Ao som dos álbuns Primeiras Impressões
(2018), Em expansão (Balxtream, 2019) e Carol Panesi e Eleva Big Band
(2021), da premiada violinista, arranjadora e multi-instrumentista Carol Panesi.
QUEM ANDA SABE QUE LEVITAR É
MELHOR - Hora em dia, tolhido invariavelmente pelos afazeres
muitos e diuturnos, peso da faina nas pálpebras nada sonolentas, altivas.
Quando não, fôlego de leseira besta, rio de mim mesmo pelos feneceres e vicejares.
Nem sempre relógio no ponto, não me esqueço: sorrir é melhor que prantear a
morte da bezerra ou derrocadas zis pelos tombos treinados no chão abissal da
minha terra. Relevo e folgo, voo meu fandango feito Marco Polo
pelas invisíveis de Calvino: Os outros lugares são espelhos em
negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não
teve e o que não terá. Topadas e escorregões me fizeram gato escaldado e,
mesmo desequilibrado, sou por desconstruir moldes, dicotomias, estereótipos. Ou
melhor: o desmonte para remontar, nem sempre de ponta a cabeça, o que dá pra
rearrumar. Nunca fui logocêntrico e persigo meu caminho escapando da influenza
aviária e doutras moléstias de plantão; quem dera, a Rua de mão única de
Benjamim: livros e prostitutas pela nebulosa Halteres. Aluamentos
fortuitos, nada demais. Há quem faça por aí o meu retrato falado que não diz
nada, que coisa! Excogito funambolicamente: tanta coisa eu não sei, nem
poderia, entre a sofisticação e a sacanagem, à tripa-forra. Vezoutra salvo pela
surpresa: topo com a Darja Tuschinski no Olho do Furacão, em Bali. U-hu! Ora,
também sou filho de Deus, né? Ela me faz o Sinal Wow!, franqueando seus
dotes corporais para me assegurar que o que comumente vejo ninguém vê. E é? E
vamos nós pelo efeito Unruh. (A culpa é dela de me apaixonar assim à toa).
Inadvertidamente, pra meu desgosto temporário, sempre aparece um feito o Rei Lear de Shakespeare, só para me enquadrar na cena 2 do primeiro ato: Admirável
escapatória do homem feemeiro essa de colocar suas veleidades lúbricas sob a responsabilidade
de uma estrela... Eu, não. Sai pra lá! O que sei é que nunca sobrei sem
pagar o pato, mesmo que eu nunca tenha sequer visto por perto um só que seja
pra remédio. Botei tudo na conta do passado, valendo-me do Fernando Pessoa:
Não sei quantas almas tenho. \ Cada momento mudei. \ Continuamente, me
estranho. \ Nunca me vi nem achei... Bato a roupa, tiro a poeira. E quando
desperto estou na mesma feito quem foi jogado de casa pra fora. Pelo sim ou não
e vice-versa, levo nos peitos e me faço de leso acimabaixo, afinal sei que
destino fiz e até mais ver.
DITOS &
DESDITOS
Imagem: Acervo ArtLAM
[...] Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser
feito, sem fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem
sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas,
sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o
mundo, sem fazer ciência ou tecnologia, sem assombro em face do mistério, sem
aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar, não é possível.
[...] Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado,
do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua...e
do outro lado, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da
afetividade, da intuição ou adivinhação. [...]. Como professor preciso
me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões
que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu
próprio desempenho. [...].
Trecho extraído da obra Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
práticas educativas (Paz e Terra, 1996), do educador e filósofo Paulo Freire (1921-1997). Veja mais aqui, aqui e aqui.
