A QUADRILHA DA PAIXÃO – Imagem: arte da poeta, artista visual e blogueira Luciah Lopez - Lá vem ela faceira feito
linda roseira a se exibir no jardim. Uma camisa xadrez aberta entre os seios
que são do tamanho das minhas mãos. Um nó na cintura sobre o umbigo provocador
qual beijo jogado pra mim, uma saia rodada cheia de rendas, laços e fitas, a
realçar suas coxas e pernas incendiando a minha libido. Solta aos passos de
dama casamenteira, olhos vivos com todo viço e eu enamorado na sua franja
ornada com duas tranças laterais, a imprimir-lhe sedução juvenil nas bochechas
rosadas. E o batom encarnado nos lábios me convidando ao prazer, a me levar
sorridente pra esquentar a carne nas fogueiras juninas, saboreando roletes de
cana, milho assado, queijo de coalho, canjica e arroz doce, sorvendo caldo de
cana e uma pinga com a fruta vez: caju, manga, ciriguela, jaca ou cajá,
carambola, acerola, laranja e limão. Ah, como é bom nela brincar o meu São
João. E seus dedos aveludados alisam o meu gibão de vaqueiro, chapéu e colete
de couro, a se engraçar com as perneiras e alpercatas que correram mato,
pastagens, caatingas do que sou e fui, tudo da cor de ferrugem ao curtimento,
pra que sua pele macia me toque como voz entoando meu aboio pra que o gado
invisível e todos os bichos dos campos estejam no céu de estrelas que alumiam mais
que presentes no nosso festejo. Ah, como é bom nela brincar o meu São João. En avant tous, en arrière, gritaram! Todos respondiam, pra frente pra trás, casais
dando as mãos aos passos marcados: ananvantú, anarriê, alavantú, anarriê. Dancê!
Balancê! Changê! Autre fois! Dancê!
Mão na mão, passo a passo, lá vou eu no cumprimento às damas e cavalheiros,
pelos túneis e caminho da roça, olha a cobra! É mentira! Caracol, desviar,
coroação de damas e cavalheiros, grande roda, damas ao centro, o passeio. Era o
salvo-conduto: na cintura dela eu me agarrei ao seu rebolado, encangado na sua
garupa fui mandando direção por atalhos, moitas, grotas e grotões, do que ela
não sabia da mata, do litoral, agreste e sertão que sou, alma nordestina na sua
pele de sul que vou passageiro porque ela reina em mim, na água, no fogo, na
terra e no ar! E me ajoelhei aos seus pés atrás do oitão, descalçando a sua
sandalhinha como quem cuida amante do seu bem-querer. E jurei por toadas o amor
do coração entre suas pernas e coxas, pra ter sua saia como cobertor pras
noites de frio em plena invernada. A chuva ameaça cair, pouco importa, ah, como
é bom nela brincar o meu São João. As fogueiras queimam ao chuvisco, o cheiro
de comida boa no ar. Um vento frio e me abrigou em seu ventre, a me fazer seu
senhor e feitor no seu corpo de todas as montanhas e plantações, como se fosse
uma roda gigante a nos embalar no gira girar de céus e paraísos, pra que eu
tenha sempre a certeza de que sou o dono na posse do amor. © Luiz Alberto
Machado. Veja mais aqui.
O VAZIO DE LIPOVETSKY
[...] Não há como não
ver que a indiferença e a desmotivação de massa, a progressão do vazio
existencial e a extinção progressiva do riso são fenômenos paralelos: por todo
lado surge a mesma desvitalização e a mesma erradicação das espontaneidades
pulsionais, a mesma neutralização das emoções, a mesma auto-absorção narcísica [...] A sociedade,
cujo valor cardeal passou a ser a felicidade e massa, é inexoravelmente
arrastada a produzir e a consumir em grande escala os signos adaptados a esse
novo éthos, ou seja, mensagens alegres, felizes, aptas a proporcionar a todo
momento, em sua maioria, um prêmio de satisfação direta [...] quanto mais as grandes opções deixam de se
opor drasticamente, mais a política se torna uma caricatura com cenas de luta
livre a dois ou a quadro; quanto mais a desmotivação política aumenta, mais a cena
política parece um strip-tease de boas intenções, de honestidade, de
responsabilidade e se metamorfoseia em episódio burlesco [...] A impulsividade extrema e desenfreada dos
homens, correlativa das sociedades que precedem o estado absolutista, foi
substituída por uma regulamentação de comportamentos, pelo autocontrole do
indivíduo, enfim, pelo processo de civilização que acompanha a pacificação do
território realizada pelo Estado moderno. [...] Nos nossos dias a violência desaparece maciçamente da paisagem urbana e
se torna a maior proibição das nossas sociedades. [...] O indivíduo renuncia à violência não apenas
porque apareceram novos bens e novas finalidades particulares mas também
porque, no mesmo rastro, o outro se encontra privado de substância, tornando-se
um figurante vazio de risco [...]. A
violência entra no ciclo de reabsorção dos conteúdos; de acordo com a era
narcísica, a violência perde sua substância em uma culminância hiperrealista
sem programe sem ilusão. Uma violência hard, desencantada [...].
