sexta-feira, abril 01, 2016

ENTRE AS PINOIAS DUNS DIAS DE ANTANHO

ENTRE AS PINOIAS DUNS DIAS DE ANTANHO - 31 de dezembro, a contagem regressiva e as doze badaladas noturnas: o ano novo, 1982. Enquanto o foguetório comia no centro com zis pipocos pirotécnicos, não se esquecia do pé direito, das orações, abraços e felicitações, fartura do possível nos comes e bebes, simpatias de tudo quanto é jeito: os pulinhos de saci nas ondas imaginárias, sementes com trocados nos bolsos, vestes amarelas, moedas nos quatro cantos da sala, caretas e mungangas. Depois dos primeiros vinte minutos, os ânimos exaltados de esperança e felicidade, vão se acalmando e, aos poucos, tudo volta à normalidade dos anos anteriores e passados. É quando surge o Doro, ainda bicado da biritada macha, me chamando no canto e confidencia: - Vancê está a par das últimas nutiças? Sobre? Num tá sabeno? Não! Ôxe, tive cum padre Bidião antes dele se envultá pras escrituras do seu Evangelho e ele amiudou tintim por tintim de que é capaz da gente num passá desse ano! Como? Iapois, hômi! Lorota! Nada?! Foi quando ele me cochichou aos mínimos detalhes das últimas acerca de um alinhamento dos planetas que ocorreria no final desse ano. Eita! O negócio era sério! Entre uma beiçada e outra na canjebrina, ele destrinchava a mais nova teoria do fim do mundo! E dava conta de que o ano que a Organização das Nações Unidas passou a denominar de Ano Internacional de Mobilização pelas sanções à África do Sul, seria o último pra qualquer ser vivente nesse planeta! E falando quase num dialeto de bebaço, fui decifrando sua fatídica revelação, que trouxe à baila a configuração de um alinhamento na disposição planetária e que começaria a partir de março e se repetiria, fechando o ciclo, em outubro, em plena primavera e que, por isso, a humanidade nem veria o verão. E tascou: - Já pensou si os pranetas se arrevoltam e vem tomá sastifação com a genti aqui na Terra? Segundo a identificação de sua dificultosa falácia, pude entender que ocorreria uma disposição planetária alinhada com a Terra no nosso Sistema Solar e que essa justaposição dos astros seria um fenômeno incomum que traria, por consequência, as predições de catástrofes ocasionadas por uma parada no globo terrestre que, depois, aos solavancos, voltará a rodar num movimento violentíssimo e endoidado, desencadeando graves tensões geológicas. – Será que Deus vai pegá um taco e brincá de sinuca pra encaçapá a gente, hem? Traduzindo as curvas das suas ideias, tudo começaria onde tivesse as falhas nas placas tectônicas que abalroariam umas nas outras, provocando tsunamis, fortes chuvas e enchentes, terremotos avassaladores, erupções vulcânicas, degelo dos polos, aumento do nível do mar, gêiseres entrando em atividades permanentes, afora a reverberação cósmica que causaria bombardeio de asteroides e cometas, explosões estelares, queda da lua e, - Eita, barroada da gota! - com a repercussão do pânico, estourariam novas guerras, pragas, apartheid, tremedeira nos pitocos dos botões da guerra fria, remexida dos canhões da LSN pelas ruas da ditadura, acionamento de campos minados nos quatro cantos do mundo, a ressurreição das múmias das pirâmides e dos mortos dos cemitérios e do Triângulo das Bermudas que viriam se vingar dos vivos, conspirações que nasceriam desde o rompimento de gasodutos incendiários até os foguetes teleguiados que se posicionariam contra todo mundo, tudo isso dando pontapé nos transtornos mundiais que definiriam este ano como fatidicamente azarado. Oxe! Fiquei intrigado e quando o dia amanheceu eu fui checar e, realmente, o livro A influência de Júpiter, dos astrônomos Gribbin e Plagemann, estava baseado nas influencias gravitacionais desencadeadas