QUANTOS SOU... – Aos lábios,
os beijos; um dedo, aponta; ao peito, os afetos. Aos pés, o chão. Às sobrancelhas,
as surpresas. À mão direta a fruta madura do quintal; ao olho esquerdo, o Sol
nascendo; ao pescoço, as direções. Ao braço esquerdo, o que fazer... Aos
quadris, a dança; aos joelhos, os movimentos. Ao queixo, as alturas. Ao muque,
a força; às costas, o que passou. À sede, todas as águas. Ao tórax, o fogo
interior. À cabeça, as ideias. Ao pé esquerdo, a estrada; ao nariz, o perfume
de todas as rosas; ao olho direito, a distância. Outro dedo, coça. Ao pulso,
aprumações. Aos pulmões, todos os ares. À boca, o anseio dos sabores; ao braço
direito, o abraço. Ao dedo mindinho, o pouco; a barriga, às umbigadas, pança
cheia. À garganta, quantos cantos... Aos flancos, as possibilidades. Ao ouvido
direito, o canto do passarinho; mais um dedo, tudo certo; e o outro: aqui, ó! Aos
ombros, os pesos. Ao pé direito, a ladeira; à mão esquerda, a direção; à
cabeça, todos os pensamentos e lembranças. Ao sexo, a vida! Ao coração, a
correnteza do sangue. O que sou e pra quê sirvo! O corpo é o amor da alma. Veja
mais aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS - Depois de ler dezenas de milhares de
livros, você não consegue deixar de se perguntar: onde esteve minha vida todo
esse tempo? Você engoliu
uma confusão de vidas de outras pessoas que é uma dimensão menor do que o mundo
em que você existe, não importa o quão surpreendentes eles possam ser.
Quantas noites em uma única manhã. O mundo é um inferno
onde floresce o molde precário do paraíso, ilusório como a penugem de um
dente-de-leão.
Pensamento do escritor e ensaísta romeno Mircea Cărtărescu.
ALGUÉM FALOU: Eu tinha medo de ser aniquilada por dizer não: quem se recusa a cumprir
seus deveres perde o direito de existir...
Pensamento da escritora japonesa Yōko Tawada,
que no seu livro Where Europe Begins (New
Directions, 2007), expressou que: […] Muitas vezes
me enjoava ouvir as pessoas falando suas línguas nativas fluentemente. Era como se
elas fossem incapazes de pensar e sentir qualquer coisa além do que sua língua
tão prontamente lhes servia [...] As histórias contadas pelos mortos são fundamentalmente
diferentes, porque suas histórias não são contadas para esconder suas feridas.
[...]. No seu livro Talisman (Konkursbuch
Verlag, 1996), expressou que: [...] Em nenhum
lugar encontrei tanta infância como na língua alemã. Bater, bufar,
soluçar, sorver: muitas palavras alemãs soam como onomatopeia. Para os
recém-nascidos, todas as línguas podem soar como o alemão para mim.
[...]. Ján a sua obra The Last Children of Tokyo (Granta, 2014),
expressou que: […] Na sua juventude, Yoshiro orgulhava-se de
ter sempre uma resposta pronta quando alguém lhe perguntava quem era o seu
compositor ou designer favorito, ou que tipo de vinho ele preferia. Confiante no
seu bom gosto, ele investiu tempo e dinheiro para se cercar de coisas que o
exibissem. Agora não sentia mais necessidade de usar o gosto como tijolo e
argamassa para uma estrutura chamada “individualidade” [...].
REVOLUÇÃO DAS ORBES CELESTES E A TEORIA HELIOCÊNTRICA – O
astrônomo polonês Nicolau Copérnico
(1473-1543) publicou em 1530 o Pequeno comentário sobre as hipóteses de
constituição do movimento celeste, sob preocupação com a censura eclesiástica
que adiou a divulgação a elaboração do sistema heliocêntrico, apresentando suas
ideias para em 1543 estabelecer o marco definitivo na história da astronomia,
ao publicar Sobre a revolução das orbes celestes, na qual apresenta seu sistema
cosmológico. Essa obra contem a origem do postulado revolucionário de que a
Terra se move em torno do Sol, opondo-se fundamentalmente ao princípio básico
de Ptolomeu. Esse sistema foi consagrado posteriormente pelo trabalho de Kepler
e Galileu, causando uma revolução e, ao mesmo tempo, provocou perplexidade por
parte da Igreja. Sua trajetória inspirou o documentário e curta-metragem De revolutionibus (1975), com argumento,
roteiro e direção de Tassara Marcello G e equipe em produção do MEC/INC/ECA-USP,
bem como o longa-metragem de animação Gwiazda Kopernika (A estrela de Copérnico, 2009), com
roteiro de Andrzej Orzechowsli e, também, direção de Zdiszlaw Kudla. Veja mais aqui.