Trecho da obra A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo (Relogio
D'agua, 1983), do filósofo, professor e teórico da Hipermodernidade Gilles
Lipovetsky, tratando sobre o
narcisismo e as novas relações sociais, a apatia, indiferença e susbstituição
do princípio da sedução ao da convicção, expondo em um prólogo e seis capítulos
temas como o enfraquecimento da sociedade,d os costumes, do indivíduo
contemporâneo na era do consumo de massa, da emergência de um modo de sociabilização e de
individualização inédito, numa ruptura como que foi instituído a partir dos
séculos XVII e XVIII. Na obra ele traz o conceito de sociedade pós-moderna, o
vazio, a sedução vigente e suas consequências, a indiferença pura, a anemia
emocional, suicídio e depressão, homo politicus x homo psychologicus, o corpo
reciclado e o teatro discreto, o apocalipse
now, os mil watts, a solidão e o vazio. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Veja
mais sobre:
Quadrilha
das paixões mais intensas, Vaqueiros & cantadores de Luís da
Câmara Cascudo, Terra de Caruaru de José Condé, A
setilha do cantador Serrador, a música
da Orquestra Armorial, O casamento da Maria Feia de Rutinaldo Miranda Batista, a
xilogravura de J. Miguel & Costa Leite, as gravuras de Roberto Burle Marx, a arte de Vermelho
& Severino Borges aqui.
E mais:
Viva São
João, Quadrilha & Nordeste de Ascenso Ferreira, a música de Luis Gonzaga, Tratada da lavação da
burra de Ângelo Monteiro, Terra de Caruaru de José
Condé, Viva São João de Artur Azevedo, Noite de São João de Sérgio Silva &
Dira Paz, a gravura de José Barbosa, Brincarte de Nitolino, a
pintura de Rosangela Borges & Valquíria Barros aqui.
Vamos
aprumar a conversa, Augusto Matraga de João Guimarães Rosa, Princípios de uma nova ciência de Giambattista Vico, Canto do último encontro
de Anna Akhmátova, a música de Rozana
Lanzelotte, Devassos no paraíso de João Silvério Trevisan, a arte de Dercy Gonçalves, o cinema de Roberto
Santos, o documentário Moacir arte
bruta de Walter Carvalho, a pintura de Eliseo d'Angelo & Vilmar Lopes aqui.
O que
são as coincidências & outros ditos inauditos, Haverá
amor de Anna Akhmatova, Cântico
dos cânticos de Salomâo, a música
de Carl Reinecke, Chico Buarque & Elza
Soares, a arte de Naldinho Freire aqui.
História
& literatura do teatro aqui.
Vamos aprumar a conversa, Divina comédia de Dante Alighieri, Ensaios de Ralf
Waldo Emerson, Macunaíma de Mário de Andrade, a música de Mikko Härki, o teatro de Luigi
Pirandello, História de O de Guido
Crepax & a pintura de Mark
Gertler aqui.
Pensando
o ritual de Mario Perniola, Entre
nós de Emmanuel Lévinas, Teatro em
tempo de síntese de Maria Helena Kühner, a música de Sivuca, o cinema de Wolf Maia & Maria Clara Gueiros, a pintura de Emanuel Leutze, a fotografia de Dorothea
Lange, Livro das incandescências de Jaci Bezerra & Programa
Tataritaritatá aqui.
Brincarte
do Nitolino, Parque humano de Peter Sloterdijk, Viagem ao fim da noite de Ferdinand Céline, a pintura de Georges Rouault, a música de Ivete
Sangalo, Aprendizagem do autor de Antonio
Januzelli – Janô, o cinema de Mark Robson & Barbara Parkins, arte de Sharon Tate & Isadora Duncan aqui.
E lá vou
eu noutras voltas, Variações sobre o corpo de Michel Serres,
Tarde demais de Antonio Tabucchi, A
jangada de Ulisses de Vianna Moog, a música de Mundo Livre S/A, a
fotografia de Raoul Hausmann, a pintura de Aja-ann Trier & a arte de Matthew Guarnaccia aqui.
As
mulheres mandam ver nas olimpíadas & a arte de Hubert B. W. Ru aqui.
A festa
das olimpíadas do Big Shit Bôbras – o Big Bode do Brasil, Sonhos
e pesadelos da razão de Oswaldo Giacoia Junior, Gasolina & Lady Vestal de Gregory Corso, Intelectuais à brasileira de Sergio
Miceli, a música de Wanda Sá, a
pintura de Augusta Stylianou & Nancy L Jolicoeur, a arte de Banksy & Natalia Gal
Stabile aqui.
O sonho
do amor, As bodas de Fígaro de Beaumarchais, a Psicologia de Afonso
Lisboa da Fonseca, a música de Ana Cascardo, a pintura de Sandra
Hiromoto, Luciah Lopez, a arte de Ana Viera Pereira & Ana Maia Nobre aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.
