DITOS & DESDITOS - Muito
me preocupa essa tendência, talvez mundial, da redução de todos os ramos da
vida à questão econômica. O padrão do raciocínio e do pensamento fica sendo o
da autoconservação, da produção, do trabalho e do desemprego... quer dizer, as
questões propriamente políticas ficam confundidas com as questões econômicas, e
a tradição do espaço público, portanto, de um mínimo de espaço garantido de
igualdade, onde todas as diferenças possam dialogar, um espaço que independa de
poder aquisitivo, de religião, de raça, de preferências ideológicas... isso
está tendendo a desaparecer nessa indiferenciação de uma igualdade abstrata no
mercado consumidor. Acho que isso reduz o debate político e reprime o
pensamento. Por outro lado, e correspondente a isso é o ascenso do populismo,
quase que em nível internacional, e com isso você tem também uma fusão da
sociedade, e o único fator de coesão fica sendo a aquisição de bens materiais.
Eu acho que isso enfraquece a vida espiritual da sociedade e o exercício do
pensamento. Pensamento da filósofa Olgária
Matos.
ALGUÉM FALOU: Os
jovens cresceram sem conhecer a dura realidade de outras partes do mundo, com
crises econômicas e políticas, desemprego, e revoluções. A conjunção benéfica
de fatores manteve os jovens americanos isolados em um casulo infantil. Quando
converso com estrangeiros sobre a nova geração americana, eles me dizem que um
americano de 20 anos age como se fosse um adolescente de 14 anos em seus
países. A razão para escrever blogs é falar de si mesmos. A razão para ter um
site em uma rede social, falar no celular ou enviar mensagens é manter contato
com os amigos. Se usassem essas ferramentas para conhecer mais sobre artes ou
História, seria ótimo. Mas o americano de 16 anos não está interessado em
História ou política. O americano de 16 anos só está interessado em outros
americanos de 16 anos. Não interessa o que aconteceu há 60 anos, na Segunda
Guerra Mundial, só o que ocorreu há 15 minutos, na cantina. Não querem saber
quem foi Napoleão. Só querem saber do melhor jogador da escola ou da líder da
torcida. A falta de contato com os adultos impede os jovens de crescer. Pensamento
do professor Mark Bauerlein, autor
da obra The Dumbest
Generation: How the Digital Age Stupefies Young Americans and Jeopardizes Our
Future - Or, Don't Trust Anyone Under 30 (Jeremy Tarcher/Penguin, 2008).
FILHA DA DOR - Um
dia, eles me levaram para um lugar que hoje eu localizo como sendo a sede do
Exército, no Ibirapuera. Lá estava a minha filha de um ano e dez meses, só de
fralda, no frio. Eles a colocaram na minha frente, gritando, chorando, e
ameaçavam dar choque nela. O torturador era o Mangabeira [codinome do escrivão
de polícia de nome Gaeta] e, junto dele, tinha uma criança de três anos que ele
dizia ser sua filha. Só depois, quando fui levada para o presídio Tiradentes,
eu vim a saber que eles entregaram minha fi lha para a minha cunhada, que a
levou para a minha mãe, em Belo Horizonte. Até depois de sair da cadeia, quase
três anos depois, eu convivi com o medo de que a minha filha fosse pega. Até
que eu cumprisse a minha pena, eu não tinha segurança de que a Maria estava
salva. Hoje, na minha compreensão feminista, eu entendo que eles torturavam as
crianças na frente das mulheres achando que nos desmontaríamos por causa da
maternidade. Fui presa e levada para a Oban. Sofri torturas no pau de arara, na
cadeira do dragão, levei muito soco inglês, fui pisoteada por botas, tive três
dentes quebrados. Éramos torturadas completamente nuas. Com o choque, você
evacua, urina, menstrua. Todos os seus excrementos saem. A tortura era feita
sob xingamentos como ‘vaca’, ‘puta’, ‘galinha’, ‘mãe puta’, ‘você dá para todo
mundo’… Algumas mulheres sofreram violência sexual, foram estupradas. Mas
apertar o peito, passar a mão também é tortura sexual. E isso eles fizeram
comigo. Eles também colocaram na minha vagina um cabo de vassoura com um fio
aberto enrolado. E deram choque. O objetivo deles era destruir a sexualidade, o
desejo, a autoestima, o corpo. Depoimento da socióloga e professora Eleonora
Menicucci de Oliveira, a respeito da sua prisão em 11 de julho de 1971, em
São Paulo (SP). Veja mais aqui e aqui.
ALBUM BRANCO - [...] Contamos histórias para poder viver [...] Um lugar pertence
para sempre a quem o reivindica com mais força, lembra-o de forma obsessiva,
arranca-o de si mesmo, dá forma, torna-o, ama-o tão radicalmente que o refaz à
sua própria imagem... [...].
Trechos extraídos da obra The White Album (Farrar, Straus & Giroux Inc, 2009),
da escritora e jornalista estadunidense Joan Didion (1934-2021),
narrando sobre eventos diversos, entre eles a cultura de massa, as jornadas
obscuras da família Manson, o surgimento dos shoppings e a fundação dos
Panteras Negras, entre outras, refletindo sobre o absurdo e a paranoia que
marcaram os anos 1960 e 1970, entre outros assuntos, um mosaico jornalístico e
ensaístico do cotidiano americano de uma época fundamental para os Estados
Unidos e o mundo.
SOBRE NOSSAS COMPANHEIRAS
NOS AMAREM - Elas compõem um imenso partido / de elos
partidos, correntes quebradas / partidas sustadas, idas sem volta. / Elas estão
presas a uma liberdade forçada / e às vezes retornam a esses muros / quando as
luzes da cidade / apenas se extinguem. / Cada uma delas traz em si uma marca: /
o conhecimento que o espelho não reflete / o amor semiclandestino do corpo que
não sua / o gemido da carícia que se esconde. / Cada uma delas traz em si um
medo / de grade que fraciona os orgasmos / do cadeado que divide as sensações /
do outro que floresce no próprio luto / daquele que espreita no antigo leito / do
reverso da moeda da própria sorte. / Cada uma delas conhece uma dúvida: / da
vida anterior que não se repete / do teor imprimido aos novos passos / da
espera que continua sendo essencial. / Elas têm dúvidas sobre a liturgia / dos
corpos sacramentados pelos anos / das penas excessivas com que os tribunais / condenam
nossas ereções inúteis / das garantias necessárias por uma dedicação difícil. /
Elas têm toda a razão em suprir a carência / de sexo e de projetos / mas sabem
no fundo / que o maior sentimento possível / mora numa enxovia / sombria e
úmida. Poema do poeta Alex Polari de Alverga.
A arte do fotógrafo italiano Angelo Raffaele Turetta.