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domingo, fevereiro 28, 2021

TESSA BRIDAL, ROBERT LOWELL, JOSIE BESZANT, BOHUSLAV MARTINŮ & LUIS SOLER

 

TRÍPTICO DQC: O TRÂMITE DA SOLIDÃO – Ao som da Spring waltz – Mariage d’amour, de Chopin, na interpretação da pianista sul-coreana Sung Chang. - Da janela a vida pulsa em todo canto e o mundo parece sereno. Não, não está, foi mera impressão minha. Bastou apurar e lá longe o zoadeiro indiferente: a farra de vizinhos nas bolhas espalhadas, a ladainha dos fieis nos cultos acolali e alhures, filas de passantes proutras direções, as ruas cheias de pernas e pisadas. Ah, olvidam do genocídio, não estão nem aí; e o desgoverno se ocupa apenas de salvar a própria pele e dos seus. O monstro invisível captura desavisados e precavidos: milhões infectados, milhares sacudidos ao esquecimento. A impressão que tenho é que era uma vez um país... Hoje tudo é tão falso e quase não reconheço o compatriota na atitude selvagem, apesar do riso amigo e da aparência que não esconde a semelhança: são tão estranhos quanto estúpidos, como se feras prontas para me estraçalhar. Lá fora parece que não está acontecendo nada, isso entristece. No meu desolamento solidário, a escritora uruguaia Tessa Bridal: Ainda somos governados por entidades poderosas das quais não participamos de moldar ou controlar e, em lugar de poderes coloniais ou religiosos, agora temos poderes comerciais. Temos que escolher o grau em que queremos nos tornar cientes da injustiça e se e como estamos dispostos a enfrentá-la. Sim, tive sempre comigo ser imoral o desrespeito ao outro, mas como privar o faminto de se saciar diante do fausto, mesmo se o que estiver disposto seja imundície disfarçada; ou como coibir à porta escancarada à fuga do aprisionado, mesmo que dê num precipício e jamais tivera outra opção, nunca se sabe, e escapar às pressas se não quiser ficar no mesmo. Afinal está difícil viver e muito. Da minha parte, não terceirizei a vida moral e corro sempre o risco do desafio amoral, isso porque em mim doem disfarçadas dores alheias, afinal minha raça é todo mundo.

 


DOIS: OUTRA SOLIDÃO NO PAÍS DO FECAMEPA...- Imagem: da artista britânica Josie Beszant, ao som de Carnival of the Spirits (EMI, 1975), de Moacir Santos - O doutor Zé Gulu não sai mais às ruas, se muito chega à porta, toma um gole, espia pros lados, saúda conhecidos e some lá para dentro. Que foi que houve, homem? Está tudo repleto de inocentes macunaímas de mãos dadas com os das qualidades de Musil, de supostos e midiáticos heróis infames e cultores do QAnon com seguidores de algoritmos e evangélicos, afora bichos outros não identificáveis. Como é que é? Ele hesita todo dia em por os pés fora de casa: Não me sujeito a essa correnteza desvairada. Ora, ora, distanciamento social pela pandemia? Não só, era uma vez um país... Hem? Tanta lei, interesses escusos; serviço público, só corrupção; tantas mortes, tanto faz, tanto fez: quem se livrar que viva, o resto que se dane! Não me vejo mais humano, vivo entre feras e eu vitimado com o complexo do Samsa de Kafka. Pode se explicar melhor? Não existe mais o que se possa chamar de povo, só desvalidos; não há como se socorrer, a Nação ruiu à desordem e ao desperdício. Calma, doutor, hoje é segunda-feira, está começando a semana, se anime, homem! Você não deu fé da calamidade ainda, escute Mário Palmério: João Soares estava com a razão: política só se ganha com muito dinheiro. A começar com o alistamento, que é trabalhoso e caro: tem-se que ir atrás de eleitor por eleitor, convencê-los a se alistarem e ensinar tudo, até a copiar o requerimento. Cabo de enxada engrossa as mãos — o laço de couro cru, machado e foice também. Caneta e lápis são ferramentas muito delicadas. A lida é outra: labuta pesada, de sol a sol, nos campos e nos currais. Ler o quê? Escrever o quê? Mas agora é preciso: a eleição vem aí, e o alistamento rende a estima do patrão, a gente vira pessoa. Sim, sim, e daí? Marcial que o diga: É já tarde começar a viver hoje: o sábio começou ontem. As alegrias não ficam; voam e fogem. Não entendo. Ora, escute o Robert Lowell: A luz no fim do túnel é apenas a luz de um trem que se aproxima. No final, não há fim. E se ainda houver tempo é a hora do poema dele Escola de Hipócritas: converse com seu filho sobre amizade / converse com seu filho sobre respeito / converse com seu filho sobre autoestima / converse com seu filho sobre compaixão / e mande seu adolescente para a guerra. O senhor está muito negativo, doutor! Vivo do jeito que posso e sei, pra você: se for por falta de adeus, inté.

 


TRÊS: DAS MEMÓRIAS & SONHOS - Ao som da Fantaisies symphoniques nº 6, do compositor tcheco Bohuslav Martinů (1890-1959). - Daquela vez, quase inesquecível: ela Alma no meu sonho obsessivo de Kokoschka - a paixão a pleno vapor. No meio da traquinagem ela se fez Pasifae e me quis Touro indomável por tardes, noites e dias. E queria mais, muito mais. Assim eu&ela, ela&eu, bocas, mãos e sexo. Ao sair, eu me vi nos labirintos de Borges; e porque não mais voltou, restou-me o dédalo de García Marquez. A ausência e as minhas mãos vazias, coração em chamas, cabeça desencontrada. A solidão e a arte, a busca e o desejo, um projeto de estátua artesanal e nenhum segredo: ela Galateia da minha vida Pigmalião e tornou-se mais que real ao me abraçar, me beijar, dançar comigo e já até vontade própria: quer assim e assado, discorda de tudo e, depois de muito chorar aborrecida de tudo, diz que me ama e me faz feliz. Até parece jamais, fez-se carne e o meu ideal. Até mais ver.

 

AS RAÍZES ÁRABES, NA TRADIÇÃO POÉTICO-MUSICAL DO SERTÃO NORDESTINO



[...] Alguns estudiosos das tradições literário-musicais sertanejas, têm apontado serem possiveis certas influências árabes. Todavia, o comentário é feito quase sempre de passagem e às pressas, o nome dos árabes sendo mais um, na lista sumária dos virtuais contribuintes. Tudo o que até aqui levamos dito, no entanto, tende a demonstrar que esta influência foi muito mais do que isto: ela foi preponderante sobre todas as restantes. [...].

A obra As raízes árabes, na tradição poético-musical do sertão nordestino (Universitária – UFPE, 1978), violinista catalão Luis Soler Realp (1920 - 2011), quando o mesmo lecionou no Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Veja mais aqui, aqui & aqui.


