TRÍPTICO DQP – Labirinto Verbo... – Ao som do álbum Dance: Piano Collection
(Chandos, 2008), da pianista britânica Kathryn Stott. – A vida era um salto no quintal, não mais,
hoje será de mim no mapa da jornada pelas
cartas de tarô: um louco de pedra na porta como se eu fosse o carro da desgraça
ladeira abaixo, justiça alguma e a roda da fortuna nas garras do carcará com
seu ataque para roubar o vigor dos fracos. Francamente era nada
mais que o enforcado suspenso no tempo com o golpe na torre da destruição. Logo
apareceu o poeta Virgilio para meu espanto a me mostrar sobre a porta da
caverna da sibila de Cumas o desenho da mulher que logo se tornou viva e era a
papisa que chegava com o cometa Leonard – ou melhor, como quem esculpida sobre
as lajes da catedral para me levar no passo de Yu com a dança de Teseu pelas
pedras brancas e azuis escuras da catedral de Amiens, enquanto me purificava
para que eu tivesse acesso ao seu lar na The Lotus Eaters. Hem? Lá fez a revelação de tesouro incalculável oculto no
seu ventre – o tosão de ouro de Cólquida, as maçãs de ouro do jardim das
Hespérides, o machado de dois gumes, mais e mais. E não demorou muito para ser
a puta com toda solenidade da cama na viagem iniciatória ao centro escondido de
seu clitóris. Muito foi o prazer a percorrer de mãos dadas pelas espiras em
degraus do zigurate, alegando me salvar do papa demoníaco, do anjo negro, do mago
sobrecarregado de embuste, do imperador corrupto. Eu mais
que gostando, como poderia, não sei, era nada mais que a imperatriz a me levar pro
seu palco de Madonna sussurrando Celebration ao meu ouvido: I think you wanna'
come over… and if it makes you feel good then I say do it, / I don't know what
you're waiting for…Feel my temperature rising / There's too much heat I'm
gonna' lose control / Do you want to go higher, get closer to the fire, / I
don't know what you're waiting for… E deitou-se no chão frio e me fez tirar suas
botas, para agarrar-me loucamente e depois me arrastar até ficar
nua na cama do palácio cretense de Minos. Era ali Pasifae como se eu fosse o seu
touro priápico indomável para todos os orgasmos. E nem bem o primeiro gozo
emergiu e ela me deu o fio de Ariadne para enfrentar o minotauro que sou no meu
próprio labirinto, a me fazer o enamorado tolo que ia pelos duzentos metros de
Chatres, seguindo as suas pegadas que deram num templo de Khajuraho com o aviso
de que eu devia encontrar o eremita cego em Angkor. Não era isso que eu queria
e ela era uma vairocana no centro da mandala dupla, feito uma japonesa budista
de Shingon para me dar o lótus de oito pétalas dos confins tibetanos e ao
comê-las logo me apareceu a virgem lua que me deu da sua vagina linda o círculo
mágico do labirinto de Leonardo da Vinci. Ao me dar nasceu uma estrela
esperança pelas três dimensões de dédalo helicoidal, a me embriagar com a dança
em círculos concêntricos do inextrincável segredo de Salomão e as doutrinas
ascético-místicas e cabalísticas do ato. Quando olhei direito era ela a
alquimista temperante a me oferecer a mandala escondida na caverna do seu sexo para
eu poder encarar a morte no templo de Borobudur, onde o Homem de Java me
esperava para que ela se tornasse a montanha de Hsinhsien, sim, aquela de
Wuchang esperando sentada o seu marido que foi pra guerra e nunca mais voltou. Não
deu para ver que o Sol raiava e o julgamento seguia célere na janela do mundo. Ao
me ver sem saber o que fazer, ela me confidenciou como se fosse Joan Didion: Eu já perdi contato com algumas pessoas que
eu costumava ser. Para libertar-nos das expectativas dos outros, devolver-nos a
nós mesmos - aí está o grande e singular poder do respeito próprio. Você
precisa escolher os lugares dos quais não irá se afastar. Era para eu saber que, na vida, o que se faz, apenas é cavar
o próprio buraco.
A tertúlia no Deserto Feliz... - Imagem da cenógrafa, ilustradora,
performer e artista multimídia Dora Longo Bahia. - Dali a minha cidade era a
mesma tal e qual aquele Deserto
feliz (2007) do Paulo Caldas: mesmices, vidas bestas, tráfico de
animais e de vidas, exploração sexual e o marasmo das doentias pensagens dos
que acham que vivem. Estava só e segui meu caminho. Ao dobrar a esquina apareceu-me
Jéssica como tantas outras, a me oferecer seu corpo púbere. Estava faminta,
dei-lhe um prato de comida e me contou de sua fuga de estupro do padrasto, em
busca de um alemão Mark em Berlim. Quando menos esperei, ela não estava mais
ali de não mais sabê-la por meses e anos. Apareceu-me, então, Bernardo Soares à procura dela. Não era
alemão, pelo sotaque lusitano... Apresentou-se e insistiu para saber onde ela
estava, eu não sabia e perguntei por Fernando
e ele me disse que o ortônimo estava em tertúlia ébria com seus muitos
heterônimos, da qual ele se vira excluído e reduzido à leitura apenas do seu
desassossego, mais nada. Não sabia ele que eu sabia dos mares de Admmauro. Quando
mencionei, puxou-me pelo braço e no bar mais próximo pediu uma bebida. Ingeriu
e pediu outra e mais outra como se aprontasse para um pugilato. Logo se sentou
numa mesa armado de copo e garrafa para lamentar o seu desespero – a paixão por
ela. Disse-me ser um trivial ajudante de guarda-livros, simples empregado,
solitário alfacinha e autor de um único livro inútil e que, para ele, nada
valia por ser uma autobiografia sem fatos de quem nunca existiu, tediosa,
trágica e indiferente à estética, próprio dos visitantes das casas de pasto. Se
um jogo de máscaras, logo entendi, pareceu ter entrado num paroxismo
inquisidor: Você conheceu o poeta sul-africano Alexender Search? Soube
do filósofo neopagão António Mora que morreu doido num hospício de Caiscais? Já
leu o Tratado da Negação e os Princípios da Metafísica Esotérica de Raphael
Baldaia? E falou sem parar sobre uns tais Charles, o James Search e o Anon, um
certo Jean Seul, o Pacheco, o Pêro Botelho, o Thomas Crosse, nomes e outros nomes
que sequer antes ouvira, tão loquazes quanto a sua eloquência. Quase nem
entendia direito o que questionava e contava deste ou daquele, ora. Por fim, o olissiponense, quase adernando com sofreguidão de enrolar a
língua baça da Baixa pro Tejo, me disse: Se um homem escreve bem só quando está bêbado,
dir-lhe-ei: embebede-se. E se ele me disser que seu fígado sofre com isso,
respondo: o que é o seu fígado? É uma coisa morta que vive enquanto você vive,
e os poemas que escrever vivem sem enquanto... Abruptamente saiu gritando: fogo!
