TRÍPTICO DQC: Abri os olhos e a vida às minhas mãos. – Ao som da Fantasia op. 145, do compositor italiano
Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968),
na interpretação da violonista Antonina
Ovchinnikova e da pianista Daria
Kovaleva, no Wiener Musikakademie, 2015 – Da janela: minhas mãos no trajeto
das estrelas, as estradas da imensidão. Um raio rasga o céu: é Apophis. E tudo
estremece, enlouqueço. A fé que nunca tive, iconoclasta dou por feito: não há o
que idolatrar, nem douro pílulas, a tragédia não tem fim. Olhos abertos, sou mamulengo – para onde os dedos vão um
mundo se constrói: em cada um deles outros de mim mesmo e o que não tenho; em
cada um deles a face oculta dos meus sonhos quase tosco avoengo. E se a
aceleração de Yarkovsky o desviou, a desgraça é mais que evidente: o meu
coração é o alvo e o mundo quase não mais se queimam tudo. Minha aflição é
labareda no rio para afogar dendroclastas e afins. Ouço na minha agonia o poeta
francês Raymond Queneau (1903-1976):
O homem dissipa a sua angústia inventando
ou adaptando desgraças imaginárias. A história é a ciência da infelicidade dos
homens. O humor é uma tentativa para libertar os grandes sentimentos da sua
parvoíce. Sorrio, mesmo que tardio. Ao ver-me atônito sequer me reconheceu,
deu-me por titeriteiro aos distirambos como se não soubesse que estou na
carroça do Juazeiro.
DOIS: Sou outro não-eu: fiz do outro o que sou
– Imagem da artista indiana Vivan
Sundaram. – Como não vi desde ontem o de sempre não sei o que virá. Sequer adivinho,
nem tento. Apenas vi dois olhos e neles pude ao entendimento: sucumbência
recorrente, piso falso, ermo para todo lado e nenhum trinco sequer para me
segurar. Nesse trâmite Gabrielle D’Annunzio me diz: Nunca é tarde para
tentar o desconhecido. Nunca é tarde para ir mais além. Devíamos sempre
aprender a amar-nos é o único romance que dura a vida inteira. A paixão, tal
como a arte, vive só para si: a arte para a arte, a proeza para a proeza, a
coragem para a coragem, o amor para o amor, a embriaguez para a embriaguez, o
prazer para o prazer. Quem disse que a vida é um sonho? A vida é um jogo. As
grandes doenças da alma, bem como aquelas do corpo, renovam o homem e as convalescências
espirituais não são menos agradáveis nem menos miraculosas do que as físicas.
Se ainda não sei o que fazer assim tão sozinho, já era tempo, quase tarde
demais: eu voo.
TRÊS: A cantora Kantocu dos Tasvirs – Imagem: arte do quadrinista estadunidense Frank Brunner. – Como ela nunca mais, aqueles
dois olhos são meus, mesmo que o meu mundo tenha desabado pelas sombras do Karagöz.
Ainda aos meus ouvidos o que ela cantava lá longe e desapareceu abrindo caminho
com um som estridente, a se perder pelas silhuetas de todos os meus fantasmas
soltos na escuridão. A mim sequer restava acrobata ilusionista Hokkabaz,
errando a fonte de luz e a fonte dos desejos, atravessando as desditas de
Hacivat com o desaparecimento do Hayali dos tasvirs. Se fosse ela Anaïs Nin: A vida se expande ou se encolhe de acordo com a nossa coragem. Você não
encontra amor, encontra você. Tem um pouco a ver com o destino, a sorte, e o
que está escrito nas estrelas. O amor nunca morre de morte natural. Morre
porque não sabemos reabastecer sua fonte. Ele morre de cegueira e erros e
traições. Morre de doença e feridas; morre de cansaço, de covinhas, de manchas. Quem dera fosse ela, não era, e eu assim tão só. Até
mais ver.
BELLA KAHUN
Eu consegui criar gosto de verdade sobre essa coisa de criar uma
identidade artística.
A arte
da cantora Bella
Kahun, que já lançou o álbum Crua
(PE Squad, 2020), com singles que seguem uma trilha do R&B, MPB, jazz e
bolero, dialogando com uma nova cena da música brasileira que transita entre o acústico,
eletrônico, boêmio, global e regional. Veja mais aqui e aqui.