GUERNICA & LA MUERTE DE FERNANDO ARRABAL
Entre
as obras do poeta, dramaturgo, roteirista e diretor de cinema Fernando Arrabal, primeiramente destaco
L'arbre de
Guernica (1975), drama surreal de guerra, contando a história de
um pintor excêntrico que se aloja em um castelo quando começa a guerra,
realçando o amor no meio da crueza da Guerra Civil Espanhola, reproduzindo de
forma ficticia o conflito geral em toda a Espanha, culminando com a aniquilação
da cidade de Guernica. O destaque fica por conta da belíssima atriz italiana Mariangela
Melato (1941-2013). O segundo, o drama Viva la Muerte (1971),
contando a história de um jovem que teve o pai entregue às autoridade por
suspeita de comunista, por sua própria mãe simpatizante fascista. O destaque do
filme fica por conta da sequencia de desenhos do artista, ator e romancista
francês Roland Topor (1938-1997) e
atuação da atriz francesa Anouk Ferjac.
Veja mais aqui e aqui.
A
ESCRITORA DA ENTREVISTA DE SAMIR
YAZBEK
[...] Sinceramente, eu acho que o mundo em si. De repente ficou
muito difícil viver, simplesmente isso. E eu me lembro que há pouco tempo não
era assim. Antigamente, havia uma crença comum de que nós iríamos melhorar como
humanidade, que hoje eu já não encontro mais. Ficou muito pior do que eu
imaginava. E do que muita gente imaginava. As pessoas, os lugares, a
literatura, a competição entre os colegas, como se fôssemos executivos. Os
leitores que não lêem. E se lêem, não têm o que dizer. E se têm o que dizer,
normalmente dizem superficialidades. Acho que foi por tudo isso que eu fui me
retraindo. E aí, no começo, como forma de entender o que acontecia comigo e com
o mundo, eu achei importante falar sobre isso, mas agora eu queria expandir
esse horizonte, eu me sinto presa. Parece que eu fui ultrapassada pelos
acontecimentos e que não faz mais sentido pensar como eu pensava. Ou seja, ou
eu encontro uma nova forma de escrever, ou então eu vou viver esse eterno
tormento de estar sempre insatisfeita comigo mesma. [...] Ter medo do
silêncio? Como é que eu posso ter medo do único amigo que me acompanha do
início ao fim? A diferença é que esse de agora está preenchido de algo. Algo
cujo nome eu desconheço, mas existe. Existe porque eu sinto que existe. Que mais
eu preciso dizer?
Trechos da peça teatral A entrevista (2004), extraída da coletânea O fingidor, A terra prometida, A entrevista
(Cultura/Fundação Padre Anchieta, 2006) do dramaturgo e diretor teatral Samir Yazbek. Veja mais aqui.
O QUARTO
DIA DE LUCIAH LOPEZ
Minha vontade era de estar contigo, sem importar-me com interpretações
que venham a ser feitas sobre isso -, não me sinto a caminho do Gólgota pelo
fato de amar demasiadamente. Basta a realidade mais divertida do que uma
completa incredulidade na existência do Amor. E se me olhas resolutamente nos
olhos, posso saber onde reside a felicidade, e, contrariando a própria vida e
suas maledicências eu me percebo um novo ser, quando em suas mãos vivencio o
crescimento da minha alma. Encerra-se a solidão e
eu sou capaz de fazer versos...
A ARTE
DE NAIR BENEDICTO
[...] Eu queria documentar a realidade da Amazônia
naquele momento, o modo como grandes projetos interferiam na vida das aldeias,
como, por exemplo, a usina de Tucuruí. Naquela época eu não achava que o
caminho certo para difundir esse trabalho seria o livro. O audiovisual
funcionava muito melhor para promover a discussão. Uma coisa era ter o livro
pronto, outra coisa era mostrar isso diretamente para as pessoas. Eu sempre me
interessei muito pela relação da fotografia com a educação. Eu publiquei muita
coisa, tanto no Brasil como no exterior, mas nunca achei que uma revista faria
a matéria que eu queria. Então encontrei no audiovisual um modo bastante
eficiente de fazer essa junção. Dávamos muitas palestras em escolas, por
exemplo. [...] O áudio sobre a
Amazônia teve trilha sonora do Hermeto Paschoal. Fiz audiovisuais de outros
assuntos importantes também: “O Prazer é nosso”, “Não Quero ser a Próxima”, “E
agora, Maria”, todos ligados diretamente à questão da mulher. Também fiz outros
focados na questão da terra e na ecologia. [...].
Trechos
da entrevista concedida pela fotógrafa e fotojornalista Nair Benedicto, à publicação O
índio na fotografia brasileira (2012), por ocasião do lançamento do seu Vi ver: fotografias de Nair Benedicto (Brasil
Imagem, 2012), dividido em duas partes: Amazônias (imagens do desmatamento
promovido pela construção da Transamazônica e o surgimento das cidades
abrigando os migrantes) e Desenredos (com imagens das ruínas e lixões urbanos
do garimpo em Serra Pelada e nas terras ianomâmis, entre outras).