O fogaréu de Sheila... - Imagens: a arte da escultora,
fotógrafa e artista visual Keila
Alaver. - As labaredas eram reais naquela
onírica situação. Era como se tudo ardesse com os ventos agourentos de
Poi-i-Komri. E não era Gengis Khan pisoteando as páginas arrancadas dos livros
da mesquita de Bukara, nem Augusto mantendo suas ideias políticas na Roma
antiga contra as obras oraculares e proféticas, ou o cumprimento da ordem do
sultão para os que eram contrários ao Alcorão. Não, não era. Também não era a
biblioteca do Quixote benzida pelo
escrutínio da fúria inexorável e incendiária do padre, do barbeiro e da
sobrinha do autor, nem o final do Nome da
Rosa de Umberto Eco com o incêndio da biblioteca do mosteiro e o
bibliotecário cego Burgo se desesperando com as chamas da fogueira de livros. Não,
não era. Muito menos estudantes levados por Goebbels depurando
mais de 25 mil livros na limpeza do Ato contra o Espírito Não Germânico, nem aquela triste queima dos 55 mil livros do centro
cultural Hakim Nasser Kosrow Balki. Não. Nem o incêndio da biblioteca de Alagoinhanduba, nem aquela diária da Fenelon Biblioteca. Logo ouvi para
minha surpresa: Olheu! Era Sheila toda frochosa carregando o anátema dos seus
enciumados oitocentos mil maridos. Era ela toda piromaníaca nas minhas ideias a
me deixar a par da ocorrência: uma diretora Savonarola do colégio grifado, queria
por que queria repetir o incêndio de Persépolis e conseguiu chamar atenção para
se eleger prefeita da cidade. Queimou todos os livros da biblioteca e não foi a primeira vez naquela escola. Eu que me inquietava com seu útero imanizante e
abrasado, subitamente fui surpreendido por um poetaguado intrometido
que imediatamente recitou pra ela: Essa moça
é cangaceira / bota o rifle na cintura / enfrenta a feroz criatura / na maior
das desgraceiras / se brincar é cachaceira / de tomar o que vier / quem pensa
que é mulher / logo vê que é bronqueira. / Essa moça é bandoleira / de endoidar
qualquer um / bota amante no jejum / solta vai pela buraqueira / de deixar o
cabra apaixonado / com os pneus tudo arriado / amalucado na maior leseira. Ela
então fitou o impetuoso dos pés à cabeça, deu-lhe as costas e me entregou um
saco contendo as obras do premiado escritor e ilustrador Walther Moreira
Santos: O doce blues da
salamandra (MXM, 2000), Um certo rumor de asas (Nova Prova, 2003), Helena
Gold (Geração, 2003), Dentro da chuva amarela (Geração, 2006), O
Ciclista (Autêntica, 2008), O metal de que somos feitos (Cepe, 2014),
Todas as coisas sem nome (Cepe, 2017)
e Arquiteturas de vento frio (cepe,
2017). Enquanto conferia atordoado pela presença dela, apareceu-me Latif Pedram que jamais conhecera e na
hora pensei ser mais um dos apaixonados dela: Nós, os
poetas e os escritores afegãos, somos cativos desta encarnação da estupidez que
se abateu sobre nós como um manto de chumbo. Quem era? Aquele mesmo que foi o fundador e
líder do Partido do Congresso Nacional do Afeganistão e do Conselho do
Afeganistão do Tajiquistão! Até ele? Parecia mais mangando da desgraça do nosso
genocídio Fecamepa do Coisonário. Ela
que me disse quem era e aproveitou para me recitar um poema de Alex Polari: Nossa geração teve pouco
tempo / começou pelo fim / mas foi bela a nossa procura / ah! Moça, como foi
bela a nossa procura / mesmo com tanta ilusão perdida / quebrada, / mesmo com
tanto caco de sonho / onde até hoje / a gente se corta. Era como se ouvisse os trechos do The Dead Writer (Babelcube, 2018), da escritora espanhola Núria Añó: Prefiro estar do lado dos perdedores, das pessoas incompreendidas ou
solitárias, em vez de escrever sobre os fortes e poderosos. Uma espera sem fim
que aceita como outra parte do que eles chamam de amor. Era ela e esta a
minha cidade, Valuna, porque não há
mais Bacuna, mulher amada. Até mais
ver.
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