segunda-feira, janeiro 23, 2023

WOOLF, SRBLJANOVIĆ, DANTICAT, ARSAN, COLETTE & NAOMI WOLF

 

 Ao som dos álbuns O som e a música de João Pernambuco (Continental, 1979), João Pernambuco 100 anos (Funarte, 1983) – Antonio Adolfo & Nó em Pingo d’água, Lembrança de um carnaval (se\sd) e Baden Powell: João Pernambuco e o Sertão (Sesc, 2000), com as composições do violonista e compositor João Pernambuco (João Teixeira Guimarães – 1883-1947).

 

TRÍPTICO DQP: - A intromissão do verbo... - A cidade desperta sob a zoada do dia. A passarada faz festa para que eu viva e das profundezas vozes ecoam palavras soltas aos ventos num idioma estranho de dor e alegria. Flagro e capturo o murmúrio ao lavor, sem descurar significados e o que diz de Colette: A mão que segura a caneta é que escreve a história... O enredo paradoxal como os dias uns aos outros e cada verso é um exorcismo esgrimindo memórias. A paisagem é quase a mesma e se escrevo revelo o inaudito: existir é muito complicado - sentimentos extraviados pousam entre mal-entendidos à beira do mundo e não sou um consumidor de ilusões: sabe lá, há sempre a possibilidade de agrado ou ofensa. Quem dera não fosse assim, já dizia Edwige Danticat: Criar perigosamente, para pessoas que leem perigosamente… Escrever, sabendo em parte que não importa quão triviais suas palavras possam parecer, algum dia, em algum lugar, alguém pode arriscar sua vida para lê-las... É preciso manter a serenidade, reparar mais que o erro: a careta vira anedota. Não hesitar entre o que brota e o que se esconde, tudo é pra valer, só distinguir o bisonho e o denodado, a covardia abominada, a valentia desnecessária: o fraco nunca terá vez. É preciso ter coragem. Tudo o mais não tem a mínima importância, é só um verbo perdido sobre a cidade inventada...

 


Ironia do destino... Imagem: arte do artista visual Ricardo Bertacin Aidar, integrante do Grupo Ateliê Virtual 2022. - Naquela manhã rompeu consigo mesmo e seu intento era autobiografar-se: não queria homenagens póstumas, pois, os outros sempre tratavam por um Zé-ninguém. Por isso negava o próprio nome, mesmo quando queria ser atleta de renome, guitarrista de banda de garagem, celebridade notória, tudo gorou, alimentava seus fracassos – o peso da família, a esposa o aguardava recolhida para o jantar, o quartinho dos fundos, as manchetes das notícias, a prima do meio sua paixão recolhida segredada, o labirinto subterrâneo e o pântano, seus longos monólogos e o réquiem por conta da desintegração familiar por fanatismos de toda ordem - a irmã que suicidou para se encontrar com o amor da sua vida, o assassinato de outra prima nua com o amante dentro do carro abandonado num matagal, a sobrinha que fora esquartejada depois que lhe arrancaram a pele, a prima Elizamar cabelereira carbonizada em Cristalina no Goiás... Esse o seu flagelo e recôndito sabia mais o que escrevera Naomi Wolf: A dor é real quando você faz as outras pessoas acreditarem nela. Se ninguém acredita nisso além de você, sua dor é loucura ou histeria... Assim, parece, fez um trato mefistofélico e sumiu sem deixar vestígios. Ninguém deu por sua falta. Desaparecido há dias, tornou-se deserdado com as graças alcançadas pela generosidade de algum algoz de sua antipatia. O que se sabe é que o veículo que dirigia findou atingido por um raio devastador. Quase desconhecido desceu ao mais completo esquecimento. Nem passava pela cabeça um dia lá depois de décadas seu nome votado na Câmara de Vereadores, o nome da rua, ironia do destino...

 


As outras das muitas dela... - Imagem: arte da artista russa Alice Tretyakova. – Para meu espanto ela apareceu no espelho como a Isabela de Virginia Woolf: os segredos de suas cartas e um diário no cadeado. Queria que eu soubesse de tudo com um poema de Cecília Meireles. Guardei a chave e comecei a desatar o laço de fita rósea dos tantos envelopes e prestes já a abrir a primeira das missivas, ela me falou da escada de Diotima. Ouvi-a atentamente sem que previsse apenas retardar minha leitura de suas confidências. Outras foram ditas: guardava na carne as dores dos mortos e a humanidade frágil de cada um dos que se foram, dizendo-me Biljana Srbljanović: Para começar, não fujo de mim mesma... Ainda construo os personagens do meu drama como inteiramente meus, inventados; eu os crio do nada, mas como pessoas de carne e osso. E procuro seguir alguma regularidade poética em que muitos motivos dramáticos sejam possíveis, lógicos e explicáveis; mesmo quando de fato não sabemos nada sobre isso. Isso é o que era importante para dizer... Os tempos são assim, conturbados; coisas tristes acontecem... Ouvi mais balbuciar: São inclementes demais para o perdão. Recompôs-se. Então, aproximou-se e senti a temperatura do seu corpo. Com um sorriso largo começou a estalar seus dedos e estrelas saíam ao sopro para longe, aos céus e constelações. Disse-me Emmanuelle Arsan: Assim que me instalar, voltarei a estudar as estrelas. Daí deu-me a mão a mostrar como ouvir a respiração das coisas, pedras e terras, o pulmão da vida; cochichou que queria ser xexéu livre aos ventos longínquos pelas nuvens de Andrômeda. Mas, tão longe, quem iria... Levou-me até sabê-la apenas pela caligrafia no meio da noite. Até mais ver.

Vem aí o PGM TTTTT. Veja mais aqui.

 


ALICIA PULEO, CRISTINA GÁLVEZ MARTOS, TATYANA TOLSTAYA & BARRO DE DONA NICE

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Britten Piano Concerto (1990), MacGregor on Broadway (1991), Outside in Pianist (1998), D...