Ao som do premiado
álbum Xaxados & perdidos (Independente, 2012), da pianista, atriz,
cantora, regente e compositora Simone Rasslan.
SUTRAS & KOANS, VARIAÇÕES DE UM MESMO TEMA - Os meus passos singravam a margem do rio
amanhecido. De repente duma janela a vitrola dionisíaca esgoelava o vetusto repenteado
das Aventuras do Maluco Raul Bezela Seixas: Tá rebocado meu compadre \ como os donos do mundo piraram \ eles já são carrascos e vítimas \
do próprio mecanismo que criaram... Sabia de cor os
versos das estrofes seguintes e eles trovejavam quilômetros percorridos pelas
minhas pisadas. Já bem longe e absorto, ao estímulo virei pro outro lado e lá estava ela tal Shákti, a Devi. Olhei de novo e era Parvati. A cada
piscada era outra: Lakshmi ou Sarasvati, todas a me surpreender. Quando não,
uma neandertal assustadora ou mesmo Maria Magdalena a me ensinar do poço de salmoura no Mar Vermelho, a
empatia gravitando de sua aura a citar Lao-Tsé: O depois segue o antes...
E mais: trouxe a fantasia da Nebulosa da Roseta para me envolver com o DNA
flutuante, mais um presente do Homo naledi trazido do sul-africano povo Nama,
e a chuva perene do meu dia para me instruir acerca da quididade à sombra da
Árvore de Bodhi. Recitou naquela manhã as Quatro Verdades Nobres, depois de explicar
sobre a meta-solução e anti-sacadas, ao me levar pelo Parque dos Cervos, em
Benares, para desfrute da alegria em tempos desumanos. Era como se me dissesse:
Você não precisa morrer para conseguir o que quer. Lembrou dos estóicos: o
impermanente e o transitório nos empreitam. Passava e muito do meio dia quando
ela me iniciou na sua xenoglossia apontando para a
estrela Betelgeuse, como se me desvelasse os Véus de Ísis, desvendasse palimpsestos
cabalísticos e me explicasse o Manuscrito Voynich. Eu me alimentava dela anoitecida
enquanto brincávamos à sujeição memento excadescere e às versificações OuLiPo,
como se eu fosse Perec. Folguei madrugada adentro com um tanto de sutras & koans, afora um
tanto de hexagramas de arte sem arte, que ela me deu pro satori: nenhuma
escritura, só o espontâneo. Tudo esclarecido: tomo parte das coisas contidianas
e sorrio do presente. Sabia: as palavras jamais comportarão a verdade última. Por
isso, minhas perguntas prescindem de respostas: danço sem propósitos - a vida é
uma festa! Dela, uma fruta madura e tudo está dito e nem preciso nada mais
dizer. Nela sou, até mais ver.
DITOS & DESDITOS
Imagem: Acervo ArtLAM.
O
folheto-de-cordel e alguns espetáculos populares como o
"auto-de-guerreiros" ou o "cavalo-marinho" são fontes
preciosas para os artistas que sonham se unir a uma linhagem mais apegada às
raízes da cultura brasileira. É que, em seu conjunto, tudo aquilo forma um
espaço cultural criado por nosso próprio povo e no qual, por isso mesmo, ele se
expressa sem maiores imposições e deformações que lhe viessem de fora ou de
cima...
Trecho extraído do artigo A literatura de cordel (Folha de São Paulo, 01/06/1999), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014). Veja mais aqui e aqui.
LITERATURA DE CORDEL – O professor Ulpiano Bezerra de Meneses, em um parecer que consta
da Ata da 89ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, intitulado
A literatura de cordel como patrimônio cultural (IPHAN, 2018/IEB, 2019),
expressou que: [...] O cordel é um mundo de extraordinária fluidez
e extensibilidade, que não pode ser apreendido por nenhum campo disciplinar autônomo:
antropologia, história, literatura, linguística, comunicação, artes visuais,
psicologia, economia, geografia, pedagogia, etc. etc. [...] Quando se fala de cordel, uma das sensações mais correntes é
a de sua força como meio de comunicação. [...] O cordel é testemunha de
que o cotidiano é fonte inesgotável de estética [...] É nesses termos
que reconheço a “Literatura de cordel”, entendida como arte da palavra poética
(principalmente como um extraordinário tradutor de mundos outros), e por ter
deixado há mais de um século em continuidade marcas de vária e relevante
natureza nas comunidades envolvidas e na vida nacional em geral, e por atuar no
presente e prometer futuro, tendo preenchido todos os requisitos para ser
admitida, pelo registro, como patrimônio cultural brasileiro [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
ESTUDOS: CORDEL
NA ESCOLA – Ao longo dos últimos quarenta anos tenho estudado,
pesquisado e defendido a adoção da Literatura de Cordel como ferramenta pedagógica
fundamental para ampliação dos recursos contribuintes ao processo de
ensino-aprendizagem. Entre as pesquisas me deparei com diversos estudos, entre
eles o artigo Literatura de cordel e suas contribuições para o ensino (Tropos, dez/2017),
resultantes das pesquisas realizadas por Maria das Dores Melo de Souza, Célia
Mª Barbosa de Moraes Lima e Gisela Maria de Lima Braga Penha, no
qual expressaram: [...] Promover a leitura na escola é uma necessidade inadiável, pois é um
instrumento de conhecimento que pode contribuir com o amadurecimento do leitor
a fim de interagir socialmente com mais competência. [...] o
cordel pode ser visto como uma porta de entrada para textos mais complexos, não
só do ponto de vista temático, mas estrutural. [...] O trabalho com a
literatura de cordel indica um caminho que pode proporcionar ao aluno uma
experiência muito proveitosa, considerando a riqueza da poesia presente nos
escritos cordelistas. Traçar estratégias que potencializem a proficiência
leitora do alunado, aproximando-os das raízes de nosso povo. [...] resgatar
não só o trabalho adequado com o texto literário, mas também uma característica
fundamental que se perdeu ao longo do processo de escolarização da literatura:
o conhecimento do homem e do mundo, seu poder de refletir acerca do que nos
torna humanos, de nós, seres humanos. [...]. Também o estudo Literatura de cordel: Um recurso pedagógico (Fasete, 2018), da mestranda Luana Rafaela
dos Santos de Souza que, por sua vez, assinala que: [...] a literatura de
cordel deve ocupar espaço nas escolas, por contribuir para a formação de
sujeitos que refletem sobre o seu papel no mundo e na construção de uma
sociedade mais crítica e humana. [...] As experiências culturais de
grandes obras artísticas como o cordel – seu valor não está apenas nisto –
estão praticamente esquecidas e a escola pode ser um espaço de divulgação
destas experiências. Assim sendo, a escola deve proporcionar as experiências de
trabalho com a Literatura de Cordel, mostrando o que nelas há de vivo, de
efervescente, como ela vem sobrevivendo e adaptando-se aos novos contextos
socioculturais. Como elas têm resistido em meio ao rolo compressor da cultura
de massa. Nesse sentido, a importância literatura de cordel nos oferece
diferentes formas de aprendizagem e ensinamentos, trazendo para a escola toda a
riqueza da experiência de diferentes formas de compreender e interpretar o
real, a vida e a condição humana. [...]. Veja mais aqui, aqui e aqui.
