz de se manter, qual sonho pode persistir indefinidamente,
quando confrontado com a precariedade natural dos seres e a monótona cantilena
da eterna repetição das coisas? Quanto mais os indivíduos são informados, mais
se encarregam de sua própria existência, mais o Ego é objeto de cuidados, de
autossolicitudes, de prevenções. É de se refletir... Não sei de ódio, aminimigos,
perplexidades! A despeito de intolerantes, a cada qual, as trevas dos seus
próprios desejos. Da minha parte, cabeça a mil e pés na terra, vivo a fonte de
todas as coisas. Até mais ver!
CORPO CORPÓREO / A ESTRADA, DE LUIZ MARINHO
[...] Por esta porta foram-se todos os meus
bens... eram simples de boa alma! Ah! Esta casa!... esta casa era
uma sinfonia perpétua! Sabe?...
Depois que Olívia se foi, não mais fiz sexo. O prazer da carne, já não me toca!
Minha excitação, é-me absolutamente indiferente! As poluções noturnas, me são
odiosas! Manifestam-se sem sonhos nem estímulos, chegam como indesejáveis e
repugnantes vômitos. Eu, apenas existo, como existe uma pedra... Um argueiro...
Duramos, apenas... Já não saio paraa o mundo... Meus passos limitam-se até aí
nessa soleira... Todos os dias vem um mensageiro, trazer o que necessito. Sabe que
não pode entrar, nem esquecer o vinho. No recanto dessa porta, fica dinheiro
bastante para lhe prover. Nós não nos simpatizamos, mas, somos necessários um
ao outro. [...].
O
mensageiro, trecho extraído da obra Corpo
corpóreo / A estrada (Comunicarte, 1995), do premiado dramaturgo Luiz Marinho (1926-2002). Veja mais
aqui, aqui, aqui & aqui.