segunda-feira, maio 01, 2023

CAITLIN MORAN, ALMODÓVAR, AMANDA GORMAN, ZUMTHOR, SHERRY TURKLE, FENOGLIO & & AGRESTINA

 

Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do Concerto Elegia (Elegia, Solilóquio e Final) para Flauta e orquestra de cordas (2015), da compositora estadunidense Ellen Taaffe Zwilich. Veja mais aqui e aqui.

 

ENTRELINHAS DO PAIDEUMA – Na travessia do dia nada mais que noitescuridão, nem nada lisonjeiro, por enquanto, acredito: o aversivo não dura a vida inteira, impossível. Uma estrela solitária pisca pra mim na lonjura da galáxia e quase nem vejo. O surpreendente é que ela desce vertiginosamente e, antes de espatifar na queda, levita qual águia bicéfala rondando meus domínios. Depois de volteios e flertes ela aterrissa elegantemente. Aos poucos se transforma na linda e nua Catxerê. Aproxima-se a me dizer que traz revelações poimândricas – ali eu me via atordoado com aquela chegada, parecia mais que era eu Asclépio insone nos confins de tudo. Passou-me um volume e logo abriu para me mostrar a folha de rosto na qual estava impresso no centro o quadrado sator em alto relevo. Mencionou tratar-se de textos do Ayvú rapyta. Fitei-a e voltei para a caligrafia colorida dos escritos ininteligíveis: estava em bustrofédon, salientou receptiva. Diante da minha interrogação a respeito, senti-me numa viagem noética de Stephan Dédalus errante numa Dublin inexistente, como um retrato de Telêmaco apagado da Odisseia, ou imprudente Ícaro a confrontar o labirinto do pai na vez de ir embora e no meio de um diário inquisidor de quem esquecera as lições de Frobenius, em total apostasia para distinguir o responsável pela desgraça humana se não o próprio. Ouvi furioso Hamlet: a racionalidade é covardia. Ela apenas me olhava e eu sabia: os mortos clamavam por justiça no buraco azul de Belize. Era como se ela me interrogasse de quem ainda hoje olha pro céu quando não o umbigo altivo, se estava selado o divórcio com o divino e que todos erramos como quem descura da vida. Não via salvação alguma, sentia-me um mentiroso contingente que singrava o tempo ao lado dela com o blues de Crumb: porque haverá amanhã mesmo no meio da maior celebração da dança da morte pelas redondezas dos paradoxos! Ela parecia me entender e lia minha revolta em meus pensamentos: Ah, seres permeáveis olvidam a alquimia fogáguas, um tanto desolador por tão sombrio. Sim, mas ela sabia de mim: como dois e dois são seis já sou sete vezes noves fora um! Colherei o que semeei, pelo menos. Onde o problema se não em nós mesmos: estragamos tudo, emporcalhamos o planeta, desgraçamos a vida. Eu sei: tudo por fazer. Sim. Estendeu-me as mãos e sorriu, era apenas uma estrela e me entregou a luz possível. Até mais ver.

 

DITOS & DESDITOS

Imagem: Acervo ArtLAM.

O desejo é uma coisa irracional pela qual você sempre tem que pagar um preço alto. Felizmente, a natureza me dotou de uma curiosidade irracional, mesmo para as coisas mais triviais. Isso me salva. A curiosidade é a única coisa que me mantém à tona. Todo o resto flui para mim. Ah! E vocação. Não sei se conseguiria viver sem ela. Há uma grande beleza na deterioração física. Você nem sempre será jovem, digo por experiência própria. Dor e vergonha também são uma prisão.

