DITOS &
DESDITOS - Tenho a necessidade de contar a
história de misérias anônimas... Pensamento da fotógrafa, jornalista e anarquista alemã Gerda Taro
(1910-1937). Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU: O homem só poderia conhecer a sua lei, medir os seus limites,
passando para o outro lado. A única coragem é falarmos na primeira
pessoa. Pensamento do dramaturgo vanguardista francês Arthur Adamov
(1908-1970).
ALGUÉM MAIS DISSE: O artista isolado, que trabalha para si na solidão de seu estúdio,
não existe... Pensamento do historiador de arte francês André Chastel
(1912-1990).
MAIS OUTRO: A razão pela qual você trabalha como artista é ficar aberto e fazer
perguntas... Pensamento do encenador, coreógrafo, escultor, pintor e
dramaturgo estadunidense Bob Wilson, que também se assina Robert Wilson, mais
conhecido por sua obra como experiências inovadoras e de vanguarda.
A ESCRAVA – [...] Custava-me, confesso, estar por longo tempo em comunicação
com aquele homem, que encarava sua vítima, sem consciência, sem horror. –
Peço-lhe mil desculpas, se a vim incomodar. – Pelo contrário, retorqui-lhe. O
senhor poupou-me o trabalho de o ir procurar. – Sei que esta negra está morta,
exclamou ele, e o filho acha-se aqui: tudo isto teve a bondade de comunicar-me
ontem. Esta negra, continuou, olhando fixamente para o cadáver – esta negra era
alguma coisa monomaníaca, de tudo tinha medo, andava sempre foragida, nisto
consumiu a existência. Morreu, não lamento esta perda; já para nada prestava. O
Antônio, meu feitor, que é um excelente e zeloso servidor, é que se cansava em
procurá-la. Porém, minha senhora, este negro! – designava o pobre Gabriel, com
este negro a coisa muda de figura: minha querida senhora, este negro está fugido:
espero, mo entregará, pois sou o seu legítimo senhor, e quero corrigi-lo. –
Pelo amor de Deus, minha mãe, gritou Gabriel, completamente desorientado –
minha mãe, leva-me contigo. – Tranquiliza-te, lhe tornei com calma; não te hei
já dito que te achas sob a minha proteção? Não tem confiança em mim? Aqui o
senhor Tavares encarou-me estupefato – e depois perguntou-me: – Que significam
essas palavras, minha querida senhora? Não a compreendo. – Vai compreender-me,
retorqui, apresentando-lhe um volume de papéis subscritados e competentemente
selados. Rasgou o subscrito, e leu-os. Nunca em sua vida tinha sofrido tão
extraordinária contrariedade. – Sim, minha cara senhora, redarguiu, terminando
a leitura; o direito de propriedade, conferido outrora por lei a nossos avós,
hoje nada mais é que uma burla... A lei retrogradou, Hoje protege-se escandalosamente
o escravo, contra seu senhor; hoje qualquer indivíduo diz a um juiz de órfãos.
