Ao som da Sinfonietta
(1951), da canção coral Salve a juventude (1950), dos 12 prelúdios
para piano (1953), do Quarteto de cordas (1945), das Suites para
orquestra nº 1 e 2 (1948-1950), dos Poemas Sinfônicos nº 1 – Luzes
das estepes (1958) e nº 2 – A façanha do herói (1959), da compositora
russa Galina
Ustvolskaya (1919-2006). Veja mais aqui.
DAS VÉSPERAS DE QUASE – Estradas muitas por onde fui, quase nenhum aceno e esquinas outras
trastejando solidões. Escapei de emboscadas inauditas e de quantos nosofóbicos
saponizados – ah, eles eram tantos e vinham do paleolítico e iam outros do
neolítico no meio da barbárie de agora, todos oriundos ou destinatários de
Rungholt e ao som das risadas dos sinos nas costas do Mar de Wadden. Deles a
sensação de chuva descarregando coisas do nunca visto, o
tempo cobrava recompensas extraviadas. Entre um e outro, eis Brian Jacques elucubrando no passeio: As lágrimas são apenas água e as flores, as árvores e as frutas não
podem crescer sem água. Mas deve haver luz solar também. Um coração ferido vai
sarar com o tempo, e quando isso acontecer, a memória e o amor daqueles que
perdemos ficam selados no nosso interior para nos confortar. De mim o poema resistia na tormenta como se fosse uma carta a um
possível morador doutra galáxia, tudo porque estrelas nasciam no chão e eram almas
ressurretas. Era como se atravessasse o sertão no meio do mar, como a mata era
do rio e o mundo findava no litoral e nunca mais precisasse de morrer todos os
dias. Saíam dos escondidos pelo temporal do agreste com a expectativa do que
vinha me dizer Dorothy Sayers sorridente: A grande vantagem de dizer a verdade
é que ninguém acredita nela... Fatos são como vacas. Se você olhar na cara
deles por tempo suficiente, eles geralmente fogem... E com ela fiquei
contente por poder ser um mentiroso em Stonehenge e dali juntos escapulimos dos
indesejáveis e pegamos carona no asteroide
para um passeio numa evaporação cósmica, ou melhor: no meio de uma superposição quântica, sei lá.
Ao retornar fui saudado efusivamente pelas filhas de seu Rube que me presentearam esferas de Klerksdorp. Não me contive,
parecia menino solto aos brinquedos. Só me dei conta ao ser tocado por Joyce Carol Oates: Todos nós
temos inúmeras identidades que mudam de acordo com as circunstâncias... Acho
que a arte é a comemoração da vida em sua variedade... Ah, sim, quase nem
ouvi direito por causa de velhas vozes dos de mais pra lá ou pra cá, esquecia o que foi dito ou lido, e fiquei como quem
perdeu o caminho e não precisava mais ir para lugar nenhum nem voltar, inventando
inspiração numa ráfaga da surpresa escatológica porque já superamos todos os
limites permitidos para nossa sobrevivência fracassada. Guardei tudo na memória
e fiquei só, voo adiante no amanhecer.
DITOS & DESDITOS
Imagem: Acervo ArtLAM.
[...] Não é de
hoje que a escola é chata. Ela sempre foi assim e isso acontece porque as
coisas são impostas às crianças. A prova de que uma criança gosta de ir à escola
é se, na hora do recreio, ela está conversando com os amigos sobre as coisas
que a professora ensinou. E não se vê isso. Então fica evidente que elas gostam
da escola por causa da sociabilidade, dos amiguinhos, por causa do recreio. Mas
elas não estão interessadas naquilo que se ensina na escola. Você acha que um
adolescente, vivendo na periferia, pode ter interesse em dígrafos (grupo de
duas letras usadas para representar um único fonema)? Não tem interesse nenhum.
