ARENGA DE ANTANHO – Imagem: Arte da artista visual e
xilogravurista sergipana Claudia Nên
- Zé Peiúdo estava feliz da vida: ia ser pai. O cabra chega bufafa ufano, os
dentes pelas orelhas, um Júnior caía bem na encomenda: Esse vai ser macho feito
o pai! Bastou o bruguelo nascer, gritou logo: Pelo tom do choro, puxou a mim,
brabo todo! E na hora mesmo correu pro pariceiro Zé – que, até então, não era
ainda Corninho, casado de papel passado com a primeira das muitas que viriam
encher-lhe a testa de chifres -, e o convidou para padrinho. Selaram o
compadrio tomando umas e outras, emendando pelo batizado e todo final de semana,
compadre praqui, compadre prali, carne e unha. O petiz foi crescendo na casa do
patrono e já tinha uma mania: toda vez que passava pelo paraninfo, amolegava o
bilau e dizia: Chupeta, padim. Esse menino, hum! E de meninote viu-se rapazote,
o pai foi feliz até os doze anos dele: Parece que errei na dose. As más línguas
já cochichavam por todo canto: Esse garoto acende a fluorescente, ah, se! Aos
quinze a coisa enfeiou: não tinha namorada e desmunhecava que só. Os boatos
comiam no centro: Esse de quatro passa batalhão, fazem fila no furico dele. Aos
dezessete já andava saltitante, invejava mulheres de tão espalhafatoso. O pai
desconfiado, confidenciou com o achegado: Cumpade, você acha que esse menino é
biba? Cuma? Ele queima a rosca? Como é? Ora, ele solta a rodela? Pela
insistência, Zé-Corninho cruzou os dedos escondidos: Oxente, cumpade, naaaada!
Ele é só um tiquinho delicado, mais nada. Eu tô vendo o povo se rindo pelas
minhas costas. Tá nada, impressão sua. Oxe, estavam mesmo era mangando e muito
da macheza dele, o filho só na maior desmoralização purpurinada. Se esse menino
for fresco, eu mato esse filho duma puta! Calma, cumpade. Propôs um trato:
Descubra se ele é ou não bicha, pois se for, mato ele de cacete! Deixa disso,
cumpade! Lá se vão dias, semanas, meses, de repente Peiúdo entra na maior das
surpresas na casa do Corninho e dá de cara com a cena: o padrinho enfiado todo
no papeiro do afilhado. Que é que é isso, cumpade? Eu ia lhe contar, mas você
já viu, né? Infeliz das costas ocas! O Peiúdo partiu pra cima do Corninho com
tapas e bofetes, bufe, bufe, cada tabefe de quase estourar-lhe o espinhaço.
Bufe, bufe. Ai, ai! Também te pego, viado! Nem deu tempo de pegar a carreira da
gazela que sumiu para nunca mais. Eu pego esse baitola! Corninho todo
arrebentado, ainda conseguiu persuadir: Calma, cumpade, homofobia é crime,
sabia não? Então s’acostume que isso é normal, viu? Desse dia em diante, uma
rixa braba nascia entre Zé Peiúdo e Zé Corninho. E a vida continua. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista Robson Miguel: Viva Brasil, Uma volta ao mundo em seis cordas & Ao
vivo; da cantora, instrumentista e compositora irlandesa Enya: The Cranberries Live in Paris, Greatest Hits Best
Songs & Only time; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só
ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Estou
certo também de que a crise [...] possui
raízes nos desvios do racionalismo. Mas isto não autoriza sustentar que a
racionalidade como tal é má em si mesma, ou que ela tenha, dentro do conjunto
da existência humana, uma importância de segundo plano [...]. Pensamento do
filósofo alemão Edmund Husserl (1850-1938). Veja mais aqui.
NECESSIDADE DA ARTE – [...] A arte é quase tão antiga quanto o homem [...] Por
seu trabalho, o homem transforma o mundo como um mágico: um pedaço de madeira, um
osso, uma pederneira, são trabalhados de maneira a assemelharem-se a um modelo
e, com isso, são transformados naquele modelo. Objetos materiais são
transformados em signos, em nomes, em conceitos. O próprio homem é transformado
de animal em homem [...] o artista
continuou a ser o representante e porta-voz da sociedade. Dele não se espera
que importune o público com sua vida privada, seus assuntos particulares; sua
personalidade é irrelevante e ele é julgado apenas por sua habilidade em
fazer-se o eco e o reflexo da experiência comum, dos grandes eventos e das ideias
do seu povo, da sua classe e do seu tempo. Tal função social era imperativa, indiscutível, da mesma forma
que tinha sido a do feiticeiro anteriormente [...]~A ambição do artista que se
apoderou das ideias e experiências do seu tempo tem sido sempre não só a de
representar a realidade como a de plasmá-la. […] Por muito
tempo, o capitalismo encarou a arte como algo suspeito, frívolo e opaco. A arte
“não dava lucro”. [...] O capitalismo acarretou o cálculo sóbrio e a
contenção puritana. [...] O
capitalismo não é em sua essência, uma força social propícia à arte, disposta a
promover a arte. Na medida em que o capitalista necessita da arte de algum
modo, precisa dela como embelezamento da vida privada ou apenas como um bom
investimento [...] A arte pode levar o homem de um estado de fragmentação a um estado de
ser íntegro, total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o
ajuda não só a suportá-la, como a transformá-la, aumentando-lhe a determinação
de torna-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela
própria, é uma realidade social. A sociedade precisa do artista, este supremo
feiticeiro, e tem o direito de pedir-lhe que ele seja consciente de sua função
social [...] A arte não só
é necessária e tem sido necessária, mas continuará sendo sempre necessária.