pelo aumento na atividade magnética solar e que no auge do ciclo das manchas e explosões solares gigantescas, estas incidiriam sobre as camadas superiores da atmosfera, afetando a rotação terrestre e ocasionando mudanças drásticas na Terra. Aí os Nostradamus de plantão botaram a cara na rua: - Num disse! Agora vão ver! Padres, pastores e pais-de-santo engrossaram o escarcéu. Não obstante, isso criou uma onda de manchetes catastróficas nas redes de rádio e TV, intensificando as edições extraordinárias dos jornais que faziam reimpressões quase toda hora para emplacar a primeira manchete com as más novas. Teve gente que se runiu para imaginar como seria a reedição da Arca de Noé pra enfrentar uma tragédia desse porte. A bronca se avolumava porque não havia acordo entre os pitaqueiros e os promotores da empreitada. Eita, nó cego! Era de ficar com um pé atrás mesmo e a orelha na frente da pulga, precavido de tudo. Bastava um peido de véia quebrar o silêncio, todo mundo ficava com o cu na mão. Quando chegaram os festejos juninos, a coisa empirou: o rastapé era suspenso a cada pipocada de traque! Ninguém comia nem dormia direito, foder muito menos que a vida estava por um triz e convinha estar preparado pra ver como a coisa ia se suceder e para ver como se salvar duma dessa. Nunca o povo todo se tornara tão religioso a ponto de passar horas e dias de joelhos nas orações, não economizando nos pedidos de salvação a Deus e aos santos todos da hagiologia. E tudo foi por água abaixo com a enchente que deixou o povinho todo pendurando nos morros por mais de quatro dias, destruindo tudo que fora construído até então em Alagoinhanduba. Deu trabalho pra reconstruir tudo. E lá se ia o segundo semestre, quando a apertura começou a dar uma inheta ansiedade com a chegada da primavera e entressafra prolongada atrapalhando a butada da cana na usina, os nervos à flor da pele, a vida por um triz. Todo mundo só esperava ver o começo do rebuliço. E nessa atônita expectativa passaram-se os meses, findou o ano e a gente desembocou em 1983 mais atônitos que antes, esperando quais seriam as previsões. Não faltaram os que sapecaram ditas e desditas presse ano novo. Todavia, com o passar dos dias, tudo que fora profeticamente anunciado ia sendo esquecido, afinal todo mundo tem mais o que fazer, né? Aí reencontrei o Doro que andara sumido desde da revelação do ano passado, anunciando que, a partir de então, ia fazer as suas previsões anuais. – Ué? -, indaguei pra ele. E ele: – Ué o que? Vancê num viu? Não! Oxente, minino, pois redigo agorinha tudim: num se alembra da guerra das Malvinas? A invasão do Líbano pelos israelitas? A guerra de Irã e Iraque? A queda do petróleo, a condenação dos padres franceses e dos posseiros do Araguaia, a barroada do Boeing da Vasp na Serra da Aratanha, o massacre dos refugiados de Sabra e Shatila, a hidrelétrica de Itaipu, a fraude eleitorá que quage num deixa Brizola assumir no Rio, a prisão dos comunistas em SumPaulo, as inleições todas que inlegeram um bocado de trepeças, e, o pior de tudo, o Brasil lascou-se perdeno a copa pra Itália do jeito que perdeu com a maior seleção de todos os tempos? Num s’alembra de nada disso? Avalie e diga se num acertei tudim?!? Apois, foi. É de pinoia em petas e patranhas que a gente vai vivendo, escapando e, se Deus quiser, ainda sorrindo pra ver quando é que tudo vai melhorar. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.


Imagem: a arte do pintor, decorador e escritor estadunidense John La Farge (1835-1910).

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    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Triphase (2008), Empreintes (2010), Yôkaï (2012), Circles (2016), Fables of Shwedagon (2018)...