SUJEITO, INDIVÍDUO, QUEM? -
Imagem: Emigrantes, do pintor,
escultor e gravurista Lasar Segall
(1891-1957) – O Doro estava ingicado com um dos seus pariceiros, agora ex-amigo
descartado do seu rol de amizade e a quem se referia como sujeito da pior laia,
indivíduo da pior espécie. Tudo isso por conta de certa empreitada que findou
numa trapalhada com resultados para lá de danosos aos seus bolsos. Estava ele
reclamando pelos cotovelos, descascando o temerando desafeto de deixá-lo mais
sujo que pano de chão e culpá-lo por tudo quanto de ruim e desabonador
acontecesse na redondeza. Destronou o amaldiçoado e repisou-lhe a reputação até
estirar a dignidade da trepeça bem rasa rente ao chão. Estava tão emputecido
que, para ele, inclusive, se todas as penas previstas fossem pesadamente juntadas
numa coivara de punição para fazer o merepeiro ter de pagar tudo, ainda era
muito pouco, devendo ser crucificado não só pelas mãos e pés, mas com pregos gigantescos
enfiados nos olhos, no olho do cu entre os colhões, na goela adentro de sair
pelo cangote, coisa assim dessa valia, sim. Isso o mereceido. Tão indignado
estava que ele se virou pro doutor Zé Gulu a indagar se um sujeito cabra safado
desse, um individuo que não valia um cocô de louro, poderia ainda por cima se
safar da Justiça e existir impune na face da Terra. O instruído senhor apertou
os olhos, ajeitou os óculos às vistas, passou a mão à cabeça e fez menção de
saber melhor o que o abusado reclamante estava interrogando, com um simples não
entendi, explique melhor. Aí o danado do deprecante saiu desfiando o rosário de
acontecidos e passados a respeito de um tratante safado que lhe fizera
desfeita. O instruído pacientemente ouvia atento aos relatos daquilo tudo,
mantendo uma cara de interrogação tamanha. Foi aí que no meio libelo todo, ele
perdendo a paciência, perguntou pro agitado raivoso se ele sabia a diferença
entre sujeito e indivíduo. Ué, não é a mesma coisa? Não, confirmou. E saiu
explicando detalhadamente a distinção entre um e outro. O Doro, por sua vez,
estava achando bonita a conversa, enquanto ele discorria sobre a teoria da
complexidade de um certo filósofo francês chamado Edgar Morin, que tratava
sobre autoecoorganização atinente à noção de autonomia dependente do meio
ambiente, frisando o ciclo circadiano que interage com a Terra e, por essa
razão, havia de fazer distinção entre os termos. Sim? O Doro já estava meio
confundido com a eloquência com que o doutor abordava do assunto, para ele uma
loquacidade de deixá-lo zarolho sem entender patavina. As palavras do douto
falador faziam curvas fechadas no seu juízo, a ponto de deixar seu entendimento
para lá de apertado no caçuá da ideia. Foi aí que o eminente professor saiu
explicando que enquanto o sujeito é autônomo e ator da legalidade e que age
ativamente para consolidar por meio da força das ações coletivas, o indivíduo é
um produto do processo de produção, tornando-se descartável e se tornando um
resultado da servidão voluntária na dominação pelo consumo no reino do dinheiro
que se tornou um fetiche sagrado, estabelecido no conformismo da mediocridade e
não se reconhecendo mais integrante da espécie humana, nem da coletividade,
apenas a sua própria individualidade, o umbigocentrismo que tratava o outro ou
como objeto de prazer ou como obstáculo. Entendeu? Hum?!? Doro fez um esforço
tamanho e só conseguiu balbuciar: - Doutor, no frigir dos ovos, qual é mesmo a
diferença? Aí o bacharel deu um murro na mesa, tomou um gole e sapecou: - Você
é indivíduo quando tem dinheiro pra consumir, sendo útil pra sociedade
capitalista adquirindo tudo que é produzido, tangido pela propaganda pra
comprar e gastar, mostrando que você só é gente pelo que tem e não pelo que é!
Você será sujeito quando estiver cônscio de seu papel, enxergando que tudo que
está aí está errado e que, por ser agente ativo, sabe que você pode mudar tudo
que aí está, construindo sua própria história e a mudança necessária para você
e a coletividade! Agora entendeu ou quer que eu desenhe? Com a explicação,
ouviu tão atentamente e com os olhos bem abertos nas sobrancelhas da testa que
do jeito que estava no fim da fala, ele ficou estático: boca aberta, sem piscar
os olhos, paralisado. Até parou de respirar. Danou-se! Foi preciso o doutor Zé
Gulu intervir com umas tapas e sopapos dos bons pro cabra recobrar os sentidos.
Que é que houve, rapaz? Estava processando as informações. Eram muitas para
minha pouca leitura, meu pouco entendimento. E aí? Ainda está tudo embaralhado,
mas é porque o motorzinho do quengo é lento, demora, mas destá, logo logo
aprende. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Imagem: a arte da artista plástica Carolyn Anderson.
Curtindo os álbuns Emmanuelle Haim & Le
Concert D`astrée (Virgin, 2001/2003), da
organista, pianista, cravista, maestrina, Emmanuelle Haïm – a Mrs. Dynamite - & a orquestra de música barroca
Le Concert d'Astree.
PESQUISA
Princípios
fundamentais de filosofia (Hemus, 1979), de Georges
Politzer, Guy Besse e Maurice Caveing. Veja mais aqui.
LEITURA
Folhas de Relva (Harbra, 2011), do poeta, ensaísta e
jornalista estadunidense Walt Whitman (1819-1892). Veja mais aqui, aqui
e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] A
desproporção, porém, entre a grandeza de minha tarefa e a pequeneza de meus
contemporâneos, alcançou a expressão no fato de que nem me ouviram, nem sequer
me viram. Vivo de meu próprio crédito, e quem sabe é um mero preconceito dizer
que vivo? [...] sou até mesmo uma
natureza oposta à espécie de homem que até agora se venerou como virtuosa.
Entre nós, parece-me que precisamente Isso faz parte de meu orgulho. Sou
discípulo do
filósofo Dionísio, preferiria antes ser um sátiro do que um santo. [...] As palavras mais quietas são as que trazem a
tempestade que vêm com pés de pomba dirigem o mundo [...] Sozinho vou agora [...] Agora vos mando me perderdes e vos
encontrardes; e somente quando me tiverdes todos renegado eu retornarei a
vós...
Trechos extraídos do livro Ecce homo: Wie man wird, was man ist (1888 – Como tornar-se o que se é – Simões,
1957), do filósofo alemão Friedrich
Nietzsche (1844-1900). Veja mais aqui.
Imagem: Nietzsche:
desconstruindo gigantes, by Emerson
Pingarilho.
Veja mais sobre Entrega na Primeira Reunião, Franz
Kafka, Emma Goldman, Gil Vicente, Isaac Albéniz, Fritz von Uhde, Annette Bening
& Freddy Martins aqui.
IMAGEM DO DIA
Bailarina, do filósofo, psicólogo e artista gráfico argentino Claudio Adrian Natoli.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem:
arte de Kate Wiloch.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Imagem: Remnants and
Rebirth - original abstract painting, da artista plástica Sally Trace.
Recital
Musical Tataritaritatá