TRÍPTICO DQC: Mistério, a poesia de todas as
coisas - Ao som do concerto Live at the Montreux Jazz
Festival (2012), do
violonista Paco de Lucía (1947-2012). - Meus olhos se perdem pelas entranhas do mundo aberto à
minha janela. Neste momento, dou à luz o que é impossível falar, o que desajuda
e mais eu pudesse nesta hora o incontrolável entre órbitas e células, quantos
redemoinhos abissais: o tempo que é meu com afluentes que desaguam onde não é
mais possível, pelo menos agora ou nunca, diante do precário indizível do
cotidiano, a derradeira apreensão por tudo diluído na minha sincera tolice para
além do timbre comovido. Tudo é só solidão e, como se quisesse me salvar, ouvi a
escritora argentina Vlady Kociancich me contando O segredo de Irina (Tusquets, 2016): Já vimos tudo o que existe. Gostaria de realmente ir mais longe. Bem longe. Sim,
mais longe que o calor escaldante do mar imenso de um céu longínquo, mais longe
que uma alma cansada pelas ruínas de Chichén Itzá, muito além da vida e da
morte numa jornada inevitável além das aparências. Mesmo assim não imagino
qualquer destino, quisera morrer em pleno gozo, no ato: vida é uma palavra
desmedida até onde fui e o que tiver de ser feito o farei já. O mistério é a
poesia de todas as coisas. Vamos.
DOIS: DAS DORES DE AMOR - Ao som do Concerto para Violino E minor, op. 64, do compositor alemão Felix Mendelssohn (1809-1847), na interpretação da
violinista estadunidense Hilary Hahn e a Frankfurt Radio Symphony Orchestra, condutor: Paavo Jarvi (Korea,
2012) - Não sei mais
onde estou, se entre vivos e mortos, o maldito e o santo, a injustiça e a
tirania, tudo se dissolve e é muito horrível! Joanna Baillie me aparece
no meio da noite: Onde as formas dentro da memória são vistas, / Formas
fracas ou vívidas, variando frequentemente, que parecem / Como objetos em
movimento em um sonho seriado... E me conta o melodrama
gótico sobre o medo e a loucura de Orra (A tragedy in five acts - The Plays on the Passions, 3 vols. - LibriVox,
2018). Ouço atento e qual o tempo, se agora ou no medievo quatrocento, o
castelo assombrado na Floresta Negra, o exilio
da paixão dela por Theobald, tudo em vão: Sua mente dentro de si
mesma contém um mundo escuro / De fantasias sombrias e formas
horríveis! / Não lute mais com ela. Ela à beira do terror abjeto pelas maquinações nefastas do cavaleiro ciumento, depois da recusa para casar-se com o filho do
seu pupilo: o medo, a segregação, o declínio da força de vontade e a
sobrevivência na loucura. Não mais direito à liberdade, o desafio às leis da ordem patriarcal são tão trágicas quanto preconceituosas. Ela se apaga e é eliminada da história: Mas a dor da mulher é como uma tempestade de verão, por
mais curta que seja violenta. Assim que sussurrou a última palavra da frase,
ocorreu a suspensão do fornecimento de energia elétrica. Mais nada disse, as
horas se passaram. Com o retorno da luz muito tempo depois, me certifiquei que
estava só, contando as estrelas à janela.
TRÊS: DO QUE VAI E NÃO VOLTA MAIS – Ao som do concerto Lee Konitz New Quartet - Jazzwoche
Burghausen (Germany, 2012), do compositor e saxofonista estadunidense Lee
Konitz (1927-2020). – A noite é íntima e a ausência dela atravessa
amanheceres por ondas crepusculares. Perdi a hora de tudo porque os pensamentos
viajam por cenas, como daquela vez que ela reapareceu carregada com uma coleção
de livros organizados pelo livreiro e colecionador francês, Alexandre Dupouy, e era a belíssima Cristiana Reali diante do meu encanto, era a redenção. Não, não era, engano meu, logo
ela desfez e meio sem jeito, entre um passo e outro para lá e para cá: Falar que beleza não ajuda é mentira. Mas
falar que só ajuda também é mentira. É diferente dos anos 40 ou 60. Hoje, se
você for bonita, tem que mostrar mais personalidade e mais inteligência. Tenho
o lado doce, sensível, frágil de meu signo, Peixes, e ao mesmo tempo sou
esforçada, curiosa, vulcânica, como se diz em francês. Depois
disso ficou silenciosa, inquieta. E me recitou um poema da poeta e compositora uruguaia
Ideia Vilariño (1920-2009): Já não será / já não / Não viveremos juntos
/ Não criarei teu filho / Não coserei tua roupa / Não te terei a noite / Não te
beijarei ao ir-me / nunca saberás quem fui / por que me amaram outros. / Não
chegarei a saber / por que nem como nunca / nem se era de verdade / O que
disseste que era / nem quem foste / nem que fui para ti / nem como seria / viver
juntos / querermos / esperar-nos / estar. / Já não sou mais que eu / para
sempre e tu / já não serás para mim / mais que tu. / Já não estás / em um dia
futuro / Não saberei donde vives / com quem / nem se te recordas. / Não me
abraçarás nunca / como essa noite / nunca. / Não voltarei a te tocar. / Não te
verei morrer. E saiu sem um aceno como se fosse para nunca mais. Dias depois,
lá estava ela, linda como nunca, amante como sempre: uma deusa entronizada e
nua nos meus braços e reino de nada. Agora não mais, tudo dela inesquecível e
recorrente, doendo no peito túrgido como se a lembrança sangrasse feito um
talho imenso em carne viva. Até mais ver.
EI, PESSOAL! VAMOS CONHECER O RECIFE!
[...] O carnaval pernambucano tem características próprias
por sua diversificação de agremiações carnavalescas [...] Mas na “quarta-feira ingrata, que é de fazer
chorar”, não perdiam o Bacalhau do Batata e o Bloco dos Irresponsáveis, que
desfilava, à tarde, pelas ruas de Água Fria [...]
O livro Ei, pessoal! Vamos conhecer o Recife
(Edificantes, 1997), da escritora Marileide
Tavares e do historiador, escritor, músico e artista plástico Edvaldo Arlégo, contando uma história
com um completo roteiro histórico cultural para se conhecer o Recife, falando
em seus capítulos sobre o Marco Zero, o Mercado de São José, a feirinha, os
bairros de Santo Antônio e São José, da Boa Vista, o carnaval, os subúrbios, o
metrô, o baile de máscara, o frevo, retalhos e outras coisas. Veja mais aqui e
aqui.