terça-feira, setembro 18, 2018

RACHEL DE QUEIROZ, SUSAN SONTAG, XAVIER VILAURRUTIA, NEILA TAVARES, RADAMÉS GNATTALI, SPENGLER, ADÉLIA KLINKE & DERILDITA


A SINA DE DERILDITA - Imagem: arte da artista Adélia Klinke. - Derildita nasceu em Quiduru, um povoado vizinho de Alagoinhanduba. Sonhava ir lá: Pai, quando a gente vai? Logo, minha filha. Mãe, quando a gente vai lá? Depois. E cresceu com tudo ao redor, até o dia em que encontrou Deginaldo: Você é daqui? Não, sou de Alagoinhanduba. Pronto. Ele não era lá essas coisas, nem podia; mas ela se encheu de esperanças num namorico arrochado entre mãos, saias, braguilhas e sarro pesado. A coisa além dos limites quando o pai dela flagrou com os ouvidos na boca dos outros: deu-lhe uma pisa e no meio das lamboradas raivosas, ela teve a petulância vingativa de dizer que não tinha mais os três vinténs – mentira só sua para desmoralizar a ira do pai -, foi escorraçada pra rua sem bem nem terém. Não tinha pra onde ir e foi ter com Deginaldo que se escondia dela depois do incidente, encontrando-o surpreso numa esquina ao meio dia. Ela não esperava aquilo: uns trocados nas mãos e a fuga alvoroçada dele. Chorou sentada no batente. Apertou o peito, empinou a venta sem direção, seguiu adiante até a condução e se foi pra nunca mais voltar. O sonho, apesar dos pesares, era real: chegou lá e andou e pernoitou e sorriu e morreu, passou fome, perdeu-se, recolheu-se a céu aberto e se desfez de si para ser o que fosse. Era outra até ser recolhida morta de fome e sono de dias, por uma mão amiga. Aquela seria daí por diante a sua única parente. Comeu, asseou-se, ganhou presentes e vestes como se fosse de casa, e era pra ela. Estava feliz, menos com as mãos do atrevimento dos homens que iam e vinham por seu corpo. Fora persuadida: não reprima, entregue. Asco contido, deu-se apesar da repulsa aos beijos, mãos, tapas e pênis nas faces, entre as pernas, entre os seios, rasgando sua carne e alma. O que parecia amor era cruel: subjugada, subtraída, seviciada. Não era isso querer, nem poderia mais querer nada, era grata, só isso. Perdia tudo de seu: nome, dignidade, afeto. A violência era o seu convívio, fodida e mal paga. Quem era? Não sabia, deixou de ser: apenas uma inútil presença qual ínfimo descarte ou perda, resto. E dançava nua entre dedadas, puxavanques e pegações, até cair desacordada aos murros e esporros. No meio de tantos martírios de quase décadas, apareceu Venancinho, um gorducho catingoso que lhe chegou com acarinho, oferecendo casa, comida e agasalho. Fugiu com ele e dividiu a vida entre o conforto e as porradas: apanhava todo dia para não botar a cara na janela, porque era uma puta na casa dele e ninguém dali podia saber que lá estava. Escrava entre quatro paredes, preparando a comida, limpando a casa, lavando roupa, cuidando da higiene que ele não tinha. Quantas vezes fedendo e aos vômitos e entupido de álcool não a fez lambê-lo e chupá-lo dos pés à cabeça, removendo detritos entre as dobras da carne com a língua e, ao final do suplício, apanhar de render-se nua e em carne viva à sua crueldade. Outros tantos anos de tormento e ela muda e servil, atravessando a vida. Foi quando ele teve um troço, uma pilora descontrolada, de se debater por socorro, ela apenas via o seu estertor, paralisada. Não sabia o que fazer, nem queria. Viu-o estrebuchar agoniado e, de repente, dar um último suspiro aliviado e ficar imóvel até o sepultamento. A família revoltada não sabia quem era ela, naturalmente a escrava responsável pela morte dele. Como sempre enxotada, voltou pra rua sem ter ninguém nem pra onde ir depois de tantos anos. Passou a ser levada pelo vento até sumir definitivamente. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, pianista e arranjador Radamés Gnattali (1906-1988): Sinfonia Popular, Concerto de Copacabana, Concerto nº 3 & Concerta para Viola & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] Aí está um estudo para se fazer. A gente procura resolver os mistérios da Lua e de Marte, mas com os mistérios que pululam ao nosso redor ninguém se preocupa. Trecho do artigo Os sobrenomes, extraído da obra Melhores crônicas (Global, 2004), da escritora, jornalista, dramaturga e tradutora Rachel de Queiroz (1910-2003). Veja mais aqui.

A DECADÊNCIA DO OCIDENTE – [...] Quem não compreender que tal desenlace é absolutamente inalterável; que nos cabe desejar isso ou nada; que temos de amar esse destino ou desesperar do futuro e da própria vida [...] quem perambular pelo mundo com idealismo provinciano, à procura do estilo de vida de épocas passadas, deverá desistir do proposito de entender a História, de viver a História, de criar a História. [...]. Trechos extraídos da obra A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da história (Zahar, 1964), do historiador e filósofo alemão Oswald Spengler (1880-1936), que em outra obra, O homem e a técnica (Guimarães & C, 1980), assinalou que: [...] Estes homens têm um menosprezo, derivado da sua vontade de domínio, por todas as limitações temporais e espaciais, colocando o ilimitado e o infinito no centro dos seus objetivos possíveis; subjugam continentes inteiros, envolvem a Terra com as suas cerradas redes de comunicação e de transportes. É esta vontade de domínio que transforma literalmente o planeta, através da força da sua energia prática e do poder gigantesco dos seus processos técnicos.[...].

