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NOME DA RUA - Imagem: Casario, do pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988)- A cidade
pitoresca de Alagoinhanduba tem das suas inusitadas peculiaridades. Basta
chegar ao jequeporto, logo na entrada da cidade, que se dá de cara logo com o
imprevisível, uma placa enorme com a inscrição: Seja bem-vindo, mas não abuse
da hospitalidade! Isso é ao mesmo tempo uma recepção e um aviso, é que o povo
pacato e hospitaleiro do lugar é pra lá de receptivo, mas cagou fora do caco,
viram uma fera de sacudir o fulustreco visitante pra fora dos limites do lugar.
Como? Saberão mais adiante. E lá as informações são precisas: - Onde é que fica
o cartório? Por ali, depois da Caga-raio! Como? Vamos por ali: uma via dois
mandados. Como é mesmo o nome da rua? Ah, é a rua que era do xerife da cidade,
o cabo Sinfrônio Caga-raio, um estopa grossa, cascudo, que quando doía o cabelo
adivinhava coisa imprestável no ar. Bastava ele acordar abrindo a janela, o
mundo já tremia. Vivia de sassangar delito. Cheirasse, era bronca no ar. E
quando conferia o constatado, perdia as estribeiras. Rafamé que fugisse do
estouvo dele. O homem tinha topete, sujeito pancada! Candeia às avessas. Onde
botava as ventas, levantava lebre. Bastava desconfiar, franzia o cenho e só
brandava quando pegasse o meliante pela orelha: - Peguei-lo traste! E
trancafiá-lo pra nunca mais fazer besteira. Não errava uma! Quando dava a
botada, trazia o beldroega nem que fosse amarrado. Era madeira de lei, vivia de
caixa destemperada. Sentia fedor de bandido à distância, botava tudo pra
correr. Finou-se num repente acometido de uma dor lá no toitiço dele. Nunca
mais isso aqui foi a mesma. Ainda hoje guarda a gente. Dizem os que chegam de má
índole e, bastam botar o pé no chão, voltam na mesma hora de ver o fantasma
dele botando o malsinado pra correr. O senhor mesmo, só estou lhe acompanhando
porque não viu, sinal de boa-fé. Agora vamos pela Rua D’água doce. Era onde
morava um poeta, homenagem pra ele: poeta Eudócio D’Agua Doce. Era sujeito todo
taful, frecheiro, tratado a vela de libra, todo fidalgo, nunca cantou serena
estrela, sempre lavando a jega. Teteia bulisse na menina dos olhos dele,
oxente, um mata-borrão: papava todas. Usava uma escrava de ouro pra presentear
a primeira quejanda frochosa que lhe caísse às graças. Em cima da bucha ele
jogava prosa de três dias de cigano. E ela: - Deixe de pagode comigo. Nem-nem,
não tinha jeito, caía na lábia. Todo lépido, levava pelo beiço de furar a
orelha dela, tudo na ponta do dedo. Um arroz doce de pagode. Elas mesmas, quando
viam o vate soltando dos seus versos, era o mesmo que vissem passarinho verde. Mas
sempre respeitava mulher do lugar. Não queria nenhuma delas por costela. Respeitante,
não queria casada porque se dizia amigo de todos os maridos; das solteiras, não
ia dar desgostos aos compadres pais; nem as viúvas, achegado que era aos que já
se foram, não queria conversa, vai que um dia o defunto viesse prestar contas.
Agora, quando dizia: - Vou em Rimbigundo! Oxe, a macharia de lá já coçava as
gaias! Não perdia uma que fosse! Vamos por ali, a Rua Chora Menino, onde morava
uma parteira e corta jaca famosa, enfarinhada na arte de salvar menino laçado
ou que incruasse de não querer nascer. Buchuda chegasse, todos diziam: -
Pronto, salvou-se uma alma. Nunca ninguém soube de uma perda de parto, podia
vir bronca desenganada de médico que ela dava jeito. Uma santa pra salvar tanto
rebento, quanto casamento. Casal brigado de feio chegasse, saía tudo como se fosse
namorico de primeiro dia. Mulher respeitada. Era feito a daquela rua ali: a da
Tem Três. A dona Abadessa, outra mulher afamada, matrona volumosa, mandona,
donzela de candeeiro que andava pelos conventilhos caçando cabra macho. Ninguém
dava conta. Na mão dela tinha que ser macho duas vezes! Tanto é que ela tinha
três casas e três maridos que lambiam as unhas e se davam por conformados.
Comiam e bebiam juntos. Ela roía couro pra bandas do D’água doce, espevitada a
dona. Embora ele fosse xéo e ela bauá, tinham a venta furada. E o pior: ela
tinha cabelinho nas fuças. Mulher braba, capota choca. Brincasse não. De manhã
ela agarrava o marido da vez, do cabra pedir penico. Ela ia pra casa do outro e
tome pregada do fulano ficar com a língua de fora. Desassossegada, ia pro
terceiro que já findava raquítico de não dar mais vencimento. Ela enterrou um
por um e renovou a frota. Até menino taludo corre da desgramenta. Morreu no
meio duma gozada sem fim. Inda hoje ela caça e ataca toda sexta-feira treze do mês,
qualquer transeunte desavisado que ande nas ruas tarde da noite, de desaparecer
pra nunca mais voltar. Pronto, o cartório é aqui. Seja bem-vindo. Obrigado. Desse
dia em diante, sempre volto por lá. Tem das muitas. Depois conto mais desse
aprazível e estranhíssimo lugar. E vamos aprumar a conversa &
tataritaritatá! © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem:
Sereia, do pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896-1988).
Curtindo
o álbum City Reading - Tre Storie Western (Astralwerks, 2003), da banda francesa Air com narrações das obras Cidade, Pássaro, La puttana Di
Closingtown e Caccia All’Uomo do
escritor, diretor e performer italiano Alessandro
Baricco.
PENSAMENTO DO DIA
Quando o Sol der na barra dia, não
adianta morrer de véspera! Estique as canelas e vá traçando tudo. Agora, se uma
Esfinge estiver na boca do gol, bote fé e dê seus pulos que você não é
quadrado, ora. É só mandar ver de Davi, encare o Golias, bola na rede e vá pra
galera! Afinal, você nasceu pra ser feliz! (LAM).
POEMIUDINHO
Imagem:
Caçador de estrelas, do fotógrafo Valter Patrial.
HÁ QUATRO MESES
Perdia
de vez a noção de ser feliz
Noite
de breu no meu coração
E
uma estrela brilhou no caminho
Era
ela ensinando a ressurreição.
(LAM).
Veja mais aqui.
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Ginzburg, Arrigo Barnabé, Aluísio de Azevedo, Ítala Nandi, Francisco
Pereira da Silva, Robert Doisneau, Otto Lingner, Mano Melo & Claudia
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CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
A arte do artista plástico chinês Xue Yanqun.