 

 

terça-feira, novembro 03, 2020

AMARTYA SEN, ALICE GUY-BLACHÉ, FRANCISCO AYALA, VERA MUKHINA, LUCANO, ROSEANNE BARR, FABIANA KARLA & BUTUA

 

TRÍPTICO DQC: JANELA DO DIA - A janela e a fumaça caótica com suas pernas e braços apressados na barulheira da vida. As crianças, olhos grandes e mãos estendidas para um ou outra, entre passantes com ouvidolhos nos compromissos das agendas telefológicas. Ousam brincar de viver e é só o que sabem para não morrerem em branco. Longe de serem as da Brodowski de Portinari: Se há tantos meninos em minha obra em balanços, gangorras é que seria meu desejo fazer com que eles fossem lançados ao ar a virarem belos anjos... É Betinho com seus olhos de esperança no meu pesadelo: Essas crianças estão nas ruas porque, no Brasil, ser pobre é estar condenado à marginalidade. Estão nas ruas porque suas famílias foram destruídas. Estão nas ruas porque nos omitimos. Estão nas ruas, e estão sendo assassinadas. Ainda se despede com uma frase do poeta romano Lucano (39-65): Jamais alguém escolheu como amigo aqueles que se encontram na mais extrema pobreza. E elas estão por toda parte do Fecamepa e aprenderam não só atirar o pau no gato como em todos os bichos e de qualquer jeito se livrarem da fome e seja como for o Sol brilha e é sempre noite para elas onde quer que estejam, pés no chão sem saber ontem sempre amanhã.

 


AS PEDRAS DE BUTUA - Zé Corninho estava sumido há um bocado de tempo. Reapareceu do nada e foi logo me contando: Rapaz, fui dormir um dia desse e acordei num lugar, valha-me, cheio de ruas com degraus e paredes de pedra, um povo baixo e cheio de pantins e não me toques, de pele escura feito corvo, cabelos de urupema tudo encaracolados. Eram bem raivosos, traiçoeiros e ignorantes, vixe! Matavam por brincadeira e os funerais eram abandonar o cadáver ao pé de uma árvore, deixando lá assim ao relento. As mulheres de lá eram lindas, mas apanhavam demais. Tinha as altas e corpudas que guardavam o palácio do rei; as mais ou menos assim meio coroas para serviços domésticos e jardinagem; as adolescentes jeitosas oferecidas em sacrifício aos deuses; e as mais delicadas e formosas reservadas para os prazeres do imperador de lá. Ô bicho de sorte! Cada um dos de lá possuía quantas mulheres quisessem e pudessem alimentar. Tinha quem fosse dono de harém de mais de mil. O pior é que descobri que elas depois de dar à luz, eram condenadas a três anos de abstinência completa. Foi aí que eu me aproveitei às escondidas, flagrado pela fúria deles. Nunca vi um rei tão cruel, como também governadores e poderosos que adotavam vícios criminosos a qualquer hora e local. Quase que morro matado, não fosse comer milho, peixe e carne humana escondido. Pra eles lá, os açougueiros públicos fornecem carne de gente e de macaco, muito apreciadas por eles. Ou comia ou morria de fome. E tinha de ir ao templo porque acreditavam numa serpente que foi quem criou o mundo deles lá. Passei aperto do muito, nem sei como estou aqui são e salvo. Pronto. Quem ouviu desconfiou logo de lorota, afinal, ali quem não tinha o que fazer, jogava conversa fora e soltava das suas aos peidos e pigarros. Pergunte ao doutor Zé Gulu, ele não me deixará mentir! E foi mesmo! O douto logo esclareceu: Ah, ele está falando do Reino de Butua ou Abutua, também chamado de Tórua dos xonas do século XVI, no atual Zimbábue. Quem a descreveu com maior propriedade foi Marquês de Sade, na sua obra Aline et Valcour (1795 - Independently Published, 2019): Reino do centro da África do Sul, cuja superfície é igual à de Portugal. Ao norte faz divisa com o reino de Monoemugui, a leste, com os montes Lupata, ao sul, com a terra dos hotentotes. Os costumes de Butua são os mais depravados do que qualquer coisa que tenha sido dita ou escrita sobre o povo mais feroz da Terra. A população se entrega a todo tipo de paixão criminosa, tais como luxúria, crueldade, rancor e superstição. Considera-se que as mulheres nascem unicamente para o prazer dos homens. Apesar de seus numerosos crimes, o povo de lá é muito devoto e temente aos deuses. Cada distrito tem um líder religioso, encarregado de uma escola de sacerdotes. Em todos os templos adora-se um ídolo, metade serpente, metade humano, cópia original existente no palácio real. Os governadores das províncias devem mandar todos os anos dezesseis vítimas de ambos os sexos para seu líder religioso, que os imola em determinados dias de ritual, com a ajuda dos sacerdotes. Estes estão encarregados de curar os doentes, o que fazem com o uso de bálsamos feitos de plantas, bastante eficazes. São pagos em mulheres, meninas ou escravos, segundo a posição social da pessoa que tratam. Não aceitam alimentos em pagamento, mas, graças às oferendas deixadas nos templos, jamais sentem fome. Como são totalmente desprovidos de sensibilidade, esses selvagens não podem imaginar que a morte de um parente ou amigo possa causar a menor dor. O espetáculo da morte não provoca a menor reação e é comum que apressem o fim de alguém sem esperança de cura ou em idade avançada. Oxente, isso é o fim do mundo! Cruz-credo! E usou de Amartya Sen: Não há nenhum país perfeito no mundo. Há lições para tirar de um ou de outro. Ninguém precisa copiar um modelo de país. O essencial é raciocinar a partir das ideias que funcionaram em outros lugares. As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento, mas também seus principais meios. Mas é um povo avesso a tudo da gente, ora! Aí ele sacramentou usando do escritor espanhol Francisco Ayala (1906-2009): Dou ao país um valor acidental: não é essência, mas circunstância. E zarpou deixando a roda inflamada às discussões mais cabeludas.

 


SOU O RIO MUSA MAR & ZIS ERRÂNCIAS – Imagem: arte da escultora russa Vera Mukhina (1889-1953) – Ela invade o espaço e era a cineasta e roteirista francesa, Alice Guy-Blaché (1873-1968): Não há nada relativo à realização de um filme que uma mulher não possa fazer tão facilmente quanto um homem, e não há razão para que ela não possa dominar completamente todos os detalhes técnicos dessa arte. Demonstrei minha anuência com gesto positivo de cabeça. Ela insistiu Olympe de Gouges: Se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna. Reiterei minha solidariedade. Aí com veemência citou a atriz, escritora e comediante estadunidense Roseanne Barr: Há muito mais em ser mulher do que em ser mãe. Mas há ainda muito mais em ser mãe do que a maioria das pessoas pensa. Uma coisa que as mulheres têm de aprender é que ninguém te dá o poder de bandeja. Você tem de agarrá-lo. Estava surpreso com sua eloquente exposição. Com o dito ela baixou a cabeça, pensou um pouco em silêncio, quase ouvi suas ideias, mas evitei, assumi minha condição de plateia e deixei-a comodamente dizer o que quisesse. Contornou os cantos do meu quarto, voltou-se com um riso encantador e mencionou que me amava muito. Beijou-me, retribuí o gesto e reafirmei minha paixão por ela. Aboletou-se no meu colo com seu jeito sereia e cheiro de mar, passou os braços em volta do meu pescoço e ficou brincando de lamber meus lábios enquanto se insinuava cada vez mais achegada para me cobrir com seus encantos. Mais que receptivo fiz festa no nosso mútuo sentimento com o calor de todas as nossas emoções e prazeres. Até mais ver.

