CARTA PERDIDA NA PRIMEIRA ESQUINA - Imagem:
arte do argentino Xul Solar
(1887-1963) - Por tantas idas e vindas perdi as sílabas inauditas do
meu canto ao rés do chão e as minhas pobres palavras inconclusas esgarçaram-se
empoeiradas e em revoadas sem eco aos ventos no céu de nenhum azul e urros do
tempo. Emudecido pela chuva torrencial, fiz da morada do silêncio o que pude e
me restava ver as tantas faces do amor caçoando de mim: quem não sabe brincar,
não entra na roda. Ah, quem não desceu ladeira abaixo, deu de cara com o poste,
teibei! Quantos anos mais tarde, dei por mim, a cidade enterrada na duna da
memória assaltada atrás dos morros por folguedos, palácios e estábulos, o
naufrágio de almas às horas suicidas nas ruas que não sei o nome, e quase me
perdia de vez ao confundir os paralelos que parecem convergirem mas não,
desajeitado e até obsceno sem saber o que fazer, só o lisonjeiro bem empregado
dos sacânicos, desacumulados e estranhos que escondem o pior de si para serem
simpáticos risonhos ocultando sentimentos embusteiros, e sem que pudesse
espalmar as mãos já penhoram suas devoções estarrecidos com o acervo de coisas
malévolas e inatacáveis, profanando intimidades com extravagâncias pra
escandalosas ruinas e agruras de facas amoladas com todos os requintes de
crueldade. Assim se satisfaziam e às suas imprecações monstruosas das gradações
do ódio por flagelos, desnudamentos, imposturas de déspotas e ventríloquos em
seus próprios extermínios. Tudo isso, ondas invasoras da risada do verdugo a
naufragar o humano a cada instante e caçá-lo e matá-lo sem dó nem piedade, para
então ressuscitá-lo no grau da ciência, todo petrificado e envaidecido pela
armadura incapacitante de descontrolados nas armadilhas de suas mil e uma
insônias, vísceras, remorsos, vitupérios. Eu assisto a tudo e me esquivo e sei
que ninguém escapa, não há escapatória, mesmo que não sejamos melhor que
sombras e pó, somos tão parecidos na nossa desonra, na impermanência que nos
pinta de êxito a traição, rumo ao topo que não é nada no pico da festa
dissipada pelo jogo das luzes no estardalhaço. Quase consigo me livrar, nem
sempre, cada esquina uma revelação, um plano de voo ou fuga, e lá vou contando
cada alvorada para cada crepúsculo na ponta dos dedos, e mais uma vez o ciclo
se fecha pro meu arbítrio e recomeça a cada três horas de novo e o primeiro passo
rompe o confim pra outra imensidão e a vencer dimensões que vão e voltam em mim
que não sei nada e nem quero saber, só voo sem sílabas do canto ao rés do chão
e com as ataduras das palavras empobrecidas que me restam da solidão. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, guitarrista &
compositor estadunidense Lou Reed (1942-2013): Les nuits de furvière, Live Lollopoaloosa
Chicago & Live Capitol Theatre; da artista experimental estadunidense Laurie Anderson: Home of the brave & Live Concert Luminato Festival;
da apresentação Lou Reed & Laurie Anderson Live in Venice; & muito mais
nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Os
homens se apegam apaixonadamente às velhas tradições e revelam uma relutância
intensa em modificar modos habituais de comportamento, como os inovadores de
todas as épocas verificam à sua própria custa. O peso do conservantismo, em
grande parte uma aversão preguiçosa e covarde pela cansativa e penosa atividade
de pensar autenticamente, sem dúvida retardou o progresso humano, no passado
mais do que hoje. [...]. Trecho extraído da obra A evolução cultural do homem (Zahar, 1981), do filólogo australiano
Gordon Childe (1892-1957),
expressando em seus estudos que [...] Os
homens podem fabricar ferramentas porque suas patas dianteiras tornaram-se
mãos, porque vêem o mesmo objeto com ambos os olhos e podem avaliar as
distâncias com muita exatidão, bem como porque um delicadíssimo sistema nervoso
e complicado cérebro os capacitam a controlar os movimentos da mão e do braço
em adequação precisa ao que estão vendo com ambos os olhos. Mas os homens não sabem
por algum instinto inato fazer ferramentas e usá-las: precisam aprender através
da experiência, através do ensaio e do erro [...].
VOCABULÁRIO DO AMOR – O
amor é o grande imponderável. Em nossos pesadelos, podemos criar feras por pura
emoção. O ódio exibe suas presas gotejantes pelas ruas, o medo paira sobre os
becos com suas asas de couro, e o ciúme tece viscosas teias através do céu. Em
fantasia, podemos manipular as tramas com equilíbrio, derrotando um adversário,
obtendo sucessos gloriosos sob os aplausos das multidões, alcançando
prontamente o âmago da aventura. Entretanto, que espécie de sonho é o amor?
Frenético e sereno, vigilante e calmo, angustiado e forte, explosivo e sóbrio –
o amor comanda um vasto exercito de humores. Confiantes na vitória,
claudicantes após a última escaramuça, os amantes adentram a arena uma vez
mais. Imóveis, somos tão audaciosos quanto os gladiadores. [...] O amor é a luz branca da emoção. Contém
inúmeros sentimentos que, por preguiça e perplexidade, aglomeramos em uma
simples palavra. A arte é o prisma que os coloca em liberdade, acompanhando em
seguida os rodopios de um ou alguns deles. Quando a arte separa esse denso
emaranhado de sentimentos, o amor revela seu esqueleto. Todavia, ele não pode
ser medido nem mapeado. Todos admitem que o amor é maravilhoso e necessário,
mas ninguém consegue chegar a um acordo sobre o que ele é. [...] Por mais sublime que a ideia do amor possa
ser, nenhuma imagem é excessivamente profana para ajudar a explica-lo. [...]
o amor produziu todos os imponderáveis.