Em troca desta quantia exijo a liberdade do escravo fulano – haja ou não
aprovação do seu senhor. Não acham isto interessante? – Desculpe-me, senhor Tavares, disse-lhe: Em conclusão, apresento-lhe um
cadáver e um homem livre. Gabriel ergue a fronte, Gabriel és livre! [...]. Trecho do conto A escrava (Revista Maranhense, 1887), da
escritora Maria Firmina dos Reis (1822-1917), que publicou em 1859 o
primeiro romance abolicionista do Brasil, contando a história de um triângulo
amoroso no qual os personagens são pessoas negras que contestam o sistema
escravocrata. Ela é autora do poema O MEU DESEJO (A um jovem poeta guimaraense): Na hora em que vibrou a mais sensível \
Corda de tu’alma ─ a da saudade, \ Deus mandou-te, poeta, um alaúde,\ E disse:
Canta amor na soledade.\ Escuta a voz do céu, ─ eia, cantor,\ Desfere um canto
de infinito amor.\ Canta os extremos d’uma mãe querida, \ Que te idolatra, que
te adora tanto!\ Canta das meigas, das gentis irmãs,\ O ledo riso de celeste
encanto;\ E ao velho pai, que tanto amor te deu,\ Grato oferece-lhe o alaúde
teu.\ E a liberdade, ─ oh! poeta, ─ canta,\ Que fora o mundo a continuar nas
trevas?\ Sem ela as letras não teriam vida,\ Menos seriam que no chão as
relvas:\ Toma por timbre liberdade, e glória,\ Teu nome um dia viverá na
história.\ Canta, poeta, no alaúde teu,\ Ternos suspiros da chorosa amante;\ Canta
teu berço de saudade infinda,\ Funda lembrança de quem está distante:\ Afina as
cordas de gentis primores,\ Dá-nos teus cantos trescalando odores.\ Canta do
exílio com melífluo acento,\ Como Davi a recordar saudade;\ Embora ao riso se
misture o pranto;\ Embora gemas em cruel saudade…\ Canta, poeta, ─ teu cantar
assim,\ Há de ser belo, enlevador, enfim.\ Nos teus harpejos, juvenil poeta,\ Canta
as grandezas que se encerram em Deus,\ Do sol o disco, ─ a merencória lua,\ Mimosos
astros a fulgir nos céus;\ Canta o Cordeiro, que gemeu na Cruz,\ Raio infinito
de esplendente luz.\ Canta, poeta, teu cantar singelo,\ Meigo, sereno como um
riso d’anjos;\ Canta a natura, a primavera, as flores,\ Canta a mulher a
semelhar arcanjos,\ Que Deus envia à desolada terra,\ Bálsamo santo, que em seu
seio encerra.\ Canta, poeta, a liberdade, ─ canta.\ Que fora o mundo sem fanal
tão grato…\ Anjo baixado da celeste altura,\ Que espanca as trevas deste mundo
ingrato.\ Oh! sim, poeta, liberdade, e glória\ Toma por timbre, e viverás na
história.\ Eu não te ordeno, te peço,\ Não é querer, é desejo;\ São estes meus
votos ─ sim.\ Nem outra coisa eu almejo.\ E que mais posso eu querer?\ Ver-te
Camões, Dante ou Milton,\ Ver-te poeta ─ e morrer. Veja mais aqui.
BALEIA
ENJOADA – [...] Vamos passar por todos os tipos de prazeres que uma viagem dessas
proporciona. Você
está viajando com uma mulher? - Sim. - Então, um prazer a menos. Restante:
paisagens, teatros, museus e visitas familiares. [...] E tenha sempre em mente que você não é um ser humano, mas apenas um turista
comum. não se deixe enganar pela gentileza
externa: ela não vai atrás de você, mas da sua carteira. [...].
Trechos extraídos da obra Seasick Whale: An Israeli Abroad (Deutsch, 1965), do escritor, roteirista, dramaturgo e
diretor de cinema húngaro-israelense Ephraim Kishon (1924-2005). Veja
mais aqui.
QUEM SOU EU? - A noite pergunta quem sou eu? \
sou seus segredos-ansioso, negro, \ profundo eu sou seu silêncio rebelde \ Eu
velei minha natureza, com silêncio, \ Envolvido meu coração em dúvida \ E
solene, permaneceu aqui contemplando, enquanto as idades me perguntam, \ Quem
sou eu ? \ O vento pergunta quem sou eu? \ Eu sou seu espírito confuso, que o
tempo deserdou \ Eu, gosto disso, nunca descansando continuar a viajar sem fim \
continuar a passar sem pausa devemos chegar a uma curva \ nós pensaríamos que é
o fim do nosso sofrimento \ e então-vazio \ O tempo pergunta quem sou eu? \ Eu,
como ele, sou um gigante, \ abraçando séculos \ Eu volto e concedo-lhes a
ressurreição \ Eu crio o passado distante \ Do encanto da agradável esperança \
E eu volto para enterrá-lo criar para mim um novo ontem cujo amanhã é gelo. \ O
eu me pergunta quem sou eu? \ Eu, como ele, estou desnorteado, olhando para as
sombras \ Nada me dá paz \ Continuo perguntando-e a resposta permanecerá velado
pela miragem \ Vou continuar pensando que chegou perto mas quando o alcanço \ -
dissolveu-se, morreu, desapareceu. Poema da da poeta
iraquiana Nazik Al-Malaika (1923-2007). Veja mais aqui, aqui, aqui e
aqui.