Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao som dos álbuns I Just Want To Sing (Hard Bop, 1995), Sophisticated
(Hard Bop, 1991), I Walk Along (Hard Bop, 1989) e do DVD Dorothy Donegan: Pandemonium (Arkadia, 2008), da pianista
estadunidense Dorothy Donegan (1922-1998).
UM SOLILÓQUIO A
MAIS VEZOUTRA – Mãos e pernas trocadas levei a vida: cuspe
na cara que só. As graças femininas e a ranzizice dos marmanjos davam o tom da
coisa: leve a sério ou se estrepe! Da primeira, já era (nunca!); na segunda, me
lasquei: caí no território de Têmis e fui capturado por ela. A sua
balança inexorável foi muito severa comigo, o que não reclamo. Afinal, se ela mantinha
a firmeza e não me perdoava, pelo menos me guardou em sua cama a me ensinar
desnuda os segredos da vida embaixo dos lençóis. Foi ela, inclusive, quem me
disse de Ludvík Vaculík. A liberdade só existe onde não é invocada...
Nem prestei a atenção direito porque, logo após, chutou-me a bunda: Agora volta
pra vida e aprenda. Eita! Não foi fácil, nem poderia: na vida tudo é
imprevisível, haja paradoxo. E eu que nunca tive certeza de nada, simplesmente singrava
as aporias pelos devires. Não fosse a viúva Tereza de Benguela se
achegar ao meu claustro, não saberia eu: domínio
só serve para si, auto. Revelações surgem de lá e além. Mil maneiras de cantar
o silêncio. Facúndia é coisa pra enrolão. Sol brilha em todas as direções. Há
sempre outros caminhos e lá se vão os anos e os anéis, quase os dedos. Sílaba
não é só assoletrar, tem de sentir. Ora, para quem uma biografia sujeita ao
sujeirômetro: o culpado no espelho, assustei meus muitos fantasmas e não sei se
me tornei melhor ou pior depois disso. Descalço pela espessura das pegadas e
ciladas bumerangues faço o melhor que posso. Sou reles feliz vagalume, beiro a
quase nada: pego um sorriso e vou adiante. Até mais ver.
DITOS & DESDITOS
Imagem: Acervo ArtLAM.
A arte diz o
indizível; exprime o inexprimível, traduz o intraduzível. A pintura é a poesia que é mais vista do que sentida, e a poesia é
a pintura que é mais sentida do que vista. Um pintor deve começar cada tela com
uma camada de preto, porque todas as coisas na natureza são escuras, exceto
quando expostas à luz. O pintor tem o Universo na mente e nas mãos. A lei
suprema da arte é a representação do belo. Tudo o que é belo morre no homem, mas
não na arte. O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na fisionomia
e nos movimentos do corpo as paixões da alma.
Pensamento do polímata
italiano Leonardo di Ser Piero da Vinci (1452-1519), mais conhecido como Leonardo
da Vinci. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DESENHO, PINTURA,
ARTE VISUAL – Sempre apreciei artes plásticas e tive
desde tenra idade muitas predileções pelas obras de muitos pintores. Nunca me
vi desenhando nem pintando, mas depois de sessentão e sob a solidão da
pandemia, não deu outra. Confesso, ao longo da minha vida cometi umas e outras
sapecadas de tintas em tela e feito algumas colagens, nada que se salvasse. Já
bulia com música, teatro e literatura, sempre inquieto inventei de fazer umas
colagens e percebi minha limitação. Foi então que participei durante a pandemia
de um curso de desenho e pintura no IbaValeUna. Aí me surpreendi com a
possibilidade de desenhar e pintar, graças os incentivos e ensinamentos
iniciais dos amigos Paulo Profeta e José Durán y Durán. Parti então para um
curso de Artes Visuais, ministrado por professores da USP/MAC, ocasião em que
fui mais ainda tentado a cometer meus garranchos agora visuais. Foi um longo e
aprazível curso. Depois outro curso na mesma área pela Fundação Stickel (RJ) e não
parei mais. Exemplo disso: nas ilustrações daqui do blog do Acervo ArtLAM. Se
já levava a música, o teatro e a literatura para a área da educação,
acrescentei mais essa. E fui levado inicialmente pela leitura da obra Fundamentos estéticos da educação (Papirus, 2002), do professor João
Francisco Duarte Júnior que me ensinou: [...] A arte está com o homem
desde que este existe no mundo – ela foi
tudo o que restou das culturas pré-históricas. Apenas a constatação deste fato
elementar – a universalidade e permanência do impulso
estético – já é razão suficiente para que se reconheça a
importância da arte na constituição do humano. [...]. Foi dessa que fui pra outra leitura
do estudo sobre Artes visuais (Artes II-MG, 2008), da professora Maria
Eugênia Albinati: Uma obra de arte não é a representação de uma coisa,
mas a representação da relação do artista com aquela coisa. [...]. Quanto
mais se avança na arte, mais se conhece e demonstra autoconfiança,
independência, comunicação e adaptação social. [...]. Desse estudo fui pra
obra Para gostar de
aprender arte: sala de formação de professores (Artmed, 2003), da professora Rosa
Iavelberg que me esclareceu: [...] A arte promove o desenvolvimento de
competências, habilidades e conhecimentos necessários a diversas áreas de
estudos; entretanto, não é isso que justifica sua inserção no currículo
escolar, mas seu valor intrínseco como construção humana, como patrimônio comum
a ser apropriado por todos. [...].
ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO – Foi, então, que resolvi me aprofundar do
tema e partir para a leitura da obra A imagem
no ensino da arte (Perspectiva, 1994), da professora Ana
Mae Barbosa que sempre defendeu que: [...] Temos que alfabetizar para a
leitura da imagem. Através da leitura das obras de artes plásticas, estaremos
preparando a criança para a decodificação da gramática visual, da imagem fixa e
móvel, através da leitura do cinema e da televisão, a prepararemos para
aprender a gramática da imagem em movimento. Essa decodificação precisa ser associada
ao julgamento da qualidade do que está sendo visto aqui e em relação ao passado.
[...]. Dos seus ensinamentos fui a obra Sintaxe da linguagem visual (Martins
Fontes, 1997), de Donis Dondis, ensinando que: [...] Ao aprender a
ler e a escrever, começamos sempre pelo nível elementar e básico, decorando o
alfabeto. Esse método tem uma abordagem correspondente no ensino do alfabetismo
visual. Cada uma das unidades mais simples da informação visual, os elementos,
deve ser explorada e aprendida sob todos os pontos de vista de suas qualidades
e de seu caráter e potencial expressivo. [...] Os educadores devem corresponder às expectativas de
todos aqueles que precisam aumentar sua competência em termos de alfabetismo
visual. Eles próprios precisam compreender que a expressão visual não é nem um passatempo,
nem uma forma esotérica e mística de magia. Haveria então, uma excelente
oportunidade de introduzir um programa de estudos que considerasse instruídas
as pessoas que não apenas dominassem a linguagem verbal, mas também a linguagem
visual. [...]. Foi daí que tive acesso ao livro Arte na educação escolar
(Ibpex, 2008), de Bernadete Zagonel: [...] apesar de o ensino de Arte
ser parte obrigatória do currículo, não há interesse, por parte de muitas
escolas e de seus diretores, em que esse ensino se faça com qualidade e
seriedade [...] No entanto, alguns princípios devem nortear o ensino de Arte
no mundo contemporâneo, que vão desde a postura do professor até os conteúdos
por ele selecionados, devendo-se considerar, de todo modo, aquilo que se espera
que os alunos desenvolvam [...] despertar o indivíduo para a experiência
estética e sensibilizá-lo para as artes é mais importante do que lhe transmitir
informações teóricas a respeito delas [...] O que podemos esperar, sim,
e almejar, é um professor sensível e disposto a enfrentar desafios. Um
professor apaixonado pelo que faz, pelos seus alunos e pela arte. Um professor
disposto a buscar sempre novos caminhos, disposto a interagir, disposto a
aprender. [...]. Noutra obra Inquietações e Mudanças no Ensino da Arte
(Cortez, 2003), a professora Ana Mae Barbosa arrematou: [...] Somente a ação
inteligente e empática do professor pode tornar a Arte ingrediente essencial para
favorecer o crescimento individual e o comportamento de cidadão como fruidor de
cultura e conhecedor da construção de sua própria nação [...]. Veja mais
aqui, aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
SEU NOME - Ninguém
pode pronunciar seu nome. \ Só eu conheço a inflexão perfeita. \ Falta-lhes a
ternura em que flui \ e a doçura nas consoantes. \ Eles não sabem distinguir a
cor \ da nota musical exata. \ É por isso que a cada dia respondo \ inventando
um nome: \ azul, pássaro, brisa, luz. \ Palavras comuns \ que podem ser ditas
simplesmente \ mesmo sem te conhecer, sem te amar.
EM TODAS AS
DIREÇÕES - Vamos deixando-nos em todas as direções, \ nas camas, nos quartos,
nos campos, nos mares, nas cidades, \ e cada um desses fragmentos \ que deixou
de ser nós, continua sendo \ como sempre nós, tornando-nos \ ciumentos e
hostis. \ "O que isso fará que eu gostaria de fazer?" \ nós pensamos.