Ele nos permite realizar nossa mais requintada dança. Amor. Usamos uma palavra
tão pequena para uma ideia ilimitada e poderosa, a qual alterou o fluxo da
história, apaziguou monstros, inspirou obras de arte, consolou os desesperados,
tornou sentimentais os valentões, consolou os escravizados, tornou arrebatadas
mulheres fortes, glorificou os humildes, alimentou escândalos nacionais, levou
à ruina magnatas gatunos e fez picadinho de reis. De que maneira a vastidão do
amor pode ser traduzida nos limites estreitos de quatro letras? [...] O amor é um delírio ancestral, um desejo
mais antigo do que as civilizações, cujas raízes inserem-se profundamente em
épocas desconhecidas e misteriosas. Usamos a palavra amor de maneira tão descuidada
que ela quase pode significar nada ou absolutamente qualquer coisa. É a
primeira conjugação que aprendem os estudantes de latim. [...]. Trechos
extraídos da obra Uma história natural do amor (Bertrand Brasil, 1997), da
escritora e naturalista estadunidense Diane
Ackerman.
MAIS DO AMOR – [...] O
amor reduziu-me à condução de angustia e desespero, e amaldiçoo minha própria
existência. Nada consegue atrair meu interesse... cada imagem na parede, cada
peça da mobília reprova-me pela felicidade com que sonhei nesta sala e que
agora está perdida para sempre. Percorri as ruas a passos largos e sob a chuva
fria; e o acaso, se puder chamá-lo de acaso, fez-me passar pela janela da
amada. A noite caía e, ali passando, meus olhos marejados fixaram-se na janela
do seu quarto. De súbito a cortina foi afastada por um instante, como se para
permitir um vislumbre do interior, mas voltou rapidamente a seu lugar. Senti um
espasmo em meu coração. Sem mais forças para resistir, refugiei-me num pórtico
vizinho, os sentimentos de desordem; naturalmente devia ter sido um movimento
casual da cortina; mas imagine se a mão dela houvesse levantado a cortina! Dois
apenas são os sofrimentos na vida; o sofrimento da paixão não correspondida e
aquele do vazio inerte. No amor, tenho a sensação de que a felicidade
ilimitada, para além de meus sonhos mais arrebatados, encontra-se logo depois
da esquina, esperando apenas uma palavra ou um sorriso. Sem a paixão... não
posso encontrar a felicidade em parte alguma, e começo a duvidar se realmente
ela me está destinada [...]. trechos extraídos da obra Do amor (Martins Fontes, 1993), escritor francês Stendhal – pseudônimo de Marie-Henry
Beyle (1783-1842). Veja mais aqui.
BIOGRAFIA DA PALAVRA REVOLUÇÃO - Palavra
que nasceu de um vômito de sangue / palavra que o primeiro que a disse se
afogou nela / palavra sempre posta em marcha / palavra contumaz na modernidade
/ palavra que se pronuncia com os punhos / palavra grande até sair pelas
margens do dicionário / palavra de 4 flechas disparada aos pontos cardeais / Aqui
fica desenraizada de todo o seu episódio / sobre um dos vértices mais remotos
do tempo / concentração / para empreender a rota para que céu? / Cada um
conforme sua intensidade conforme seu / diverso carater alfabético / e a palavra
ficou escrita / Revolução / logo o sol ao passar detrás dela para afundar-se / na
noite / incendiou suas dez letras / revolução / e foi o primeiro aviso luminoso
do mundo / agora está no homem como o oxigênio está na água / campos, cidades,
mares contam com uma população / de seus ecos / Subtrairam-lhe o espaço aos
corpos que se dilatam / tem violência e distinção de onda de vento / entra nas
almas com uma sensualidade de arado / cartaz escrito na claridade de dois
braços erguidos / alcemos com a vida. Poema do escritor peruano Alberto Hidalgo (1897-1967).
A ARTE DE HELENA IGNEZ
A atriz,
diretora, roteirista e cineasta Helena
Ignez, começou sua carreira com o curta-metragem O pátio (1959), de Glauber
Rocha. Depois ela participou dos filmes A grande feira (1961), Assalto ao trem
pagador (1962), o Padre e a moça (1966), O Bandido da Luz Vermelha (1968), de
Rogério Sganzerla, no qual interpretou a Janete Jane. A partir de então ela
passou a integrar o Cinema Marginal e o udigrudi, ao lado Rogério Sganzerla e
Júlio Bressane. Entre os anos 1968 e 1970, chegou a fazer cerca de doze filmes,
passando, a partir de 1972, a filmar na Europa, Estados Unidos e África,
chegando a realizar a anarquia corporal A mulher de todos e a realizar Ângela
Carne e Osso. Em 2010, produziu Luz nas trevas – A volta do Bandido da Luz
Vermelha. Dirigiu filmes como A moça do calendário e O poder dos afetos (2013),
entre outros. Veja mais aqui, aqui e aqui.
&
Las Cuatro (1922), do argentino
Xul Solar (1887-1963) aqui
&
Dias
& noites a fio, Estabelecidos
& Outsiders de Norbert Elias, a poesia de Gerardo Mello Mourão & a fotografia de Alex Krivtsov aqui.