TRÍPTICO DQC: JANELIVRE
- Curtindo Fandango – Tres Canciones Espanola (1951),
do compositor, pianista e violonista espanhol Joaquin
Rodrigo (1901-1999),
na interpretação do premiado violonista Fabio Lima. – Fandango vai quase não volta, eita, que coisa boa! Marinheiro nunca
fui, só de primeira viagem, avalie. Dos sete mares, só em sonho. Indagora
mesmo, depois de uma golada bem dada, navegante das cheganças, ouvi o Gajeiro
de lá: O vento é tanto que me faz
chorar! Que é que é isso, vamos pelas embaixadas aos versos tantos da Nau Catarineta: Minha mãe bem me dizia / Que eu não fosse me
embarcar / Que esta nau se perderia / E eu me lançaria ao mar. Ora, ora, é só se deixar correr pela correnteza das
águas. Assim, mesmo perdido, ela ali estava no meio
doutras tantas na dança lasciva. E isso entre catraieiros, pescadores,
trapicheiros estivadores, armadores e o que mais, aquela mesma que foi proibida
por Pombal lá pelos tempos de antanho. Agora não, os tempos nem são tão outros,
cuidado nunca é demais. Estou ligado nela, se cochilar fico na mão e era uma
vez a possibilidade de um grande amor. Só perdi de mesmo a cisma com a chegada
do grande escritor anarquista chinês Ba
Jin (1904-2005): Esta batalha para salvar vidas será
vencida. Não podemos esquecer o que aconteceu e a história não deve se repetir. Ah, tudo pela amizade
e paz, jamais a guerra! Talvez tenha passado da hora, mas nunca é tarde, há
sempre o que fazer. Ele se foi e eu cantarolei: Adeus que eu me vou. Meu navio a sorte inventa.
MEU CORAÇÃO ESTÁ
NA MONTANHA – Curtindo Navilouca
Ao Vivo (Universal, 2010), da banda Pedro Luís e a Parede: Segure nave louca /
Que eu sou pedra rolando / Que está despencando / Em precipício propício / Pra
esse movimento de agora / Esse monumento ao momento / Monumento de hospício /
Silêncio na avenida Presidente Vargas / É mergulho bem pra dentro de si /
Fotografei você na minha dragoflex / De olhar aceso esperando por mim / Então /
Segure nave louca... – Para quem não
tem mais paradeiro, no meio da festa toda, feito Net&Salomão, apareceu lá
longe a Stultifera Navis de Brant, sem
considerar aonde voo. Vão todos ao lado daqueles que se despedaçaram da La Nef
des fous de Bosch, com os intemperantes e avarentos. Todos consideram: É melhor seguir sendo laico do que
comportar-se mal dentro das ordens. Como não sei das
estrelas do céu, nem dos ventos ou estações do ano, ouvi do Ship of Fools (Open Road, 2015), de Katherine Anne Porter: O lugar para onde você vai ainda não existe,
você deve construí-lo quando chegar ao ponto certo. E não eram as cenas de Stanley Kramer, nem a pintura de John Alexander. Enfim, todos achavam que o
louco era eu. E digo a verdade: ela estava ali e era em Abaton. Não era um totem nem o paraíso cretense de Chersonissos.
Não, não era. Era ela reinando num cenário jamais visto. Confesso que nada vi,
meus olhos eram dela. Para não mentir, as coisas que lá vi foram duas: Virginia Woolf fugitiva da sua loucura:
A vida é como um sonho; é o acordar que nos
mata. E o Eça de Queiroz aborrecido: Políticos e
fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo. O amor eterno
é o amor impossível. Os amores possíveis começam a morrer no dia em que se
concretizam. A arte é um resumo da natureza feito pela imaginação. Afora isso,
todos me diziam que ali era Abaton. Nem sabia
mesmo onde é que era e como de lá me safei. Só soube do que se tratava muito
depois, quando vi My heart’s in the Highlands
(Edimburgo, 1892), do Thomas Bulfinch
(1796-1867). Pois é, enquanto todos vagavam em busca daquilo que só sabiam apenas
suspensa no horizonte ao anoitecer, completamente inacessível e duvidável,
posso dizer, com certeza: fui ao lugar que ninguém nunca foi, nem sabia. E fui
levado pelo fandango ao coração dela.
ÍSIS INSEPULTA, A
MORTA-VIVA - Baseada na história da desaparecida Ísis Dias de Oliveira (1941-1972) – Ao
som de Song
From the Uproar (2012), da
compositora e pianista estadunidense Missy Mazzoli, baseada na vida da exploradora suíça Isabela
Eberhardt (1877-1904) – Foi lá que ela bailou com melancolia para
encenar o seu texto: Sou Ísis de batismo, nem sei se viva ou morta, apenas que
sou e nem sei quem ou onde estou. Não tenho mais familiares, nem o que de mim
restou. Da Ilha das Flores o meu voo sem saber para onde ir. Sei apenas que sou
desaparecida atravessando décadas para nunca mais. Sou também Dulce e as tantas outras filhas da dor. Ao final, num raio de
luz do luar, ela dançou a coreografia de Trisha
Brown (1936-2017): Prefiro
guardar os meus segredos para mim. Em vez de falar sobre minha dança, prefiro
simplesmente dançar. A verdade é que quero dançar a vida toda. Nunca quero
parar de dançar. E se trancou em si, envolvida por meu
abraço. Um beijo e disse Charlaine Harris: A vida
continua. Ou, neste caso, a morte continua. Às vezes, você só precisa se
arrepender e seguir em frente. Ali, nosso coração era um, mútuos e siameses,
batidas de comunhão. Até mais ver.
A ARTE DE TÂMARA DORNELAS
A arte da bailarina Tâmara Dornelas, que é formada na Escola de Dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que atualmente atua na austríaca Europaballett St. Pölten. Veja mais aqui e aqui.