Existe outra expressão terrível: grade curricular. Já brinquei que deve ter
sido cunhada por um carcereiro. A criança está vivenciando problemas que não
têm nada a ver com os assuntos das aulas. Mas os professores apenas se justificam,
dizendo que o programa afirma que é aquilo que se deve ensinar e acabou. Eu
diria que na escola tradicional não se leva em consideração o desejo de
aprender da criança. Elas expressam isso através dos questionamentos que fazem.
[...].
Trecho extraído do
artigo Aprender para quê? (Revista Época, 344, 2004), do psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves
(1933-2014). Veja mais aqui e aqui.
ARTE &
CRIATIVIDADE NA EDUCAÇÃO – Durante muitas décadas
realizei inúmeras pesquisas a respeito deste tema e, entre estas, encontrei um
encaminhamento interessante a respeito: [...] Orientamos os nossos trabalhos
assumindo que a Criatividade indica princípios fundamentais para aqueles que pretendem
ser criativos em suas práticas artísticas e educativas, tanto para artistas
quanto para professores. Compreendemos que a educação assume dois importantes
papéis, o de dar acesso ao saber já produzido e de potencializar a ação
criadora dos estudantes para que eles, ao longo de sua formação, aprendam a
fazer escolhas, definir metas e criar projetos para suas vidas pessoal e
profissional. [...]. Trecho extraído da obra Criatividade, educação e arte:
potências e desafios (UFES Proex, 2021), da professora Stela Maris Sanmartin,
organizadora do volume. A partir daí encontrei maior aprofundamento sobre a
temática: [...] a criatividade não resulta de desdobramentos inatos e hereditários,
nem tão pouco de relações puramente espontâneas com o meio social, mas apenas
se desenvolve por meio da apropriação da cultura. Parece óbvio a afirmação de
que não se cria algo novo a partir do nada [...] O papel da educação
escolar consiste em produzir, sobre a base biofísica, a humanização dos seres
humanos, tendo como referência as máximas conquistas do desenvolvimento já
trilhado pelo gênero humano. Assim sendo, a educação escolar possibilita o
pleno desenvolvimento da criatividade à medida que coloca os seres humanos em
contato com as objetivações mais ricas já elaboradas pela humanidade. É
preciso, portanto, subjetivarmos aquilo que fora objetivado pelas gerações
precedentes. A formação da criatividade não se dá pelo ensino de saberes
cotidianos, espontâneos e de senso comum, mas tão somente por meio da transmissão
dos conteúdos clássicos, como é preconizado pela pedagogia histórico-crítica.
Quanto mais o indivíduo se apropriar do patrimônio humano-genérico em suas
máximas expressões, mais rico será o desenvolvimento do seu psiquismo, o que
lhe garante os instrumentos necessários para ser plenamente criativo. Lutar
contra a alienação, é possibilitar que as conquistas da humanidade, implementem-se
na particularidade da vida dos sujeitos, de modo que os indivíduos estabeleçam
uma relação mais consciente com o patrimônio humano-genérico. [...].
Trechos extraídos da obra A criatividade na arte e na educação escolar: uma
contribuição à pedagogia histórico- crítica à luz de Georg Lukács e Lev
Vigotski (UNESP, 2014), da professora Cláudia Saccomani.
CRIATIVIDADE
& ARTE – Foi, então, que embarquei no trinômio Educação-Criatividade-Arte
ao me deparar com o seguinte: [...] A
criatividade que permeia a Arte e o seu ensino apresenta-se como um conceito
importante na constituição humana. [...] Dessa maneira, entende-se que o
processo criativo não acontece de forma linear e contínua, mas de maneira
dialética e dinâmica. Igualmente, a criatividade não pode ser vista como inata,
associada a uma ideia de dom e, sim, como fruto de diversos fatores, dentre
eles o acesso aos materiais necessários para a criação, juntamente com a
importância da vontade do aluno em desenvolver suas próprias ideias, oriundas
de experiências anteriores. [...] a prática educativa deve sair do
engessamento de um único foco de trabalho, incentivando os educandos a pensarem
sobre novas possibilidades de aprender perante o conteúdo didático apresentado.