[...]. Trechos extraídos da obra A necessidade da arte
(Zahar, 1983), do filósofo austríaco Ernst
Fischer (1899-1972).
RUMO AO FAROL - [...] Há
um código de conduta que ela conhecia, e cujo sétimo artigo (talvez) diz que em
tais ocasiões convém à mulher, não importa qual seja sua profissão, ajudar o
jovem sentado diante dela, para que ele possa expor e aliviar os fêmures e as
costelas da sua vaidade, do seu premente desejo de se auto-afirmar; tal como,
sem dúvida, é dever deles, refletiu, com sua sinceridade de solteirona, de nos
ajudar em caso, por exemplo, de ocorrer um incêndio no metrô. [...]. Assim, não respondeu, mas continuou olhando,
obstinado e triste, a praia, coberta por um manto de paz, como se as pessoas
que viviam estivessem adormecidas, pensou: como se fossem livres para ir e ir
como fantasmas. Lá elas não sofriam – pensou. [...]. Trechos extraídos da
obra Rumo ao farol (Publifolha,
2003), da escritora inglesa Virginia
Woolf (1882-1941). Veja mais aqui.
CINCO POEMAS – POR QUE CANTAMOS: Se cada hora vem com sua morte / se o tempo é
um covil de ladrões / os ares já não são tão bons ares / e a vida é nada mais
que um alvo móvel / você perguntará por que cantamos / se nossos bravos ficam
sem abraço / a pátria está morrendo de tristeza / e o coração do homem se fez
cacos / antes mesmo de explodir a vergonha / você perguntará por que cantamos /
se estamos longe como um horizonte / se lá ficaram árvores e céu / se cada
noite é sempre alguma ausência / e cada despertar um desencontro / você
perguntará por que cantamos / cantamos porque o rio está soando / e quando soa
o rio / soa o rio / cantamos porque o cruel não tem nome / embora tenha nome
seu destino. VIRAR A PÁGINA: É meu lugar / meu céu / meu travesseiro / meus
insultos / sou quem sou porque os outros são / há uma história em cada
amanhecer / e em cada transparência do crepúsculo / estive doze anos sem virar
esta página / esperando sua letra suas estampas / imaginando coisas que não diz
/ mas que eram igualmente certas / sem virar esta página /ninguém pode ser
alguém / pode somar paisagens / espigões torrentes / multidões fronteiras / pode
colecionar amores e sabores / aplausos e vaias / manjares e esmolas / os rumos
os atalhos / as diferenças as indiferenças / a solidariedade e o exorcismo / as
ofertas saborosas os escândalos / os dedos que assinalam e os braços abertos / as
decepções e as recompensas / as recusas e as convocatórias / e no entanto é
verdade / sem virar esta página, / ninguém pode ser alguém. FAÇAMOS
UM TRATO: Companheira
/ você sabe / que pode contar / comigo / não até dois / ou até dez / senão
contar / comigo / se alguma vez / percebe / que a olho nos olhos / e um brilho
de amor / reconheces nos meus / não alerte seus fuzis / nem pense que deliro / apesar
do brilho / ou talvez porque existe / você pode contar / comigo / se outras
vezes / me encontra / intratável sem motivo / não pense que fraquejara / igual
pode contar / comigo / porém façamos um trato / eu quisera contar / com você / é
tão lindo / saber que você existe / um se sente vivo / e quando digo isto / quero
dizer contar / embora seja até dois / embora seja até cinco / não já para que
acuda / pressurosa em meu auxílio / senão para saber / a ciência certa / que
você sabe que pode / conta comigo. AMOR DE TARDE: É uma pena você não estar comigo / quando
olho o relógio e já são quatro / e termino a planilha e penso dez minutos / e
estico as pernas como todas as tardes / e faço assim com os ombros para relaxar
as costas / e estalo os dedos e arranco mentiras. / É uma pena você não estar
comigo / quando olho o relógio e já são cinco / e eu sou uma manivela que
calcula juros / ou duas mãos que pulam sobre quarenta teclas / ou um ouvido que
escuta como ladra o telefone / ou um tipo que faz números e lhes arranca
verdades. / É uma pena você não estar comigo / quando olho o relógio e já são
seis. / Você podia chegar de repente / e dizer “e aí?” e ficaríamos / eu com a
mancha vermelha dos seus lábios / você com o risco azul do meu carbono. SÓ
ENQUANTO ISSO: Você
volta, dia de sempre, / rompendo o ar justamente onde / o ar tinha crescido
feito muros. / Você porém nos ilumina brutalmente / e na simples náusea da sua
claridade / sabemos quando nos cairão os olhos, / o coração, a pele das
recordações. / Claro, enquanto isso / há frases, há pétalas, há rios, / há a
ternura como um vento úmido. / Só enquanto isso. Poemas
do poeta uruguaio do compromisso e cronista dos sentimentos, Mario Benedetti (1920-2009).
A ARTE DE ERIN M. RILEY
A arte da artista visual estadunidense Erin M. Riley.
Sarau
Recanto das Letras em Curitiba & muito mais na Agenda aqui.
&
A arte
da artista visual e xilogravurista sergipana Claudia Nên
&
&
Cada
qual seu quinhão, o pensamento de Mario Sérgio Cortella, a arte de Lili
Reynaud-Dewar, a fotografia de Josephine Baker, a poesia de Larissa Marques
& Homophobia é crime aqui.