 

A ARTE DE FABIANA KARLA

Eu adoro observar as pessoas. O povo é minha matéria prima. Eu adoro ficar na praia, por exemplo, observando o comportamento das pessoas, de todos ao meu redor. Isso me dá material para trabalhar. Eu gosto de escutar o linguajar do cara que está fazendo sanduíche lá na baixada, quando o vendedor diz “manda um mendigão pra dentro ai!'”. Quando ele vê isso repercutir na televisão, ele se reconhece, ri. Faz parte viajar, conhecer pessoas, novas culturas, para você observar e ter material para trabalhar. As pessoas me percebem nos dois tons, só que elas me preferem na comédia. E eu fico envaidecida porque é muito difícil fazer comédia. Então, se elas me enaltecem como humorista, e me respeitam tanto na comédia quanto no drama, isso me deixa feliz. E pra mim, a opinião do público é como um termômetro.

A arte da atriz, humorista, escritora e diretora Fabiana Karla, que dirigiu e escreveu o roteiro do documentário O caso Dionísio Díaz (2016), atuou como atriz nos filmes Marina (2003), A máquina (2006), O palhaço (2011), Meus dois amores (2012), Tô Ryca (2016), Uma pitada de sorte (2018), entre outros. No teatro ela atuou nas peças João e Maria (1990), Balaio de Gatos (2006), Hoje me chamo Dinorá (2007), Decameron (2009), Gorda (2009), A vida em rosa (2012) e Nessa mesa de bar (2014). E na televisão atuou no Zorra Total, Escolinha do Professor Raimundo e  em diversas novelas, séries e especiais. Veja mais aqui e aqui.


 

 


domingo, novembro 01, 2020

ODYSSÉAS ELÝTIS, ELLEN TAAFFE ZWILICH, AICHA MUTEBA, LOUISE ABBÉMA, IZABEL FÁVERO & IRMÃOS VALENÇA

 

TRÍPTICO DQC: JANELA DO MEU QUARTO – Curtindo a Symphony nº 1 - Three Movements for Orchestra -, da compositora estadunidense Ellen Taaffe Zwilich - Na verdade não há janelas no meu quarto, tudo muito irrespirável. Inchei de vazio e meus outros eus para sobrevivência abriram buracos na minha cabeça e corpo, tomaram vulto e me esfacelaram. Era a salvação deles eu estraçalhado, nada mais restava de mim. Povoaram o ambiente exíguo e tomaram de mim o oxigênio escasso. Logo se dispuseram a invenção de uma janela e me convidaram para ver o mundo. Para quem só tinha os rebocos da parede a Lua é sempre minguante apesar de cheia e a chuva para beber e matar minha sede recortando palavras de jornais, revistas e livros. Do umbigo saiu-me outra cria e a pele sangrava, embora não saiba o que era antes do antes de antes, as palavras não me faltaram enquanto atribulado não escapava dos insetos a me devorar na festa de muitos e eu sozinho. Quem dança voa e eu não sei dançar nem nadar: as águas me chamavam noitedia e o mundo era só um tabuleiro de jogos, um aquário em guerra pela sobrevivência. Em cima não sei o se expande e em baixo outras se diluem. Tal como Odysséas Elýtis: Escrevo para que a morte não tenha a última palavra. Só uma coisa eu sei: vivo apesar de tudo!

 


BURACO SONOLENTO – A arte do artista congolês Aicha Muteba Lá ia Doro para cima e para baixo, mexendo no aparelho telefônico móvel sem se dar conta de nada ao seu redor. Dava trabalho aprender a como manipular aquela jeringonça em miniatura. Queimava os neurônios de quase perder a paciência com tantas operações. Não sei quantas vezes deu cabeçada em postes, tropeçou no meio fio, escorregou nos alagados e quase morreu outras tantas surpreendido com a frenagem ao atravessar desavisado pelas ruas e avenidas. Não deu outra, de tanto passar vexame entretido com aquele troço que findou caindo num buraco. Na queda fechou os olhos e deixou-se levar pelo fundo sem fundo. Com a vertigem desmaiou e ao despertar era noite num povoado desconhecido jamais visto, tentado por espíritos zombeteiros que reinavam num silêncio ensurdecedor e envolvido por acontecimentos sucessivos aos quais escapava e logo capturado por outra situação vexatória, incapaz de se livrar de tudo aquilo, vez que era perseguido por um cavaleiro sem cabeça que o fez correr a noite toda até se exaurir e cair desacordado. Descobriu-se morto num sonho em que outros sonhavam com ele numa sucessão de ocorrências intermináveis de se achar enlouquecido para sempre. Não sabe como foi parar ali e depois de tanto pelejar, de uma hora para outra estava são e salvo. Eita! Essa pinoia não tem explicação, mas diga lá uma coisa: onde que droga que era, hem? E eu sei! Pelo que narrou, só o doutor Zé Gulu identificou como sendo o mesmo local identificado do conto The legend of Sleepy Hollow, extraído da obra The Sketch Book of Geoffrey Crayon (NY, 1820), de Washington Irving: Povoado acerca de dois quilômetros da pequena cidade de Greenshugh, às margens do rio Hudson. É um dos lugares mais tranquilos da Terra, apesar dos numerosos espíritos que assombram. Os únicos sons que se ouvem são o murmúrio das águas de um riacho, o assobio ocasional de uma codorna ou as batidas de um pica-pau. Os habitantes descendem diretamente dos colonos holandeses originais. O nome do povoado vem de sua atmosfera sonolenta. Alguns dizem que foi enfeitiçada por um médico alemão nos primeiros dias de sua fundação. Outros sustentam que era o local de reunião de feiticeiros indígenas muito antes da chegada dos europeus. Qualquer que seja o motivo, o fato é que seus moradores parecem estar sob o encantamento do lugar e viver num mundo de sonho. São extremamente supersticiosos, sujeitos a transes e visões. O principal espírito que assombra o lugar é o fantasma de um cavaleiro sem cabeça, um mercenário essênio cuja cabeça foi arrancada por uma bala de canhão numa batalha esquecida da guerra de independência. Os historiadores afirmam que seu corpo jaz no cemitério da igreja e que ele cavalga à noite em busca de sua cabeça perdida, retornando ao seu túmulo antes do amanhecer. Danou-se! Olhares de soslaio e o culto filósofo ousou com uma frase do escritor e psicólogo Ph.D. estadunidense, Timothy Leary (1920-1996): O meu conselho para as pessoas atualmente é o seguinte: se você leva o jogo da vida a sério, se você leva o seu sistema nervoso a sério, se você leva os seus órgãos de sentido a sério, se você leva o processo da energia a sério, você tem que se ligar, sintonizar e cair fora. Todos riram e levaram na conta da pilhéria: Ô doutor, o senhor não acha que a gente está endoidecendo assim e essa cabra cheio de artes, hem? Ele ficou sério, empurrou com o indicador o óculos ajustado às vistas e sacou para todos os presentes Doris Lessing: A arte é o espelho dos nossos ideais traídos. Qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo, irá florescer em cem talentos e capacidades inesperadas, simplesmente por lhe ser dada a oportunidade de o fazer. Aprendizado é isso: de repente, você compreende alguma coisa que sempre entendeu, mas de uma nova maneira. Soltou essa e deixou-os intrigados: O que é que ele queria mesmo dizer, hem? Sei lá!