“A POESIA É A
ALMA DO PENSAMENTO”.
Imagem: Acervo ArtLAM.
INDIFERENÇA
- As estrelas não me olham, \ o homem por acaso pensa que \ já não vale a
consciência \ nas estepes do esquecimento, \ anjo das pétalas caídas.
AMOR DE
MÃE - Sinto-me um ponto de terra \ agora que uma flor \ segue seu longo caminho
\ de pupilas adormecidas. \ Dentro de mim, a vida, \ dos oceanos profundos \ está
me chamando, \ chamando \ de todos os cantos do meu corpo, \ em todas as páginas
que falam \ do nascimento. Eu sinto isso, \ eu sinto isso. \ e quero responder \
«vem, filho do amor, \ filho inesperado, \ punhado de ouro fundido, \ mostrar-te-ei
o caminho \ que escuta o rumor das asas, \ ensinar-te-ei o mistério do voo \ neste
céu que desce até ti. \ Eu vou te contar sobre o tempo que corre \ esperando
para te ver, \ para beijar sua alma pura, \ com amor maternal e ternura.
Poemas da premiada poeta, bióloga e enfermeira cubana Yuleisy Cruz Lezcano, autora de obras poéticas Tristano
e Isotta. La storia si ripete (2018) e Demamah: il signore del deserto
(2019), entre outros títulos publicados.
DEPOIMENTO - Toda a minha existência é um verso sombrio... Estou pensando
que... de repente eu poderia abrir minhas asas, voar para fora desta prisão
silenciosa, rir na cara do meu carcereiro e, junto com você, começar a viver de
novo... Pensamento da poeta e cineasta iraniana Forough Farrokhzad
(1934-1967). Veja mais aqui.
A MEMÓRIA
SECRETA DOS HOMENS – [...] De um escritor e da sua obra podemos pelo menos saber
isto: ambos caminham juntos no mais perfeito labirinto que se possa imaginar,
uma longa estrada circular, onde o seu destino se confunde com a sua origem: solidão
[...] Tornar-se adulto é sempre uma infidelidade que fazemos aos nossos tenros
anos. Mas aí reside toda a beleza da
infância: ela existe para ser traída, e essa traição é o nascimento da saudade,
o único sentimento que permite, um dia talvez, no fim da vida, reencontrar a
pureza da juventude. [...] Só assim, dissemos, dois jovens
escritores, que se tornaram amigos e estavam prestes a lançar-se ao
desconhecido, poderiam despedir-se devidamente. [...] Era a época em que as meninas flertavam com quadras, memorizadas ou
compostas. [...] Um dos personagens explicou que para seduzir mulheres,
muitas vezes mais espertas do que elas, os homens se beneficiariam em ser
insignificantes em vez de se esgotarem, ridicularizando-se por quererem ser
brilhantes a todo custo. [...] Ela publicou dois romances eróticos:
L'ogive Sainte, título tirado de uma frase de Le Con d'Irène, e Journal d'une
pygophile, que li com uma mão e amei com toda a minha alma. Beatrice é uma católica devota. Uma vez ela me disse que sua posição
sexual favorita era o anjo cubista, e que um dia tentaríamos. Toda a minha pesquisa sobre esta
posição não levou a nada. Existe
de fato uma escultura de Dali que leva esse título, mas sua postura é
sexualmente implausível. Talvez
Béatrice o tenha inventado? O anjo cubista é um blefe? Mistério. [...] Há tantos supostos escritores que se revelam melhores
comentando a literatura do que escrevendo de fato, tantos poetas que escondem a
pobreza de sua criação atrás de glosas literárias eruditas, referências,
citações agudas, erudição vazia... [...].
Trechos extraídos da obra La Plus Secrète Mémoire des hommes (Philippe Rey, 2021), do escritor senegalês Mohamed
Mbougar Sarr.
PELEJAS EM REDE: FAZ
BEM LER...
Eu digo qual é o
mote...
Extraído da obra Pelejas
em rede: vamos ver quem pode mais (Zanzar, 2019), publicação resultante da
tese de doutoramento da pesquisadora Alice Amorim, ilustrando a
exposição literária Faz bem ler, do professor e poeta Janilson Sales.
Veja mais aqui, aqui e aqui.