Pensamento do cineasta Pedro Almodóvar. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 

SOZINHOS JUNTOS – […] Esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros. […] As mensagens de texto oferecem a quantidade certa de acesso, a quantidade certa de controle. Ela é uma Cachinhos Dourados moderna: para ela, enviar mensagens de texto coloca as pessoas nem muito perto, nem muito longe, mas na distância certa. O mundo agora está cheio de Cachinhos Dourados modernos, pessoas que se confortam em estar em contato com muitas pessoas que também mantêm afastadas. [...]. Trechos extraídos da obra Alone Together: Why We Expect More from Technology and Less from Each Other (Basic Books, 2012), da socióloga, psicóloga e psicanalisya estadunidense Sherry Turkle, autora de obras como The Second Self (1984), Life on the Screen (1995) e Reclaming Conversation (2015). Dela a expressão: Os relacionamentos humanos são ricos, confusos e exigentes. E nós os limpamos com tecnologia. Mensagens de texto, e-mail, postagem, todas essas coisas nos permitem apresentar o eu como queremos ser. Podemos editar, e isso significa que podemos deletar, e isso significa que podemos retocar, o rosto, a voz, a carne, o corpo -- nem pouco, nem muito, apenas certo...

 

COMO SER UMA MULHER - [...] Precisamos recuperar a palavra 'feminismo'. Precisamos muito da palavra 'feminismo' de volta. Quando as estatísticas dizem que apenas 29% das mulheres americanas se descreveriam como feministas - e apenas 42% das mulheres britânicas - eu costumava pensar: o que vocês acham que é o feminismo, senhoras? Que parte da 'libertação para as mulheres' não é para você? É liberdade de voto? O direito de não ser propriedade do homem com quem você se casou? A campanha pela igualdade salarial? 'Vogue' de Madonna? Jeans? Toda aquela merda boa TE DEU NERVOSO? Ou você estava apenas BÊBADA NO MOMENTO DA PESQUISA? [...] Não consigo entender os argumentos antiaborto centrados na santidade da vida. Como espécie, demonstramos de forma bastante abrangente que não acreditamos na santidade da vida. A aceitação indiferente da guerra, fome, epidemia, dor e pobreza ao longo da vida nos mostra que, não importa o que digamos a nós mesmos, fizemos apenas o mais débil dos esforços para realmente tratar a vida humana como sagrada. [...] Quando uma mulher diz: 'Não tenho nada para vestir!', o que ela realmente quer dizer é: 'Não há nada aqui para quem eu deveria ser hoje. [...]. Trechos extraídos da obra How to Be a Woman (Harper Perennial, 2012), da escritora, jornalista e radialista inglesa Caitlin Moran.

 

IN THIS PLACE

(Imagem: Acervo ArtLAM)

Há um poema neste lugar— \ nos passos nos corredores \ na batida silenciosa dos assentos.\ É aqui, na cortina do dia, \ onde a América escreve uma letra \ você deve sussurrar para dizer.

Há um poema neste lugar—\ na pesada graça, \ a face alinhada deste nobre edifício, \ coleções queimadas e renascidas duas vezes.

Há um poema na Copley Square de Boston \ onde cantos de protesto \ rasgar o ar\ como lençóis de chuva, \ onde o amor de muitos\ engole o ódio de poucos.

Há um poema em Charlottesville \ onde tochas tiki encadeiam um anel de chamas \ apertado em volta do pulso da noite \ onde homens tão brancos que brilham em azul— \ parecem estátuas \ onde os homens amontoam aquela longa queima de cera \ cada vez mais alto \ onde Heather Heyer \ floresce para sempre em um prado de resistência.

Há um poema no grande gigante adormecido \ do Lago Michigan, levantando desafiadoramente \ sua grande cabeça azul para Milwaukee e Chicago— \ um poema iniciado há muito tempo, queimado em solo congelado, \ desfilando para cima e brilhando.

Há um poema na Flórida, no leste do Texas \ onde as ruas incham em um nexo \ de rios, vacas flutuando como bóias manchadas no marrom, \ onde a coragem agora é tão comum \ que Jesus Contreras, de 23 anos, resgata pessoas de enchentes.