 


A CENA & A DOR SOLIDÁRIA DELA – Imagem: ate da pintora, escultora e gravurista francesa Louise Abbéma (1853-1927) – De súbito ela entrou em cena: era a professora Izabel Fávero depondo: Eram mais ou menos 2 horas da manhã quando chegaram à fazenda dos meus sogros em Nova Aurora. A cidade era pequena e foi tomada pelo Exército. Mobilizaram cerca de 700 homens para a operação. Eu, meu companheiro e os pais dele fomos torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico. Fomos literalmente saqueados. Levaram tudo o que tínhamos: as economias do meu sogro, a roupa de cama e até o meu enxoval. No dia seguinte, fomos transferidos para o Batalhão de Fronteira de Foz do Iguaçu, onde eu e meu companheiro fomos torturados pelo capitão Júlio Cerdá Mendes e pelo tenente Mário Expedito Ostrovski. Foi pau de arara, choques elétricos, jogo de empurrar e, no meu caso, ameaças de estupro. Dias depois, chegaram dois caras do DOPS do Rio, que exibiam um emblema do Esquadrão da Morte na roupa, para ‘ajudar’ no interrogatório. Eu ficava horas numa sala, entre perguntas e tortura física. Dia e noite. Eu estava grávida de dois meses, e eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara, ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Depois disso, me colocaram num quarto fechado, fiquei incomunicável. Durante os dias em que fiquei muito mal, fui cuidada e medicada por uma senhora chamada Olga. Quando comecei a melhorar, voltaram a me torturar. Nesse período todo, eu fui insultadíssima, a agressão moral era permanente. Durante a noite, era um pânico quando eles vinham anunciar que era hora da tortura. Quando você começava a se recompor, eles iniciavam a tortura de novo, principalmente depois que chegaram os caras do DOPS. Durante anos, eu tive insônia, acordava durante a noite transpirando. De Foz, fomos levados para o DOPS de Porto Alegre, onde houve outras sessões de tortura, um na frente do outro. Depois, fomos levados de volta para Curitiba, onde fiquei na penitenciária de Piraquara. Quando finalmente fui para a prisão domiciliar, que durou quatro meses, eu sofri muito, fui muito perseguida e ameaçada. Recebia telefonemas anônimos, passava noites sem dormir. Era ela e Iara, Rose, Heleny, Marilena, Helena, Labibe e Alceri, todas filhas das dores e abraçada em mim para que eu lhe dissesse apenas um verso de Jorge de Sena: Deitado à tua beira, sei que se rasga, eterno, o véu da Graça. Sou-lhe inteiro e todo seu. Até mais ver.

 

A MÚSICA DOS IRMÃOS VALENÇA

O teu cabelo não nega mulata / Porque és mulata na cor / Mas como a cor não pega mulata / Mulata eu quero o teu amor / Tens um sabor bem do Brasil / Tens a alma cor de anil / Mulata mulatinha meu amor / Fui nomeado teu tenente interventor / Quem te inventou meu pancadão / Teve uma consagração / A lua te invejando faz careta / Porque mulata tu não és deste planeta / Quando meu bem vieste à terra / Portugal declarou guerra / A concorrência então foi colossal / Vasco da gama contra o batalhão naval.

O teu cabelo não nega, parceria de Lamartine Babo com os compositores Irmãos ValençaRaul Valença (1894-1977) e João Valença (1890-1983), que compuseram inúmeras músicas e integraram o grupo teatral Grêmio Familiar Madalenense. Veja mais aqui & aqui.

 


 


terça-feira, outubro 27, 2020

SYLVIA PLATH, DYLAN THOMAS, JEAN ACKER, GRACILIANO, ROSE NOGUEIRA, JOSÉ BARBOSA & A SEREIA DO ROBIMAGAIVER


  

TRÍPTICO DQC: PALÁVORA METAFÁBULA - Estradafora passadopasso futuronde errânbulos vidoutráfego. Realizarpar precisora, adivinhanando portabertas & realsonhalizar velacesa desertormentas. Volvouver, voltainda, vamboramanhã, desdontem jagora! Feridoída, saravento. Dylan Thomas: A bola que lancei quando brincava no parque ainda não tocou o chão. A lição de Graciliano Ramos: É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. E faço e refaço, torno a refazer, sempre. O que foi e o que irá: todos. O que não me mata me faz viver. O que não me atiça não me falta nem existe. Quem não tem audácia não vive. Quem não se arrepende não faz.

 


A SEREIA DA LOROTA - Imagem: Art Deco handmade Sculpture nude beauty Mermaid Bronze copper Statue. - Depois do Pipoco da porra, da paixonite do besouro doido, da presepada com a culpa no cartório e das emboanças malsucedidas no Big Shit Bôbras, Robimagaiver havia desaparecido fazia tempo e, de repente, deu as caras para lá de lívido e às carreiras. Que foi que houve? Escapei fedendo! Como assim? Arfante, não dizia coisa com nexo. Aí Zé Corninho sapecou: Esse cabra mente que o cu apita! Todos concordaram e juntando curioso ao redor dele, só de mutuca para apurar a pinoia. Foi de mesmo, cara! A gente já saca tua pacutia, fidapeste! Foi mesmo! Vai-te! Vou contar. Então, conta. Seguinte: uma reboculosa daquelas que não é pro meu bico, sei o trampo que carrego, meu carrinho de mão e coisa e tal, e pelo jeito ela deu mole! Espia só: o sujeito juízo curto, mulher bonita, só dá merda! E deu. Passo o rodo, caiu na rede é peixe. E era. Foi só me abestalhar nuns xambregos bons e ineivados e lá pras tantas findar na beira do rio. Pega aqui, pega acolá. Nem aí, depois do sarro era a hora do vamos ver e ela timbungou, tirou a roupa e ficou só me atiçando. Sou lá de refugar na horagá, desvesti tudo num mergulho só. Dali a pouco no meio dos agarrados e umbigadas, um peixão passou pela batata da perna: Tem peixe grande na área! E ela se ria toda não me toques e vem e vai. Passou de novo, pelo volume, vôte, é dos grandões. Tá doido, quero lá ser devorado por jacaré ou sei lá o quê, pulei fora. Oxe, ela danou-se a cantar e a vista escureceu, tonteei e apaguei. Quando dei fé depois de num sei quanto tempo, ela era a peixa. Pode? Aí, foi pior, tive um troço com o pega-pega e só me acordei num lugar desconhecido em que ela não era mais uma peixa, era uma ave com cara de mulher! E queria me pegar. Onde já se viu? Dei uma carreira, nadei num sei quantos dias, ela atrás, grasnando, eu tome braçada, pelo jeito acho que rodei o mundo até despistá-la e chegar em casa. Ufa! Escapei fedendo, meu! Como é? A tropa toda deu sinal de lorota: E quando foi que aprendesse a nadar, desgraçado? A necessidade ensina! Ah, não! Nessa hora ia passando o doutor Zé Gulu que foi atrapalhado pela mangação e teve de ouvir todo relato do dito cujo. Ah, sim, se é verdade ou não, pela descrição do lugar que você deu, não resta dúvida que é a Ilha das Sereias. Como? Sim, é uma ilha incerta do Mediterrâneo e que muitos autores falaram deste lugar: a Odisseia de Homero, a Argonáutica de Apolônio de Rodes, a Die Lorerei de Henrich Heine e o Ulisses do James Joyce, reza a lenda: com seu canto melodioso, as Sereias atraem os marinheiros que, inconscientes do perigo, naufragam nos rochedos da ilha. Êpa! A turma com o mestre pelo canto do olho: Ô doutor, diga cá uma coisa: como é que um frebento desse passa por uma dessa e sai ileso, me diga? A turma do qual é: Nem nadar o bexiguento sabe! Onde já se viu um embola-bosta desse todo topetudo pra bancar o bonzão pra cima da gente, ora! Com todo respeito, doutor, mas não dá para acreditar numa lorota dessa!