O AMANTE DO VULCÃO - [...] É a entrada de um mercado de pulgas. Não se paga ingressos. É grátis. Gente mal-ajambrada. Vulpinos, brincalhões. Por que entrar? O que você espera ver? Estou vendo. Estou constando o que há no mundo. O que sobrou. O que foi descartado. O que não se quer mais. O que teve de ser sacrificado. O que alguém pensou que poderia interessar a outro alguém. Mas é lixo. Se existe algo aqui ou ali, já foi peneirado. Mas lá pode haver algo valioso. Não exatamente valioso. Mas algo que eu que eu poderia querer. Querer resgatar. Algo que me fale. Que fale aos meus anseios. Que fale com alguém, fale algo. Ah... [...]. Trecho do romance O amante do vulcão (Companhia das Letras, 1993), da premiada Susan Sontag, pseudônimo da escritora, crítica de arte e ativista estadunidense Susan Rosenblatt (1933-2004), Veja mais aqui.

TRES POEMAS - A DÉCIMA MORTE – Se tens mãos, elas me sejam / de um tato sutil e brando, / apenas sensível quando / anestesiado me creiam; / e que teus olhos me vejam / sem olhar-me, de tal sorte / que nada me desconforte / ao te roçar, ao te ver, / para não sentir prazer, / e nem dor, contigo, Morte. / Por caminhos ignorados, / por secretos entremeios, / por misteriosos veios / de troncos recém-cortados, / te vêem meus olhos fechados / penetrar-me a alcova escura / e converter-me a figura / opaca, febril, cambiante, / em matéria de diamante, / luminosa, eterna e pura. / Não durmo, querendo vcr-te, / lenta, chegar, apagada, / querendo ouvir-te, pausada, / a voz que silêncios verte; / para que, tocando o nada, / que envolve teu corpo incerto, / e ao teu aroma deserto, / possa, sem sombra de engano, / a ti saber que me irmano, / sentir que morro desperto. / O ponteiro dos segundos / percorrerá seu quadrante; / será tudo em um instante / desse espaço moribundo / que, largo, só e profundo, / será dócil ao teu passo, de modo que o tempo forte / prolongará nosso abraço / e assim será possível / viver mais depois da morte. / Morte, em vão ameaçadas / fechar-me a boca à ferida / e pôr fim à minha vida / com uma palavra baça. / Que desejas mais que faça, / se, na dor que me devora, / violei a tua demora; / se pro ver tua tardança, / para encher-me a esperança / que não morra não há hora. INVENTAR A VERDADE - Faço atento o ouvido ao peito, / como, na praia, o caracol ao mar. / Ouço meu coração latir sangrando / e sempre e nunca igual. / Sei por quem ele late assim, mas não posso / dizer o porquê será. / Se começasse a dizê-lo com fantasmas / de palavras e enganos, ao acaso, / chegaria, tremendo de surpresa, / a inventar a verdade. / Quando fingi que te amava, não sabia / que já te amava! DESEJO - Amar você com fogo duro e frio. / Amar você sem palavras, sem pausas, silêncios. / Amar você tão-só quando você quiser / e tão-só com a presença muda dos meus atos. / Amar você na ponta da língua e enquanto a mentira / em você não se diferencia da ternura. / Amar você quando finge toda a indiferença / que seu abandono nega, que funde seu calor. / Amar você cada vez que tua pele e boca / procurem minha pele dormindo, minha boca desperta. / Amar você pela solidão, se você me abandona nela. / Amar você pela cólera que acende em meu coração. / E mais que pela alegria e o delírio, / amar você pela angústia e a dúvida. Poemas do poeta e dramaturgo mexicano Xavier Vilaurrutia (1903-1950).

A ARTE DE NEILA TAVARES
A atriz, escritora, jornalista e apresentadora de televisão, Neila Tavares, em momentos de arte: no filme Cada vez mais longe (2014), de Eveline Costa & Oswaldo Eduardo Lioi; na novela Gabriela (Globo, 1975); no filme Os sensuais: crônica de uma família pequeno burguesa (1978), de Gilvan Pereira; e A enúltima donzela (1969), de Fernando Amaral com música de Egberto Gismonti; e em fotos de Guillaume St Martin. Veja mais dela aqui e aqui e uma entrevista dela aqui.

AGENDA
No meio do caminho de Tchello d’Barros & muito mais na Agenda aqui.
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A arte da artista Adélia Klinke.
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Emoções que me dou feliz de sonhar, Ludwig Feuerbach, A arte visionária de Laurence Caruana, Antônio Torres, Aníbal Beça, Jacqueline Bisset, Natália Correia, Alex Grey, Colégio Estadual Eliseu Pereira de Melo, Arnold Schoenberg, Clara Schumann, Constança Capdeville & Itamar Assumpção aqui.


MARIA RAKHMANINOVA, ELENA DE ROO, TATIANA LEVY, ABELARDO DA HORA & ABYA YALA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Triphase (2008), Empreintes (2010), Yôkaï (2012), Circles (2016), Fables of Shwedagon (2018)...