Há um poema em Los Angeles \ bocejando como a maré do Pacífico \ onde uma mãe solteira sufoca \ em uma sala de aula sem janelas, ensinando \ estudantes negros e pardos em Watts \ para soletrar seus pensamentos \ para que sua filha possa escrever \ este poema para você.

Há uma letra na Califórnia \ onde milhares de estudantes marcham por blocos, \ sem documentos e sem medo; \ onde minha amiga Rosa encontra o poder de florescer \ em um impasse, seu espírito é o alicerce de sua comunidade. \ Ela sabe que a esperança é como um teimoso \ navio segurando uma doca, \ uma verdade: que você não pode parar um sonhador \ ou derrubar um sonho. Como isso não poderia ser a cidade dela \ sua nação \ nosso país \ nossa América, \ nossa letra americana para escrever— \ um poema do povo, dos pobres, \ o protestante, o muçulmano, o judeu, \ o nativo, o imigrante, \ o preto, o moreno, o cego, o bravo, \ os indocumentados e implacáveis, \ a mulher, o homem, o não-binário, \ o branco, o trans, \ o aliado de todos os itens acima \ e mais? Os tiranos temem o poeta. \ Agora que sabemos disso \ não podemos explodi-lo. \ Nós devemos isso \ para mostrar \ não diminua isso \ Apesar disso \ dói para costurar \ quando o mundo \ saias abaixo dela. \ Ter esperança- \ devemos concedê-lo \ como um pavio no poeta \ para que cresça, iluminada, \ trazendo com ele \ histórias para reescrever— \ a história de uma cidade do Texas esgotada, mas não derrotada \ uma história escrita que não precisa ser repetida \ uma nação composta, mas ainda não concluída.

Há um poema neste lugar— \ um poema na América \ um poeta em cada americano \ que reescreve esta nação, que conta \ uma história digna de ser contada neste peixinho de uma terra \ para insuflar esperança num palimpsesto do tempo— \ um poeta em cada americano \ quem vê que nosso poema escrito \ não significa o fim do nosso poema.

Há um lugar onde este poema habita— \ é aqui, é agora, na canção amarela do sino da aurora \ onde escrevemos uma letra americana \ estamos apenas começando a contar.

Poema da poeta estadunidense Amanda Gorman.

 

A PERMANÊNCIA DA VOZ – [...] Devido a um preconceito há vários séculos arraigado nas mentalidades e no gosto do Ocidente, só admitimos os produtos da arte e da língua sob forma escrita, abrindo uma única exceção para o teatro [...]. Trecho extraído da obra A Permanência da Voz (O Correio/FGV, outubro 1985), do historiador, linguista e medievalista suíço Paul Zumthor (1915-1995).

 

O PARTIDÁRIO – [...] Foi tremendamente emocionante e comovente marchar escada abaixo naquela suspensão de partidarismo. Johnny sentiu-se como um padre católico à paisana ou um militar à paisana pode sentir: as armas racionalmente escondidas sob o vestido, o sinal estava sempre sobre ele: partidário in aeternum [...] Espancado. Eu amo homens espancados. [...] Então a onda de medo da batalha repensada subiu por sua espinha, longa e lenta. [...]. Trechos extraídos da obra Il Partigiano Johnny (Einaudi, 2014), do escritor italiano Giuseppe Fenoglio (1922-1963). Veja mais aqui.

 

VALUNA: AGRESTINA

(Imagem: Acervo ArtLAM).

Passageiro do tempo noitedia pelo que inexistia e não, outonos a mais e volta ao mundo, as raízes do chão e do céu, pés e cabelos, dos tempos da seca devastadora que jorrava o Bebedouro e os milagres da talha de Santo Antônio...

Homenagem ao Município de Agrestina – Pernambuco. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 


CHRISTINA VASSILEVA, KATHERINE JOHNSON, MARTÍN-BARÓ, JOÃO CABRAL & MATA SUL INDÍGENA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Mistérios do Rio Lento (The Voice of Lyrics, 1998), Santiago de Murcia: a portrait (Frame,...