 


ELA ENCENA & O AMOR É REAL - Imagem: arte da atriz estadunidense Jean Acker (1893-1978) – Adentrou seminua na noite e disse: Sou Rose. A jornalista e defensora dos direitos humanos, Rose Nogueira. E passou o texto: “Sobe depressa, Miss Brasil’, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM, de Esquadrão da Morte. Todos deram risada quando entrei. ‘Olha aí a Miss Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca’, disse ele. Um outro: ‘Só pode ser uma vaca terrorista’. Mostrou uma página de jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido. Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu. Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e um empurrão. Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele, esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo. Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com um olhar de louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha coxa. O torturador zombava: ‘Esse leitinho o nenê não vai ter mais’. ‘E se não melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.’ Esse foi o começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu filho. ‘Vamos quebrar a perna’, dizia um. ‘Queimar com cigarro’, dizia outro”. E chorava com todos os poros, vísceras & sangue, estirada no chão e a mencionar nomes perdidos, Heleny, Marilena, Helena, Labibe, Alceri: sou todas elas e elas são em mim o último suspiro de vida. Levantei-me até ela e, num abraço, soluçava. Disse-me Sylvia Plath: Acho que criei você no interior da minha mente. Quando você entrega todo o coração a uma pessoa e ela não aceita, não dá para pegar de volta. Você o perde para sempre. Disse-lhe apenas: vivocê! E nos beijamos para a eternidade. Até mais ver.

 

O MUNDO DE JOSÉ BARBOSA

A arte do escultor, entalhador, pintor, desenhista, ilustrador e gravador José Barbosa da Silva, que organizou o Movimento Arte Ribeira, em 1963, e participou do início da Tropicália, do Cinema Novo e da Nova Figuração de artes plásticas, tendo participado de individuais e coletivas em países como Alemanha, França, Espanha, Chile, Inglaterra, USA, Suíça, entre outros. Veja mais aqui e aqui.

 


sexta-feira, março 06, 2020

PEARL BUCK, AMY LOWELL, BRIGITTE CARNOCHAN, INES LEMPEK & ADRIANA DE HOLANDA


TODO DIA É DIA DA MULHER – UMA DE VERA COM OUTRA ROSA: Vera ia e vinha nem aí pros fius e psius. Na dela, jeitosa e impunemente: sorria o Sol, animava a passarinhada, a cidade se alvoroçava toda. Havia quem não simpatizasse: as invejosas acusavam-na de Bruxa das Pancs: Olhela, já vai toda amostrada! Os rejeitados resmungavam: Eita, lá vai toda cu doce, vixe, que maldição! Quem nunca sonhou tê-la por posse exclusiva ainda não nasceu ou tinha morrido antes dela desabrochar pra vida. Inacessível para os dali, os desocupados faziam de tudo para chegar junto, desafiavam sua inteligência. E ela, toda Rosa Parks: Eu gostaria de ser lembrada como uma pessoa que queria ser livre… para que outros também pudessem ser livres. Acredito que estamos aqui no planeta Terra para viver, crescer e fazer o possível para tornar este mundo um lugar melhor para que todas as pessoas desfrutem de liberdade. Ô minha filha, em que planeta você vive, hem? Essa parece mais que vive no mundo da Lua, só sendo! E as más línguas: Metida, ela se acha toda tuda! DUAS, PASSANDO NA CARA: Como sempre, os incultos amundiçados na maior refrega, maior discórdia: cada um, por si, dono da razão. E lá vão tirar a limpo o assunto com o doutor Zé Gulu que, invariavelmente, chama a turma na grande: Tá! E como você quer ser lembrado? Eu? Sim. Ah, depois que eu morrer quero lá saber o que vão pensar de mim, doutor! E você? Ah, se vivo sou enjeitado, depois de morto podem se lascar. Cada um dava seu parecer: depois de bater as botas, babau. Que se danem! E o senhor? O doutor Zé Gulu ajustou os ósculos com o indicador no pau da venta, pigarreou e sapecou: Como dizia Ayn Rand, O mundo que você anseia pode ser conquistado. Existe, é real, é possível, é seu. E saiu, assim, na sua, sem mais nem menos. Hem? Quem foi que ele falou? Sei lá, entendi patavina. Nunca entendo o que ele diz. Ah, mas é doutor Zé Gulu, meu! Ah, tá. Os presentes, então, entreolharam-se e anuíram: Esse doutor é meio biruta, né? Abilolado demais. Num diz coisa com isso ou aquilo. Oxe, bote doidice, leu demais dá nisso: endoida! Eu, hem? TRÊS: APRENDER O QUE NÃO SABE - Rapaz, eu já passei da idade de aprender. Escola é coisa pra essa meninada ter jeito de gente, tudo uns maleducados, sem modos. Pois é, eu mesmo fui pra escola, decorei que só e esqueci tudo. Num é que eu também: de que adiantou levar palmatória, decorar tabuada, os tempos dos verbos, não vi serventia até hoje! A minha professora era carrasca! Ah, não era pior que a minha: chata e cricri. E os livros? Nunca gostei disso, coisa de ler é pra baitola ou aluado. E a gente mesmo assim passava de ano, sabendo de tudo. Hoje os tempos são outros, valeu de nada, aprendi com a vida, essa a melhor escola. Pois digo eu: se eu descobrisse quem inventou estudo, eu mandava matar na hora! Nessa hora aparece a imagem de Amy Lowell na tevê e o locutor dizendo: Os livros são mais do que livros, eles são a vida, o coração e o núcleo dos séculos passados, a razão pela qual os homens trabalharam e morreram, a essência e a quintessência de suas vidas. Eita, que é isso aí na tevê? Sei lá. Eu vi mas não enxerguei. Nem eu. Isso é lá conversa pra boi dormir, ora. É. Vamos tomar a ideira que está ficando tarde. Vambora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: [...] Ela trabalhava agora o dia inteiro e a criança ficava dormindo, no chão, em cima de um velha coberta acolchoada. Quando chorava, a mulher interrompia o trabalho, descobria o seio e sentava-se no chão para o amamentar. O sol caia sobre ambos, o sol tardio dos fins de Outono que conserva o ardor do Verão até que o frio do Inverno o afugenta, e sob os seus raios, a mulher e a criança, tão morenas como a gleba, pareciam duas estátuas de terra. A poeira dos campos polvilhava os cabelos da mulher e a macia cabeça negra do menino. Mas do grande seio da mulher, fluía, branco como a neve, o leite que alimentava a criança, e enquanto um era sugado do outro manava leite como de uma fonte. E ela deixava-o correr. Havia leite de sobra para o menino, por mais insaciável que ele fosse, chegando até para muitas crianças; e, orgulhosa da sua abundância, O-lan deixava-o correr descuidada. E tinha cada vez mais. Às vezes levantava o peito e deixava o leite correr para o chão, para não sujar a roupa, e perdia-se na terra, formando no chão uma mancha mais escura, mole e untuosa. O menino estava gordo, sadio, e absorvia a vida inesgotável que a mãe lhe dava. [...] Havia um sinistro presságio na estranha serenidade daqueles dias em que a terra os abandonava. Só para a petiza não havia receios. Tinha à sua disposição os dois robustos seios da mãe, que até aí chegavam bem para satisfazê-la. [...]. Trechos extraídos da obra Terra bendita (Livros do Brasil, 1956), da escritora e sinologista Prêmio Nobel de Literatura de 1938, Pearl Buck (1892-1973). Veja mais aqui.

