terça-feira, abril 05, 2016

DE HERÓIS, MITOS & O ESCAMBAU

DE HERÓIS, MITOS & O ESCAMBAU - Um dia, o doutor Zé Gulu, antes de ser o eminente filósofo do povinho de Alagoinhanduba, sobrecarregado de tédio e monotonia, excorgitava sobre a vida e todos os seres do mundo. No meio desse ramerrão, ele achou de mudar de vida. Aí ele teve uma ideia! À primeira vista, uma ideia maravilhosa. Resolveu, então, dividi-la com todo mundo. Um por um dos informados, expuseram suas impressões num vasto painel de gradação: - Ideia maravilhosa, meu doutor! – disse-lhe o primeiro. - Ótima! -, era outro simpatizante. E vieram mais: Muito boa! Boa. Ah, mais ou menos, doutor. Olhe, seu menino, não é tão boa assim não. Veja bem, na sinceridade? É ruim pra dedeu. É péssima. Isso é uma ideia horrorosa! Não havia consenso: cada um expôs sua opinião. De primeira, ele optou pelas positivas. Pavoneou-se todo, encheu-se da maior das empáfias e, tal maior dos pabos, asseverou-se como o fodão. Oxe, se uma parte significativa dos respondentes aprovara, pra que dúvidas? Mas, peraí. O mesmo tanto, talvez até mais, reprovou. Ah, foi aí que ele resolveu rever, aprimorar. Depois de muito cavoucar os neurônicos, ficou nos trinques, para ele. Logo sentiu os efeitos. E vieram em cadeia. O que era uma simples ideia, tomou volume, se espalhou e logo ficou definida com a mais absoluta verdade. Eita! Ele não cabia em si. Ao mesmo tempo em que obtivera êxito, sua ideia foi copiada, plagiada, execrada, maravilhada e repetidamente apropriada como se nem dele fosse. E evitando o marasmo a todo custo, novas ideias foram surgindo e ele tornou-se o eminente filósofo mais que respeitado de hoje. Aí, uma bela tarde, encontro bebericando, como de costume, solitariamente no bar do Dudé. – Dr. Zé Gulu, como vai? -, disse-lhe. – Escapando. -, respondeu-me. Aquilo me pegou de surpresa. Quando encarei com severidade sua serena face, ele debulhou o rosário de que houve um tempo em que o ser humano, não cabendo em si, descobriu que podia inventar. E inventou o que, a priori, não poderia ser inventável. Bastou ser uma ideia, já estava inventada. E assim o que era uma mera e criativa metáfora, tornou-se paradigma. E como eram muitas ideias, tornaram-se mitos que viraram mitologias cantadas por poetas como Homero, histórias de vencedores, de superiores apaixonados, homens de fibra com virtudes superestimadas e endeusadas. Era a vez dos ídolos que se imortalizaram e que, ao longo dos séculos, foram substituídos uns aos outros, até que hoje estamos carentes disso. - Dr. Zé Gulu, o que houve com isso? Ah, houve um tempo, não muito distante que a gente ainda ouvia falar de heróis ou heroínas, ou gente da melhor cepa ou valentia. Os tempos, obviamente, eram outros. Hoje por causa do politicamente correto, todos posam do mocinho bem na fita, quando, na horagá, cagam fora do penico. Esse tempo é só pra se arrumar, fazer munganga frente aos cliques das câmaras e esconder as diabruras íntimas embaixo de sete capas, que ninguém é mais besta pra se apregar em qualquer cruz, muito menos sair da zona de conforto do umbigocentrimo e cair na esparrela de publicizar o privado sem um tostão sequer por recompensa. Hoje não se vende só a alma, como o corpo todo, a homencia, a moral, a mãe – inclusive a do guarda, coitado, e de qualquer melepeiro que sirva pra bode expiatório -, e quem tiver por perto para ser culpado por qualquer desacerto que porventura venha a causar desdita no coitado vitimizado injustamente lascado. Afinal, das duas, as duas: no mundo dos bandidos todo mundo é artista. E só quem faz merda é o vizinho porque tem a mulher mais gostosa, vive melhor que eu e qualquer um, ou qualquer um desavisado que deva ser premiado na hora da cena xis, o tal do sempre bode: chapéu de otário é marreta! Milhares de anos se passaram: ainda alguns poucos no privilégio da sinecura e a grande maioria esmagadora na hipossuficiência. Trocando em miúdos: vivemos ainda hoje como nos primórdios da humanidade, nem aprendemos a lascar a pedra direito. E todo mundo anda na linha e o mundo de cabeça pra baixo. Como sempre, ou não se entende, ou reproduz o errado. Ué! Como? Vá entender. E vamos aprumar a conversa, meu! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.


Imagem: Nu, do pintor, ilustrador e escultor Aldemir Martins (1922-2006). Veja mais aqui e aqui.

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Imagem: Awakening, do artista plástico francês Alphonse Eugène Felix Lecadre (1842 - 1875).
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