TRÍPTICO
DQP: - Um dia e a eternidade... Chovia bastante e a cidade foi engolida
como se roubasse o meu almoço e sequer soubesse no que me tornei. Uma criança estranha
me dizia da vida como se eu cumprisse o roteiro na pele do Alexander de Theo Angelopoulos, recitando versos de Dionýsios Solomós: ... eu tenho medo \ Dos Mortos possam despertá-lo
\ Silêncio, meu filho, os mortos \ seguram firmes em suas lápides!... Deu-me uma carta dos dias felizes e eu carregando o fardo de quantos
janeiros pelos caminhos de Byron e o
conselho de Goethe: entregar definitivamente
a alma ao demônio. E já. Lá ia eu pela itinerância
sem saber qual hospital me esperava nos olhos de Sêneca: ...mostremo-nos satisfeitos por tudo o que
nos foi dado gozar... Era o meu
confinamento e a eternidade se esgotava em um único dia, tudo estava suspenso na
minha diegese como no verso de Raquel Lanseros: Quisera
ter sido o horto do poeta... Só que muitas vezes a vontade não basta... O tempo também para mesmo quando passa inadvertidamente pelo presente nebuloso
de todos os passados reconectados pelos olhares, gestos e sombras, dores e angústias.
Lugar algum seria, sem praia, nem praça, nem pedestre na faixa de domingo – o
ermo da existência... cedo ou tarde, eu sei, tudo termina.
Manhã
de domingo... - Hora de
voltar e eu sabia que a maldição do Horla de Maupassant me esperava em casa depois que enlouqueceu generais e
golpistas com a mentalidade da turba na aporofobia de Adela Cortina: Os
pobres não podem aspirar à felicidade... Naquele dia
um comboio passou e ninguém se deu conta ou não se quis notá-lo. A passagem era
escandalosa e escondia o terror enlouquecido: a epidemia da loucura. O alarido
era ensurdecedor, repetiam não serem terroristas, sonâmbulos de drogas Z,
seguindo os conselhos do marido da Marcela. Acontece que depois de tudo o
que aquela criatura fantasmagórica queria era só me atormentar e “... fazer com o homem o que fizemos com o
cavalo e o boi: sua coisa, seu servidor e seu alimento”. Já sabia que viera apenas para domar a humanidade, bebendo a vida
das pessoas que definhavam febris pela noite dos pesadelos, e agora seguiam hipnotizados,
vampirizados. Eu nunca fui um cavalheiro da Normandia e li a carta de primeira porque
servia pro diário inacabado. Diante do espelho não vi o meu rosto, a jarra
vazia era o incêndio da minha alma com toda a minha vida nas lembranças mortas.
Caminho
do Leste... - Como me socorrer era nada
mais restar. Quando sozinho havia o ermo e tudo podia acontecer. Sim. De repente
Baubo chegou de uma fábrica estalar,
montada num javali alado, com ramos de murta às mãos. Fez o divertimento e
levantou a saia para mostrar o caminho na sua genitália. Glória! Um brinde das
taças do kykeon. Tocou sua harpa primaveril na fonte do Rheitoi para me ensinar segredos
órficos e eleusinos. E me fez dormir em paz sobre seu corpo divino com sonhos
pelas constelações. Ao despertar ela trouxe Iambe com sua nudez para me oferecer
um gole do sagrado vinho de cevada e juntas me ensinaram a viver alegria,
morrer sem medo e ser no ciclo da terra. E me ensinaram a triunfar no pó e no
vento com o Hino a Deméter e acabar
definitivamente com a seca do sertão. E me embalaram com Dona Duda da Ciranda e me presentearam a arte de Ana das Carrancas. Já anoitecia quando Baubo
me levou ao ponto nemo como se fosse Lea
Massari com gestos de solidão, enquanto me recitava os versos de Halina Poświatowska: Procuro-te no pelo macio do gato \ em pingos
de chuva \ numa cerca de estacas \ e, encostado no amável poste, \ obscurecido
pela luz do sol \ - uma mosca numa teia de aranha - \ espero... Chegamos ao
Telesterion e lá me mostrou que tudo passará, as
muitas hestórias nas estações do ano em La Rinconada, onde me deitou na fogueira
da imortalidade e me deu sementes de romã para que eu pudesse um dia segui-la
pela caverna Plutoniana com a tocha dos hierofantes: o juramento da jornada da
alma, o segredo, libações e as coisas mostradas do deiknymena
pela Nebulosa do Cone. Eu mais que sabia: a partir dali tudo poderia ser desfeito,
o que aprendi da solitude e o Sol pela estrada do Leste. Até mais ver.
Vem aí o PGM TTTTT. Veja
mais aqui.