A POESIA DE AMMY LOWELL
OPALA: És gelo e fogo, / Teu toque queima minhas mãos como a neve. / És frio e chama. / És o carmesim da amarílis. / O prateado das magnólias tocadas pela lua. / Quando estou contigo / Meu coração é um tanque gelado / Cintilando com tochas agitadas.
DÉCADA: Quando vieste, tu eras igual ao vinho e ao mel / E teu gosto incendiou minha boca com sua doçura. / Agora tu és como o pão manhã, / Suave e agradável. / Apenas te degusto, já que conheço teu sabor / Embora eu esteja completamente saciada.
UMA OFERENDA QUEIMADA: Porque não havia vento, / O fumo das tuas cartas pairou no ar / Por muito tempo; / E a sua forma / Era a forma do teu rosto, / Minha Amada.
AMMY LOWELL – Poema da poeta estadunidense Amy Lowell (1874-1925), condecorada postumamente com o Prêmio Pulitzer de Poesia, em 1926. Ela foi integrante do Movimento Imagista de Ezra Pound.
&
POEMAS DE INES LEMPECK
MARESIA: quando sua maré enche / esvazia-se de certezas / ventania que devassa / em cada célula / uma interrogação / e quando troca de lua / se enche de estranhamentos / quando sua maré baixa / a onda reversa / deixa na superfície da pele / minúsculos sobreviventes / resquícios da viração / então na calmaria respira / afrouxa o nó dos sustos / esvazia os poros de medos / faz preenchimento de desejos / sem prazos nem validades.
FLOR DA PELE: Abre-te sol / no verão tropical / gringos na praia / purpurina no metrô / ombro vermelho / calor à flor da pele / corpo molhado / flor no chão / pedras na calçada.
III - o dia segue / os sonhos passam / acima dos ombros / voando como nuvens / num entra e sai / pelas orelhas atentas / suprema vertigem / olhares de horizonte.
IV - Há também / o tsunami do bem / sol e mar / alquimia intensa / num eterno poetar.
V - Travessa na mão / livros na sacola / pés no chão / poemas na imaginação.
INES LEMPECK – Poema da poeta e psicóloga Ines Lempek, especialista em Psicanálise e Cultura pela UnB, participando de antologias, oficinas, revistas literárias e blogs. Ela é autora do livro de poemas O avesso do clima (Bestiário, 2019).

A ARTE DE BRIGITTE CARNOCHAN
Muitas das minhas lembranças mais claras são sobre comida pós-guerra - como tomates crescendo na horta comunitária que meu avô recuperou após a guerra. Havia também morangos naquele jardim que amadureciam no meu aniversário e galinhas no quintal e o vendedor de batatas chegando nna rua com seu carrinho, e as lembranças de finalmente ter idade suficiente e levar um balde para a loja onde estávamos alinhados para receber a ração de leite. Em minha memória, parece haver uma abundância de comida, mas, de fato, era racionamento severo e muitas pessoas com muita fome, como em outras partes da Europa e do Reino Unido.
BRIGITTE CARNOCHAN - A arte da artista visual estadunidense Brigitte Carnochan que produz uma grande variedade de trabalhos fotográficos desde o final dos anos 90, começando com a investigação dos gêneros clássicos de flores e nus. Sua arte frequentemente combina elementos de pintura que os impregnam com uma luz semi-espiritual. Mais recentemente, seu trabalho investigou as complexidades ocultas de sua própria família, com um pai que estava no exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Suas fotografias usaram elementos de seu passado para criar colagens de fotos que são mapas de memórias. Veja mais aqui.

TODO DIA É DIA DA MULHER PERNAMBUCANA
Imagem: Mameluca woman, do pintor e desenhista holandês Albert Eckhout (1610-1665).
MEMÓRIA: Adriana de Holanda (1542-1645), colonizadora de Pernambuco que, juntamente com seu marido Christoph Lins, estabeleceu-se em Porto Calvo, na região onde hoje é o estado de Alagoas, fundando sete engenhos de cana-de-açúcar e vivendo por mais de cem anos de idade.
A música do instrumentista, cantor e compositor Dominguinhos (José Domingos de Morais – 1941-2013), o documentário Dominguinhos (2014) & Veredas Nordestinas (Continental, 1989), o dvd Ao vivo em Nova Jerusalém (Globo Nordeste, 2009) e cd/DVD Iluminado (Biscoito Fino, 2010) aqui e aqui.
Desmanchando o nordeste em poesia, do poeta popular Manoel Bentevi (1911-1999) aqui e aqui.
A guerrilheira perfumada: crônicas do amor diário, do jornalista e escritor Ronildo Maia Leite (1930-2009) aqui & aqui
As prosas de Izabel Marques aqui & aqui.
Água, Vida Água, do poeta e ativista cultural João de Castro aqui.
Circo Itinerante aqui.
As Tribos de Águas Belas aqui & aqui.
&
OFICINAS ABI
Veja detalhes das oficinas da ABI aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
 