A ARTE – Décadas de estudos e pesquisas tenho dedicado à Arte, acrescentada
pela leitura da obra Imaginação e criação na infância (Ática,
1930-2009), de Vigotski, na qual pude entender que: [...] só por esse caminho podemos compreender os
valores cognitivo, moral e emocional da arte. É indubitável que estes podem
existir, mas apenas como momento secundário, como certo efeito da obra de arte que
não surge senão imediatamente após a plena realização da ação estética. O
efeito moral da arte existe, sem dúvida, e se manifesta em certa elucidação
interior do mundo psíquico, em certa superação dos conflitos íntimos e,
consequentemente, na libertação de certas forças constrangidas e reprimidas,
particularmente das forças do comportamento moral. [...]. Foi a partir disso que me deparei
com o questionamento O que é Arte? (Brasiliense, 1995), de Jorge Colli: [...] A arte tem assim uma função que poderíamos
chamar de conhecimento, de ‘aprendizagem’. Seu domínio é o do não-racional, do
indizível, da sensibilidade: domínio sem fronteiras nítidas, muito diferente do
mundo da ciência, da lógica, da teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com
a arte nos transforma. Porque o objeto artístico traz em si, habilmente organizados,
os meios de despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente
ricas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o mundo
que nos rodeia. Entre a complexidade do mundo e a complexidade da arte existe
uma grande afinidade. [...]. Não menos
surpreendente foi me deparar com o estudo Teoria e
metodologia do ensino da arte (Unicentro, 2013), da professora Nájela
Tavares Ujiiie, assinalando que: [...] A arte é representação do mundo cultural com
significado, imaginação; é interpretação, é conhecimento do mundo; é expressão
de sentimentos, da energia interna, da efusão que se expressa, que se
manifesta, que se simboliza, é fruição. Ao mesmo tempo, é conhecimento
elaborado historicamente, que traz consigo uma visão de mundo, um olhar crítico
e sensível, implicado de contexto histórico, cultural, político, social e
econômico de cada época. [...]. A partir de então passei a pesquisa as
contribuições da arte para a educação. Veja mais aqui, aqui e aqui.
ARTE NA ESCOLA – As pesquisas sobre a temática das contribuições da parte para a
educação me levaram a leituras de obras como A imagem no ensino da arte: anos oitenta e
novos tempos (IOCHPE, 1991), da educadora Ana Mae Barbosa:
[...] Sabemos que a arte na escola não tem como objetivo formar artistas,
como a matemática não tem como objetivo formar matemático, embora artistas,
matemáticos e escritores devam ser igualmente bem-vindos numa sociedade
desenvolvida. O que a arte na escola principalmente pretende é formar o conhecedor,
fruidor, decodificador da obra de arte. [...]. Outras obras dela
subsidiaram meus estudos, a exemplo de Inquietações e mudanças no Ensino da
Arte (Cortez, 2007) e Arte-Educação: Leitura de Subsolo (Cortez,
2008), que me levaram inevitavelmente a refletir sobre [...] A formação do
professor de Arte tem um caráter peculiar de lidar com as complexas questões da
produção, da apreciação, da reflexão do próprio sujeito e das transposições de
suas experiências com a Arte para a sala de aula com seus alunos [...]. Foi
a partir dela que tive acesso à obra Gostar de Aprender Arte: sala de aula e
formação de professores (Artmed, 2003), da professora Rosa Iavelberg,
na qual pude apreciar que: [...] Aprender em arte implica desafios, pois a
cultura e a subjetividade de cada aprendiz alimentam as produções e a marca
individual é aspecto construtivo dos trabalhos. O aluno precisa sentir que as
expectativas e as representações dos professores ao seu respeito são positivas,
ou seja, seu desenvolvimento em arte requer confiança e representações
favoráveis sobre o contexto da aprendizagem. [...]. Daí tive acesso à
publicação Metodologia do ensino da arte (Cortez, 1999), das professoras
Mariazinha Fusari e Heloisa Toledo Ferraz, das quais tive o
aprendizado de que: [...] contribuir para a formação de cidadãos conhecedores
da arte e para a melhoria da qualidade da educação escolar artística e
estética, é preciso que organizemos nossas propostas de tal modo que a arte
esteja presente nas aulas de arte e se mostre significativa na vida das
crianças e jovens [...]. Estas leituras me levaram ao aprendizado de que em
virtude das potencialidades integradoras das artes, estas oportunizam a todos o
desenvolvimento de competências para a vida, sejam de natureza cognitiva como
aprender a conhecer, sejam sociais aprendendo a conviver, sejam produtivas
aprendendo a fazer ou mesmo pessoais aprendendo a ser, exatamente por se tratar
de uma experiência estética viva favorecendo tanto a inter como a
transdisciplinaridade numa ação transversal. Apreende-se que as artes passaram
a ser utilizadas como metodologia nas mais diversas áreas do conhecimento, como
meio apreender ou vivenciar uma diversidade de conteúdos, seja por meio de
técnicas corporais, visuais, interpretativas, entre outras, seja por práticas
oriundas do fazer teatral, poético, musical, visual ou coreográfico, promovendo
sobretudo a formação do ser para a cidadania e a vida, por meio de habilidades
criativas, relações emocionais, sociabilidade e manifestação potencial com o
lúdico, o criativo e o prazeroso na integração física e psíquica de cada
envolvido docente e discente. Então, viva a arte! Veja mais aqui, aqui e aqui.
