FALSA MISSIVA DESENDEREÇADA -Imagem: Long Live Love (Vive
l'Amour - 1990), da multiartista francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002) - Sou estrangeiro há décadas nesse
fluxo de volatilidades e o meu semblante perdeu a fisionomia com o cheiro da
terra de maio, o gosto ondulante do canavial flechado e a boiada de nuvens
insistentes nos meus olhos outonais. De resto, pedaços de lembranças perdidas
em pensamentos nessa falsa carta inspirada numa de Frida e como não tenho Caros
Amigos ou amigas, fiquei órfão muito antes da minha irmã jogar no lixo meus
rabiscos solitários e exasperados de anos atrás. Ademais, o Brasil continua
aquela anomalia imprevisível em que tudo que se espera de real é só equívoco
ribanceira abaixo do minimamente considerável. Tenho comigo os acordes israelitas
da bela Tamar Halperin rondando minhas ideias, como se fosse a doméstica
inflada a passar tão sedutora quão reboladeira num verso sem nome do Magma de
Olga Savary, tão reboladeira nas estrelas estonteantes da minha libido descendo
a ladeira como se fosse a Milady de Winter, e eu boquiaberto nem dando conta que
o tempo passa e eu sequer tenho pensado em acerto de contas, porque tudo se
espalha e não há como juntar nada no malogro das minhas mãos falíveis. Estou prestes
a fechar o ciclo vigente e nada é mais insignificante do que falar sozinho ou
pras paredes, às vezes me pego falando grego, nada demais, é que, apesar de
tudo, o Recife continua me encantando por noites e dias infindos do que não sei.
Tirante o Rio Una pra onde volto, em geral tudo é varejo de ignominia; no
particular, nada a declarar. A rigor, não tenho mesmo nem a dizer da terra e
razões erodidas, pelas ruas e suas encruzilhadas e mata-burros, esgotos e
sensos transbordados de imundícies na profusão do capim, nos bueiros e
alto-falantes das orações exaltadas aos escancaros da felicidade inexistente,
enquanto a esperança fruteira que resiste da monocultura industrializada, nada
mais é que mecenas com suas esmolas pras festivas idiossincrasias de quem pensa
que sabe o que quer e não sabe, que acha que sabe o que fez e sequer se lembra,
e se acha maior quando nem o menor do seu próprio tamanho: a cidade cresceu e
não passa de um arruado na ironia do pseudo-elogio que subjaz todas as incursões
da estupidez a bater no peito patriótico de quem só sabe hipocrisia. Ah, como
sou estrangeiro no fluxo dessas veleidades. Até já que já fui, sabe-se lá se
volto, nem sei. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico, maestro, violonista e
compositor Antônio Madureira: Violão, Revisitação dos Santos Reis & Romançário; da pianista
israelita Tamar Halperin: Jazz Baltica,
German Jazz Meeting & Gymnopedie nº 3 de Eric Satie & muito mais nos
mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de
Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Ação humana é comportamento propositado.
Também podemos dizer: ação é a vontade posta em funcionamento, transformada em
força motriz; é procurar alcançar fins e objetivos; é a significativa resposta
do ego aos estímulos e as condições do seu meio ambiente; é o ajustamento
consciente do estado do universo que lhe determina a vida. Estas paráfrases
podem esclarecer a definição dada e prevenir possíveis equívocos. Mas a própria
definição é adequada e não necessita de complemento ou comentário. [...]. Pensamento extraído da obra Ação humana (ILMBrasil, 2010), do
economista austríaco Ludwingvon Mises
(1881-1973).
COMUNICAÇÃO & EXPERIÊNCIA - [...] A
experiência experienciada, como vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a
sua significação torna-se pública. A comunicação é, deste modo, a superação da
radical não comunicabilidade da experiência vivida enquanto vivida. [...] A exteriorização e a comunicabilidade são
uma só e mesma coisa, porque nada mais são do que a elevação de uma parte de
nossa vida ao logos do
discurso. De qualquer modo, a solidão da vida é aí iluminada, por um momento,
pela luz comum do discurso [...] O paradoxo é que a comunicação é uma
transgressão, no sentido próprio do ultrapassamento de um limite, ou melhor, de
uma distância num sentido inultrapassável [...] Ora, o nexo entre as três figuras da intenção é de grande interesse
para nosso problema da comunicabilidade. Nós passamos, com efeito, de uma
acepção na qual a intenção está ainda muito próxima da simples implicação
(aquele que promete quer dizer – implica – que ele se coloca sobre a obrigação
de fazer) à intenção como desejo ou crença, que é propriamente a intenção
noética. Daí, nós passamos à intenção como espera do reconhecimento pelo outro
da intenção do locutor. Este último obtém propriamente o nome de intenção da comunicabilidade.