segunda-feira, setembro 24, 2018

KAFKA, OCTAVIO PAZ, NISE DA SILVEIRA, HENRIQUE ANNES, MARIA BONOMI, MIMMO PALADINO & ZÉ GULU


O SUMIÇO & O PACTO DO GULU – Imagem: arte da gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora Maria Bonomi - Dizem e como falam: O doutor Zé Gulu sumiu. Cadê-lo? Quem sabe! Ainda a semana passada estava ele ali. Não, meu, mais de mês que ele não dá as caras, semestres, anos. Danou-se! Outro chegava: Qued’ele? Desapareceu faz tempo. Será que ele se envultou? Num diga. No meio, saiu essa: Ele foi dá uma chegada no Coisa Ruim. Como é? Quem falou, não sei, ninguém sabe. Insinuações, ah, conversa mole. Como é? Boato. Não, apenas, alguém disse e pegou. Entre comentários e bisbilhotices, ninguém dava conta dele. Daí pra difamação foi um pulo: o falatório crescendo. Adonde é que ele mora? O mistério aumentava. Lá longe. Onde mesmo? Num sítio abandonado - e outras invencionices carregadas de coisas fantásticas. O boi de fogo ganhou a preferência entre arredios e antipatizantes: O homem tem lá suas tretas. Isso é lá coisa que se invente, hem? Vamos tirar isso a limpo. E foram. Dia de chuva braba, ambiente sinistro, situação aziaga: zoada de bichos, escorregões, torada de aço. O que foi mesmo que a gente veio fazer aqui? Juntaram-se: Os frouxos que se danem, quem tiver coragem que vá. Idas e vindas, bateram à porta. Nenhum sinal de vida. Invadiram assim mesmo. A cena horripilante: teias de aranha, casa abandonada, silêncio sepulcral e no meio da escuridão: poucos móveis, livros amontoados e empoeirados, espelhos, castiçais e velas, bússolas, réguas, compassos, ambiente macabro daqueles magos cientistas. Acenderam umas tochas com o que acharam e conseguiram ver entre as publicações o Prometeu de Ésquilo, The Fornicarius do Johannes Nider (1380-1438), as façanhas do cruel Gilles de Rais (1405-1440) depois da morte de Joana D’Arc (1412-1431); escritos do lúbrico padre francês Urbain Grandier (1590-1634), aquele que foi queimado na fogueira e contado pelo astrônomo Carl Sagan (1934-1996); o doutor Faustus do séc. XVI do poeta Christopher Marlowe (1564-1593) que foi imortalizado pelo poeta Goethe (1749-1832); a teodiceia de Leibniz (1646-1716), as composições musicais de Giuseppe Tartini (1692-1770), imagens do Frauenkirche de Munique, as sujidades de Marquês de Sade (1740-1814), a poética pictórica de William Blake (1757-1827) influenciado por Shakespeare, Paracelso e Böhme; a dialética do negativo de Hegel (1770-1831), as músicas de Nicolo Paganini (1782-1840) que por não cumprir o acordo foi acometido pela Síndrome de Marfan e, tendo, por isso, rejeitado o seu sepultamento; a mitologia satânica de Byron (1788-1824) e Vigny (1797-1863), a pintura de Eugène Delacroix (1790-1863), as funestas histórias de Edgar Allan Poe (1809-1849) com todos os seus pseudônimos; a edição das Flores do Mal de Baudelaire (1821-1867), a poética dramatúrgica de Álvares de Azevedo (1831-1852), O padre Amaro do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900), as escrituras diabólicas de Giovanni Papini (1881-1956), a fabulação de Flaubert (1821-1880), os Cantos de Maldoror de Lautréamont (1846-1870), O Septem Sermones ad Mortuos de Carl Gustav Jung (1875-1961), o Demian de Hermann Hesse (1877-1962), O mal de Georges Bataille (1897-1962), a literatura tenebrosa de Machado de Assis (1839-1908), a poesia diabólica dos heterônimos de Fernando Pessoa (1888-1935), o Paraíso Perdido de James Hilton (1900-1954), o Pacto com a Serpente de Mario Praz (1896-1982), o pacto na encruzilhada do Mississippi do blueseiro Robert Johnson (1911-1938), os grandes sertões de Guimarães Rosa (1908-1967), a pintura horrenda das crianças de Giovanni Bragolin (1911-1981) e de Anna Zinkeisen (1901-1976); o ritual do shaman do poeta Jim Morrison (1943-1971) e da banda The Doors; o Evangelho de Saramago (1922-2019) e o do Padre Bidião, a oração da Cabra Preta, as lendas de Branca Dias, Xeréu Trindade do Pantanal e do boneco Fofão do ator Orival Pessini (1944-2016), afora outras estranhices que versavam sobre alquimia, esoterismo, magia, cabala, coisas do outro mundo, poder, elixir da vida e a eterna juventude, disso e doutras ocultidões. Pronto. Estava selado: Num é mesmo que o homem é achegado às coisas do capeta!?! Arrepiaram da cabeça aos pés. Olharam-se: doido é quem fica! Os que lá foram não queriam falar do que viram; só à boca miúda, segredando. Qualquer menção era cuidada com benzeções de Deus me livre e beijos no crucifixo. Valha-me. Dali por diante, todos temiam aquele que um dia fora o mais sábio – agora amaldiçoado - entre os alagoinhandubenses. Mas qual é mesmo o paradeiro do doutor Zé Gulu, hem? Desavisado que seu cuide. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista e compositor Henrique Annes: Ao vivo, Raio de Sol, Violão Brasileiro & com Oficina de Cordas & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] Nesse pedaço de natureza que é a psique acontecem fenômenos de ordens diversas, misteriosos, arquetípicos, imaginários, racionais... todos se cruzando e percorrendo caminhos de muitas voltas. É apaixonante tentar acompanha-los, pois nenhum, mesmo em estados do ser ditos patológicos, jamais perde o imantado fio que lhe dá sentido. [...]. Trecho extraído da obra O mundo das imagens (Ática, 1992), da médica psiquiatra e psicoterapeuta alagoana Nise da Silveira (1905-1999). Veja mais aquiaqui, aqui e aqui.

A ARTE & O ARTISTA - [...] o artista, como um dançarino na corda bamba, move-se em várias direções, não porque seja habilidoso, mas por ser incapaz de escolher apenas uma direção [...]. Trecho de Transvanguarda, do pintor e escultor italiano Mimmo Paladino, extraído da obra Estilos, escolas e movimentos: guia enciclopédico da arte moderna (Cosac & Naify, 2003), de Amy Dempsey, traduzido por Carlos Eugenio Marcondes de Moura.