NÓS, ESSES SUJEITOS...
Imagem: Acervo ArtLAM
Um, dois, cem,
milhares \ assim nós mulheres vamos aqui \ onde tínhamos que passar a noite
para sempre. \ Não importa o lugar ou o sobrenome, \ já definimos nossa
situação \ há muito tempo. \ Aceitamos nosso papel legítimo, \
independentemente do status. \ Somos os privilegiados \ e os não privilegiados
\ Somos: \ a funcionária pública porque trabalha \ a trabalhadora para
trabalhadora \ a mãe para mãe \ a estéril para estéril \ a senhora para senhora
\ a prostituta para prostituta. \ Fazemos manobras com o tempo \ ligadas a essa
inércia \ que chamamos de vida \ porque sendo mulheres \ temos que aceitar \
porque são leis para mulheres \ feitas por homens, \ o que mais importa? \ Nós
os temos magros e gordos, \ alguns por beberem a água da massa, \ outros por
beberem leite e cereais. \ O Dia das Mães \ deixa alguns com frio, \ outros com
calor, \ o Dia da Mulher \ faz alguns rirem, \ outros satisfação. \ Somos os
poetas acadêmicos \ e as poetisas da rua. \ Somos os que vendem rosas \ numa
elegante floricultura \ e os que oferecem cravos \ num canto de um banco. \
Nós, que somos anónimos \ de madrugada \ e nós-outras bolhas de fome, \ somos
aqueles - a quem nos vendem \ e ao qual estamos protegidos \ até os oitenta
anos de idade. \ Somos a esposa ignorada \ em uma boate \ e a criada seduzida.
\ Somos todos nós, \ cada um na sua, \ assim foi distribuído \ sem nos fazer
escolher. \ Somos os amargos \ e indiferentes, \ os antissociais \ e muito
sociais, \ os que alimentam nossos filhos \ com colher de prata, \ e os tragicamente
miseráveis \ que entregam nossos filhos \ a engordadores e traficantes de
crianças. \ Nós que sempre ficamos calados \ e esperamos, \ aqueles que têm
motivos \ para gritar \ e não esperam nada. \ Nós somos os saudáveis \ porque
temos um gato em casa \ e nós somos os doentes \ por causa de uma existência
solitária. \ Há muitos de nós que bebem champanhe \ e muitos de nós que bebem
guaro, \ os primeiros ancorados na cama \ com lençóis de seda \ e os segundos \
numa calçada húmida escondida. \ Somos feministas associadas \ e lésbicas
reprimidas, \ muitas de nós frequentamos o Catecumenato \ e outras levantamos
os olhos \ para ver Deus. \ É assim que todos nós vamos, \ esses assuntos \
somos todos mulheres indestrutíveis \ nada nos detém \ não importa se somos
advogados \ se somos verdureiros\ médicos, professores, sapatão, artistas de
teatro \ camponês, esposas pintoras, amantes de primeira ou última-dama. \ Um
útero nos une a todos igualmente. Somos nós que motivamos todos os sentimentos,
ternura, delicadeza... \ amor mesmo que haja em cada um de nós um gato furioso
ou um gato submisso. \ Nós é que estamos parados no tempo e batemos...
batemos... batemos! \ Somos rio, mar, selva, sol, lua e pulmão. \ Somos pátria!
- Sempre achei que Honduras tem nome de mulher.