CANÇÃO
DA MINHA DESCOBERTA – O poeta, médico e compositor José Carlos Capinam é autor dos livros Inquisitorial (1964), Confissões de Narciso (1987), Balança mas Hai Kai (1989) e Canção de amor às árvores desesperadas
(1996), além de Signo de Navegação Bahia e Gente e, posteriormente, Estrela do Norte, Adeus. O seu disco Viramundo (1966) traz sua parceria com
Gilberto Gil e que o faz participante do disco Tropicália (1968), reunindo a
geração formada por Caetano, Gil, Tom Zé, Mutantes, Rogério Duprat e Torquato
Neto. É autor das inesquecíveis Ponteio,
com Edu Lobo, e Papel Marché, com
João Bosco, entre outras tantas que se tornaram sucessos da música brasileira. Em
2000 ele compôs a ópera Rei Brasil 500 anos, em parceria com Fernando Cerqueira
e Paulo Dourado. Dele destacamos o seu belíssimo poema Canção da minha descoberta: Eis-me resignado. / Fugi de tudo que fui / e
pelo caminho de minha renúncia / venho buscar bandeiras novas. / Agora persigo
a palavra nova / por eles que esperam com o coração amargo / e o grito dentro
do coração. / Não poderei aceitar o silêncio / e ficar em paz com a morte dos
desgraçados / caídos sem voz em nossa porta. / As crianças minhas morreram
todas, / Possuo cada vontade, cada medo, cada ternura morta / e vou surgindo
novo entre lenços brancos / agitados de dor pela mão dos homens. Veja mais aqui.
BALADA
DO CAFÉ TRISTE – A paixão pela música que a fez estudar para se tornar uma
pianista clássica na Universidade, levou a escritora estadunidense Carson McCullers (1917-1967) a definir
seu estilo de escrita voltado pelo paradoxo do amor e o isolamento espiritual.
O seu livro A balada do café triste (The Ballad of the sad caf, 1951 –
Círculo de Leitores, 1989), confirmou sua arte juntamente com a publicação de
outros livros, até se afundar no alcoolismo e passar por uma imobilização de
paralisia até a sua morte. Dessa obra destaco esse fragmento: Na estrada de Forks Falls é a cinco
quilómetros de distância da vila, e é aí que trabalham realmente os presos. As
autoridades administrativas resolveram consertar a estrada de macadame e
alargá-la num local onde havia uma curva perigosa. O grupo compõe-se de uma
dúzia de homens, todos com a farda da cadeia e de grilheta nos pés. Há um
guarda, armado, de olhos vigilantes. Os presos trabalham todo o dia; chegam ao
nascer do Sol dentro de um carro celular, e partem ao anoitecer. Continuamente
se ouve o barulho das picaretas e se sente o calor e o cheiro do suor. Mas
também se ouve música. Uma voz soturna entoa baixinho uma nota, como que a dar
o tom; e logo outra se lhe junta; e daí a pouco estão todos a cantar. Vozes
sombrias na intensa luz dourada, música estranhamente misturada de trevas e
clarões. Aquilo avoluma-se, já custa a acreditar que emane de doze homens, pois
dá a impressão de sair da terra inteira ou de descer do vasto céu; faz alargar
o coração do auditor, causa-lhe estremecimentos de frio e de êxtase. Depois, lentamente,
esmorece, e fica apenas uma voz isolada, e por fim um som rouco e, no silêncio,
o rumor das picaretas. E que espécie de condenados a trabalhos forçados são
estes, capazes de emitirem uma música assim? Só doze homens mortais, sete
pretos e cinco brancos, oriundos da região. Só doze homens mortais, ali
reunidos na estrada. Veja mais aqui e aqui.
OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA – O escritor e jornalista Alberto Dines é autor de obras como Morte
no paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (1981), que foi adaptado para o cinema
com o título de Lost Zweig, por Sylvio Back, em 2002, como também do livro
Vínculos de fogo: Antonio José da Silva, o Judeu e outras histórias da
Inquisição em Portugal e no Brasil (1992). Ele dirigiu e lançou diversas
revistas e jornais no Brasil e em Portugal, tendo sido entre 1963/1974
professor da Universidade de Colúmbia (USA). Por sua trajetória foi contemplado
como Prêmio Cabot de Jornalismo (1970), Prêmio Jabuti (1993) por seus estudos
literários, o Austrian Holocaust Memorial Award (2007), o Austrian Golden
Decoration for Science and Art (2009) e o Grã-Cruz da Ordem do Mérito das
Comunicações (2010). É o criador do Observatório
da Imprensa, um portal que possui versões no rádio e na televisão com
análise crítica à atividade do jornalismo. Aqui a nossa homenagem pela passagem
do seu aniversário. Veja mais aqui.