O ESTRANGEIRO -  [...] Você não pode sair; está detido. - É o que parece – disse K. -, e por quê? – perguntou depois. - Não nos cabe explicar isso. Volte para seu quarto e espere ali. O inquérito está em curso, de modo que se inteirará de tudo em seu devido tempo. Saiba que exorbito das minhas atribuições ao falar-lhe tão amistosamente. Confio, porém, em que apenas me ouça. [...]. Se você continua tendo tanta sorte como na designação dos seus guardas pode alimentar esperanças [...] - É melhor que nos confie suas coisas [...], pois frequentemente no depósito acontecem fraudes e além do mais costuma-se ali, depois de certo tempo, vender tudo sem que ninguém se incomode em verificar se o inquérito em questão terminou ou não. E quão demorados são os processos deste tipo, especialmente nos últimos tempos! Claro está que, em última instância, você receberia o dinheiro obtido da venda que certamente seria pouca coisa, visto que na operação o preço não é determinado pela importância da oferta, mas pelo montante do suborno; além do mais, ao passar de mão em mão, conforme a experiência o demonstra, tais somas vão se tornando cada vez menores [...] - Nós somos apenas empregados inferiores que pouco sabemos de documentos já que nossa missão nesse assunto consiste somente em montar guarda junto a você durante dez horas diárias e cobrar nosso soldo por isso. Aí está tudo que somos; contudo, compreendemos bem que as altas autoridades a cujo serviço estamos, antes de ordenar uma detenção examinam muito cuidadosamente os motivos da prisão e investigam a conduta do detido. Não pode existir nenhum erro. A autoridade a cujo serviço estamos, e da qual unicamente conheço os graus inferiores, não indaga os delitos dos habitantes, senão que, como o determina a lei, é atraída pelo delito e então somos enviados, os guardas. Assim é a lei, como poderia haver algum erro? - Desconheço essa lei – disse K. - Tanto pior para você – replicou o guarda. - Sem dúvida, esta lei não existe se não na imaginação de vocês – prosseguiu dizendo K., com a intenção de penetrar o pensamento dos guardas, procurando induzi-lo em seu favor. O guarda, porém, limitou-se a dizer: - Você logo sentirá o efeito desta lei. - Observe bem, Willem; por uma parte admite que desconhece a lei e por outra afirma que é inocente. - Tens razão, mas não podemos fazê-lo compreender isso – disse o outro [...]- Estará você muito surpreso pelo inquérito desta manhã? – indagou o inspetor [...]. - Certamente – retrucou K., sentindo-se contente por achar-se enfim diante de um homem razoável, o qual sem dúvida havia de compreendê-lo apenas K. lhe falasse de seu assunto. - Certamente, estou surpreso, porém de modo algum surpreendido. - Quem não está muito surpreendido? – perguntou o inspetor [...] Infiro-o do fato de ver-me acusado sem que seja possível encontrar que eu tenha cometido o menor delito pelo qual se justifique uma acusação. Mas isso também é acessório; o fundamental é outra coisa: quem me acusa? Que autoridade superintende o inquérito? Vocês são funcionários? Nenhum de vocês tem uniforme, não seja o caso de querer-se denominar uniforme [...] essa vestimenta que, contudo, é antes um traje de viagem. Tais são as questões que eu peço que me esclareçam. Além do mais, estou convencido de que depois dessas explicações haveremos de nos despedir do modo mais cordial. O inspetor deixou cair a caixinha de fósforo sobre a mesa. - Você encontra-se em erro crasso – disse. – Estes senhores que vê aqui, e eu, desempenhamos um papel completamente acessório em seu assunto, do qual, para dizer a verdade, não sabemos quase nada. Se trouxéssemos nossos uniformes do modo mais regular possível, nem por isso sua causa estaria melhor do que está. Muito menos lhe posso dizer, a você, de modo algum, que está acusado, ou, dizendo melhor, não sei se o está. O certo é que está detido. Isto é tudo quanto sei. Se os guardas estiveram falando com você e sugeriram outra coisa, não deve encarar isso se não como simples falatórios. Mas se não posso responder às suas perguntas, posso em troca aconselhar-lhe que pense menos em nós e naquilo que lhe aconteceu esta manhã e mais em você mesmo. Por outro lado não alvorece tanto com protestos de inocência porque isso causa má impressão, sendo certo que a outros respeitos você impressiona bem. Sobretudo, tem que se moderar em suas manifestações, pois quase tudo quanto acaba de dizer podia tê-lo expressado com algumas palavras e podíamos tê-lo entendido pela sua atitude; tudo isso não fala muito em seu favor [...] E bem, ouvi alguma coisa, mas de modo algum posso dizer que se trate de coisa particularmente grave. É certo que o senhor está detido, mas não detido como um ladrão; quando se detém a alguém como ladrão, então o assunto é grave, mas esta detenção... perdoe-me o senhor se digo alguma bobagem, ocorre-me que se trata de algo especial, de algo acadêmico, que por certo de nenhum modo compreendo, mas que, por outro lado, não tenho também a obrigação de compreender [...] - De maneira – disse o juiz de instrução, folheando o caderno e voltando-se para K. com o tom de quem deseja comprovar alguma coisa – que você é pintor de pincel gordo. -Não – respondeu K. – Sou o primeiro procurador de um grande banco. A esta resposta seguiu-se uma grande risada por parte da metade direita da sala, tão cordial, que K. também se pôs a rir. [...] O juiz de instrução ardeu em cólera e, como pelo que se via não podia fazer nada contra a gente de baixo, procurou desforrar-se ameaçando aos da galeria; pôs-se de pé em um salto e arqueou as sobrancelhas, que habitualmente não despertavam a atenção, mas que nesse momento se manifestaram negras, hirsutas, gigantescas, sobre os olhos. [...] - Sua indagação, senhor juiz de instrução, se eu sou pintor de pincel gordo (embora em rigor e verdade não me perguntou nada, mas simplesmente o afirmou) é característica de todo esse inquérito que se efetua contra mim. Poderá você objetar-me que, em última instância, não se trata de nenhum inquérito e nisso tem muita razão porque será um inquérito tão somente no caso em que eu o reconheça como tal [...] Nos primeiros anos maldiz a gritos sua funesta sorte, quando se torna velho, limita-se a grunhir entre os dentes. E como nos longos anos que passou estudando o sentinela chega a conhecer também as pulgas de seu abrigo de pele, tornado outra vez à infância, roga até a essas pulgas para que o auxiliem a quebrar a resistência do guarda. Por fim vê que a luz que seus olhos percebem é mais fraca e não consegue distinguir se realmente se fez noite ao redor dele ou se simplesmente são os olhos que o enganam. Mas agora, em meio às trevas, percebe um raio de luz inextinguível através da porta. Resta-lhe pouca vida. Antes de morrer concentram-se em sua mente todas as lembranças e pensamentos daquele tempo em uma pergunta que até esse momento não tinha formulado para o sentinela. Como seu corpo já rígido não se pode mover, faz um sinal ao guarda para que se aproxime. [...]. Trecho extraído da obra O processo (Abril, 1979), do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Veja mais aqui e aqui.

CONDIÇÃO DE NUVEMDESTINO DO POETA – Palavras? Sim. De ar / e perdidas no ar. / Deixa que eu me perca entre palavras, / deixa que eu seja o ar entre esses seus lábios, / um sopro erramundo sem contornos, / breve aroma que no ar se desvanece. / Também a luz em si mesma se perde. ENTRESSONHO – Manhã. O relógio canta. / O mundo cala, vazio. / Sonâmbula te levantas / e olhas não sei que sombras / detrás de tua sombra: nada. / Arrastada pela noite. / igual à ramagem branca. ALBA DA VITÓRIA – Com seu vidro frio / rasga o céu a alba. / Amanhece o mundo / csem gota de sangue. Poemas do poeta, escritor e diplomata mexicano, Octavio Paz (1914-1998). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE MARIA BONOMI
A arte da gravadora, escultora, pintora, muralista, curadora, figurinista, cenógrafa e professora Maria Bonomi. Veja mais aqui.

AGENDA
I Seminário de Teatro e Literatura UFPE com o tema Poéticas modernas do século XX atribuídas às pragmáticas do contexto contemporâneo teatral, dias 17 e 18 de Outubro - Avenida Prof. Moraes Rego, 123 - Cidade Universitária, CAC - UFPE – Recife – PE & muito mais na Agenda aqui.
&
Outras do Doutor Zé Gulu aqui e aqui.
&
A ressurreição do Casanova, Antonio Gramsci, Rubem Alves, Hilda Hilst, Gilvan Lemos, Biblioteca Fenelon Barreto, Atonmirio Barros & Juarez Carlos, Mauro Senise, Elena Bashkirova, Luiz Avellar & Célia Mara aqui.
Se o mundo acabar, já acaba tarde!, Baruch Espinoza, Mário Quintana, Charles Bukowski, Carlos Nejar, Otto Friedrich, Leo Gandelman, Midori Goto, Artur Gomes & Bee Scot aqui.


NOÉMIA DE SOUSA, PAMELA DES BARRES, URSULA KARVEN, SETÍGONO & MARCONDES BATISTA

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Sempre Libera (Deutsche Grammophon , 2004), Violetta - Arias and Duets from Verdi's La Tra...