"Quem verá que eu gostaria de ver?" \ Muitas vezes recebemos notícias
casuais \ dessa criatura... \ Entramos em seus sonhos \ quando ele sonha
conosco, \ amando-o \ como aqueles a quem mais amamos; \ batemos às suas portas
\ com as mãos ardentes, \ pensamos que voltará na ilusão de nos pertencer \ equivocados
como antes\ mas continuará sendo traiçoeiro e inalcançável. \ Tal como acontece
com nossos rivais, nós o mataríamos. Só o poderemos \ vislumbrar em
fotografias. Deve sobreviver a nós.
Poemas da
escritora argentina Silvina Ocampo (1903-1994). Veja mais aqui.
ENCONTRANDO-ME - [...] Minha maior descoberta foi que você
pode literalmente recriar sua vida. Você pode redefini-lo. Você não
precisa viver no passado. Eu
descobri que não só tinha luta em mim, eu tinha amor [...] As memórias são imortais. Eles são imortais e precisos. Eles têm o poder de lhe dar alegria
e perspectiva em tempos difíceis. Ou, eles podem estrangulá-lo. Defina você de uma maneira que se baseie mais nas percepções exageradas de
outras pessoas do que na verdade. [...] Perdoar é abrir mão de toda esperança de um
passado diferente. Eles
dizem que a terapia bem-sucedida é quando você tem a grande descoberta de que
seus pais fizeram o melhor que puderam com o que receberam. [...] Agora entendo que a vida,
e vivê-la, é mais sobre estar presente. Agora estou ciente de que as memórias não tão felizes estão à espreita; mas a esperança e a alegria também
estão à espreita. [...] Eu sabia que minha vida seria uma luta e percebi isso: eu tinha
isso em mim [...]. Trechos extraídos da obra Finding
Me: An Oprah's Book Club Pick (HarperOne,
2022), da premiada atriz e produtora estadunidense Viola
Davis.
DESOBEDECER – [...] A democracia é algo muito
diferente de uma forma institucional caracterizada por “boas” práticas ou
procedimentos, inspirada pela defesa das liberdades, a aceitação da
pluralidade, o respeito pelas disposições majoritárias. Mesmo se ela deve ser
isso, a democracia designa também uma tensão ética no íntimo de cada pessoa, a
exigência de reinterrogar a política, a ação pública, o curso do mundo a partir
de um si político que contém um princípio de justiça universal e, sobretudo,
não é a simples “imagem pública” de si, em oposição ao eu interno. É preciso
parar de confundir o público e o exterior. O si público é nossa intimidade
política. É, em nós, poder de juízo, capacidade de pensar, faculdade crítica. É
com base nesse ponto em nós que nasce a recusa das evidências consensuais, dos
conformismos sociais, das ideias pré-fabricadas. Esse recurso ao si político,
no entanto, será inútil, improdutivo, se não for sustentado por um coletivo, se
não se articular sobre uma ação de conjunto, decidida em comum acordo,
portadora de um projeto de futuro. Mas, sem ele, os movimentos de desobediência
correm o risco constante de instrumentalização, de aliciamento, de sufocamento
sob as palavras de ordem e a mudança dos chefes. Esse movimento por meio do
qual o sujeito político se descobre em estado de desobedecer é o que chamaremos
de “dissidência cívica”. A insurreição não se decide. Apodera-se de um
coletivo, quando a capacidade de desobedecer juntos volta a ser sensível,
contagiosa, quando a experiência do intolerável se adensa até se tornar uma
evidência social. Supõe a experiência prévia compartilhada – mas que ninguém se
pode dispensar de viver em, por e para si mesmo – de uma dissidência cívica e
de seu apelo. Desde Sócrates (“Cuida de ti mesmo!”) e desde Kant (“Ouse
saber!”), ela é também o regime filosófico do pensamento, sua interioridade
intempestiva. Numa época em que as decisões dos “especialistas” se orgulham de
ser o resultado de estatísticas anônimas e insensíveis, desobedecer é uma
declaração de humanidade. [...]. Trecho extraído da obra Desobedecer
(Ubu, 2018), do
filósofo francês Frédéric Gros. Veja mais aqui.
ARTISTAS DE
PERNAMBUCO
[...] Desse
esforço uma parte – talvez o melhor – não transparece aqui: o de vencer
barreiras insuperáveis, a primeira das quais o tempo. Eu preferiria trabalhar
no tempo de reinado – pelo menos como a gente imagina – com o prazo da vida
toda para fazer o serviço [...].
Trecho do
posfácio da obra Artistas de Pernambuco (Recife, 1982) escrito,
organizado e prefaciado pelo pintor, desenhista, gravador, escultor, crítico de
arte e escritor José Cláudio. Veja mais aqui e aqui.