Por meio da estimulação dos processos criativos dos próprios professores, com a
implementação da formação continuada, o docente é levado a uma experiência
aplicada desejando trabalhar a criatividade e as potencialidades no contexto
escolar. [...] estimulando o uso da criatividade na realização das
atividades cotidianas, trazendo a experiência dos alunos para dentro do
processo criativo, ofertando e construindo uma prática ligada a aspectos
singulares da subjetividade humana, garantindo ao aluno o acesso às mais
variadas análises e evitando que ocorra uma limitação e um empobrecimento da
experiência educacional. [...]. Trechos extraídos do artigo Arte e
criatividade: um olhar sobre a importância das aulas de Arte nos anos finais do
Ensino Fundamental (Revista Educação Pública, julho de 2022), do professor e
pesquisador Willian Júnio do Carmo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ALMA NUA
Imagem:
Acervo ArtLAM.
Eu sou uma
alma nua nestes versos, \ Alma nua que angustiada e sozinha \ Deixa suas
pétalas espalhadas. \ Alma que pode ser uma papoula, \ Que pode ser um lírio,
uma violeta, \ Um penhasco, uma selva e uma onda. \ Alma que como o vento
vagueia inquieta \ E ruge quando está sobre os mares, \ E dorme docemente numa
fenda. \ Alma que adora em seus altares, \ Deuses que não descem para cegá-la; \
Alma que não conhece cercas. \ Alma fácil de dominar \ Com apenas um coração
para partir \ Para em seu sangue quente para regá-lo. \ Alma que quando é
primavera \ diz ao inverno que se atrasa: volta, \ deixa cair a tua neve no
prado. \ Alma que quando neva se desfaz \ Em dores, clamando pelas rosas \ Com
que a primavera nos envolve. \ Alma que às vezes solta borboletas \ Em campo
aberto, sem marcar distância, \ E lhes fala libidinosamente das coisas. \ Alma
que há de morrer de um perfume, \ De um suspiro, de um verso em que se implora,
\ Sem perder, se possível, a elegância. \ Alma que nada sabe e tudo nega \ E
negando o bem, o bem propicia \ Porque se nega quanto mais vem, \ Alma que
costuma existir como delícia \ Toca as almas, despreza a pegada, \ E sente uma
carícia na mão. \ Alma que está sempre insatisfeita com ela, \ Como os ventos
ela vagueia, corre e gira; \ Alma que sangra e delira incessantemente \ Por ser
a nave que parte da estrela.
Poema da
poeta suíça Alfonsina Storni (1892-1938). Veja mais aqui, aqui e aqui.
OUTROS DITOS – Aquele que mata um homem, mata uma criatura que raciocina, e que é
a imagem de Deus; aquele que destrói um bom livro mata a própria razão, mata a
imagem de Deus, por assim dizer. Muitos homens não passam de um fardo para a
terra; mas um bom livro é o sangue vital, precioso de um espírito de mestre,
embalsamado e guardado propositadamente como um tesouro para uma vida além da
vida... Pensamento do poeta, polemista e intelectual inglês John Milton (1608-1674). Veja mais
aqui.
DOS ABRAÇOS – [...] Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o
para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro
lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas
alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus
olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou
mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando,
pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! [...]. Trecho extraído da obra O livro
dos abraços (L&PM, 2005), do jornalista e escritor uruguaio Eduardo
Galeano (1940-2015). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
ALDRAVIAS
[…] A alma
surge primeiro. O poeta vem depois, juntando os pedaços e dando sentido ao que
foi sentido, agora de forma metafórica, artística. [...].
Trecho de Aldravia
e catarse, do poeta e professor Admmauro Gommes, extraído da
publicação As aldravias dos Palmares: produção de textos poéticos de
professores e estudantes (Rascunhos/Semed-Palmares, 2023). Veja mais aqui,
aqui e aqui.