Poema da poeta e
atriz hondurenha Juana Pavón (1945- 2019). Veja mais aqui.
O ANDAR DO BÊBADO – [...] O contorno de nossas vidas, como a chama de
uma vela, é continuamente impulsionado em novas direções por uma variedade de
eventos aleatórios que, junto com nossas respostas a eles, determinam nosso
destino. Obviamente, pode ser um erro atribuir brilho em proporção à riqueza... A percepção requer imaginação porque os dados que
as pessoas encontram em suas vidas nunca são completos e sempre equívocos. Pode parecer assustador pensar que o esforço e o acaso, tanto quanto o
talento inato, são o que conta. Mas acho encorajador porque, embora nossa
composição genética esteja fora de nosso controle, nosso grau de esforço
depende de nós. E os efeitos do acaso também podem ser controlados na medida em
que, ao nos comprometermos com tentativas repetidas, podemos aumentar nossas
chances de sucesso. [...]. Trechos extraídos da obra The
Drunkard's Walk: How Randomness Rules Our Lives (Vintage,
2009), do físico e matemático Leonard Mlodinow. Veja mais aqui.
ALTERIDADE OU OUTRIDADE - [...] Com toda a certeza eu poderia
existir sozinho, mas não poderia ter conhecimento disso. Minha capacidade para
pensar e dizer "eu" não me foi fornecida pelo meu patrimônio
genético; o que esse me deu era necessário, mas não suficiente. Só consegui
dizer "eu", graças aos "tu" que ouvi. A pessoa que sou não
é o resultado de um processo interno solitário; só pode construir-se
encontrando-se no foco dos olhares dos outros. Não só essa pessoa é alimentada
com todas as contribuições dos que me rodeiam, mas sua realidade essencial é
constituída pelas trocas com eles; eu sou os vínculos que vou tecendo com os
outros. Com essa definição, deixa de haver qualquer corte entre mim e os outros.
[...] É justamente porque não é idêntico a mim que o outro participa de
minha existência. Uma carga elétrica só é definível em presença de outra carga.
É essa coexistência que é fonte de tensão; ela inicia uma dinâmica, a da
comunicação. Comunicar é colocar em comum; e colocar em comum é o ato que nos
constitui. Se alguém considera esse ato impossível, recusa qualquer projeto
humano. [...] Evidentemente, ainda tem de ser superadas as dificuldades
que transformam cada comunicação em uma façanha. Com toda a certeza, não é
possível alcançar uma autenticidade que seja sinônimo de compreensão total. Os
meios utilizados para comunicar não podem ser perfeitos. A cadeia: pensamento -
frase dita para expressar esse pensamento - frase ouvida - pensamento
reconstituído a partir dessa escuta - comporta várias possibilidades de erros
ou imprecisões. [...]. Trechos extraídos da obra Filosofia para não
filósofos (Elsevier, 2004), do cientista
francês Albert Jacquard (1925-2013). Por esta temática poderia acrescentar
o pensamento de Saramago: É necessário sair da ilha para ver a ilha.
Não nos vemos se não saímos de nós. E de Martin Luther King: Aprendamos
a viver juntos como irmãos; caso contrário, vamos morrer como idiotas. Veja
mais aqui, aqui e aqui.
BREVE HISTÓRIA DA
ARTE EM PALMARES: DO CLUB LITTERARIO AO SÉCULO 21
[...] A cidade
e seus engenhos estavam, por diante, conectados às distâncias do mundo moderno.
O espaço e o tempo rompiam antigas memórias e linguagens [...] Daí, as
primeiras máquinas conhecidas em Palmares – o trem, a tipografia e a usina –
serem recepcionadas e enaltecidas pelos oradores do Club, inspirados no mito
daquele ideal de liberdade, evocando poemas e crônicas contra a escravidão, a
ignorância e o atraso que teimavam, segundo seus oradores, corromper a moral e
a civilização. Uma situação apontada por muitos intelectuais, como o entulho
provocado pelo anacronismo da Monarquia. [...].
Trechos extraídos
da obra Letrados e ufanos: história do Club Litterario de Palmares –
1882-1910 (Bagaço, 2011), do professor e poeta Vilmar Antônio Carvalho.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.