[...] é esta parte não intencional da
vida, esta maneira de o vivido se incrustar em si mesmo, esta sequência de
acontecimentos transversalmente ligados à mesma série, à mesma esfera, a mesma
clausura. O psíquico, em uma palavra, é a solidão da vida que, por
intermitência, acaba assegurando o milagre do discurso [...] Trechos extraídos
da obra Sobre a tradução (Cotovia,
2005), do filósofo francês Paul Ricoeur (1913-2005). Veja mais aqui e aqui.
CAMINHO DE GUERNANTES - [...] Para
conseguir ser assim reconhecidos, o pintor e o artista original procedem à
maneira dos ocultistas. O tratamento para sua pintura e para sua prosa nem
sempre é agradável. Quando terminam, o prático nos diz: agora olhe. E eis que o
mundo (que não foi criado uma vez mas tantas quantas vezes surgiu um artista
original) afigura-se-nos inteiramente diverso do antigo mas perfeitamente
claro. Mulheres passam pela rua, diferentes daquelas de outrora, pois são
Renoir, esses Renoires em que outrora nos recusávamos a ver mulheres. [...]
Trecho extraído da obra O caminho de Guernantes
(Globo, 2007), do escritor francês Marcel Proust (1871 - 1922), o terceiro volume da série Em busca do tempo perdido, marcando uma inflexão no caminho existencial,
atravessando um longo período de vida com uma larga sucessão de escolhas e
cadeias de associações imagéticas, até chegar a novo lugar e poder, acompanhando
o dia a dia dos acontecimentos. Veja mais aqui.
TRÊS POEMAS - LEMBRANÇA:
Eu sorria. Nada mais. De repente, porém, eu soube / na profundeza do meu
silêncio / que ele me seguia. / Como minha sombra, leve e sem culpa. / Na noite
uma canção soluçou... / Os índios se estendiam, como serpentes, pelas vielas da
cidade. / Uma harpa e uma jarana eram a música, e as morenas sorridentes / eram
a felicidade. / Ao fundo, atrás do Zócalo, o rio cintilava / e escurecia, como
/ os momentos de minha vida. / Ele me seguia. / Acabei chorando, isolada no
pórtico da / igreja paroquial, / protegida por meu xale de bolita, encharcado
por minhas lágrimas. POEMA PARA LINA E ARCADY BOYTILER: Deixo-lhes meu retrato
/ para que me tenham à sua frente / todos os dias e todas as noites / em que eu
estiver longe de vocês. / A tristeza se espelha / em todo o meu trabalho, / mas
este é meu estado; / sinto-me desamparada. / Ainda assim, trago a felicidade /
no coração, / por saber que Arcady e Lina / amam-me como sou. / Aceitem este quadrinho
/ pintado com minha ternura / em troca de sua afeição / e sua imensa doçura.
POEMA: na saliva. / no papel. / no eclipse. / em todas as linhas / em todas as
cores / em meu peito / fora. dentro. / no tinteiro – nas dificuldades de
escrever / no assombro de meus olhos, nas últimas / linhas do Sol (o Sol não
tem nenhuma linha) em / tudo. Dizer “em tudo” é idiota e magnifico. Diego em minha urina Diego em minha boca – em
meu / coração e minha loucura. Em meu sono – no / papel mata-borrão – na ponta
da caneta / nos lápis – nas paisagens – na / comida – no metal – na imaginação.
/ nas doenças – nas vitrines - / em suas lapelas – em meus olhos – em sua boca.
/ em sua mentira. Poemas da pintora mexicana Frida Kahlo
(1907-1954). Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE NIKI DE SAINT PHALLE
A arte da multiartista francesa Niki de Saint Phalle (1930-2002). Veja mais aqui.
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
Só às
paredes confesso, de Vital Corrêa de Araújo & muito mais na Agenda aqui.
&
A poesia de Olga Savary aqui
&
A arte da atriz, modelo, cantora e designer de moda
servo-croata Milla
Jovovich que estrelou o
filme Os três mosqueteiros (2011), baseado na obra homônima do romancista
francês Alexandre Dumas (Dumas Davy de la Pailleterie – 1802-1870. Veja
mais aqui.
&
Missiva de esconjurado aqui
&
A carta do barbeiro aqui
&
Das
coisas que vão & voltam, a infância de Neil Postman, a literatura de Philip Roth & a
fotografia Ralph Gibson aqui.