terça-feira, fevereiro 23, 2021

BRECHERET, THEANO, FRANCISCA JÚLIA, NEELLY BELLAH, ADÃO PINHEIRO & PONTO DE MUTAÇÃO

 

 

TRÍPTICO DQC: Apesar de tudo: viver! - Ao som do álbum Fala de Bicho, Fala de Gente (2014), da cantora, compositora e pesquisadora Marlui Miranda, do livro homônimo da pesquisadora e professora Cristina Martins Fargetti, sobre as cantigas de ninar do povo juruna (Sesc, 2018). – Ganhei o mundo e era como se fosse On the road de Kerouak: Gosto de muitas coisas ao mesmo tempo e me confundo inteiro e fico todo enrolado correndo de uma estrela cadente para outra até desistir. Era muito jovem e me salvava com o sonho dos antigos eremitas e a cabeça de visionários. Na vera, me perdi: se vivia só, o pior era a desolação de não ter quem nem pra onde ir. Só ouvia o eco das vozes do sociólogo estadunidense Robert Neelly Bellah (1927-2013): De certa forma, sair de casa envolve uma espécie de segundo nascimento, no qual damos à luz a nós mesmos. Por mais doloroso que seja o processo de saída de casa, para os pais e para os filhos, o que é realmente assustador para ambos seria a perspectiva de o filho nunca mais sair de casa. Embora existam razões práticas e por vezes morais para a decomposição da família, não coincide nem com o que a maioria das pessoas na sociedade afirma desejar nem, especialmente no caso das crianças, com o seu melhor interesse. Fui assim mesmo, Andejo da noite e do dia: se pensasse duas vezes, não saía do lugar – era só ir e voltar: arrependimentos e culpas. Perdi meus elos, raízes esgarçadas. Mais tinha de ir, feito Caio Fernando Abreu: Confesso! Às vezes tenho vontade de sair por aí destruindo corações, pisando em sentimentos alheios ou sei lá, alguma coisa que me faça realmente merecer esse meu sofrimento no amor. Era quase isso mesmo, precisava fazer alguma coisa, valendo-me de Wole Soyinka: Um tigre não sai por aí proclamando sua tigritude. Ele apenas ataca! Eu apenas queria viver e não sabia, vivia. Até me descobrir: não era o mundo nem os outros, era eu mesmo. A coragem da liberdade, o aprendizado da vida. É isso. Ainda deu tempo de saber A terra que sou & recitar os versos da Viva Vida Verde. Apesar de tudo, convinha lembrar: o direito de viver e deixar viver.

 


DOIS: Ponto de mutação - Imagem: Viagem indiana psicodélica por meio de ecos infinitos de pensamentos, da banda tcheca MindWalk e ao som da trilha sonora do compositor estadunidense Philip Glass para o filme homônimo dirigido por Bernt Amadeus Capra sobre a obra de Fritjov Capra. - À janela e o que vejo: Que mundo é este? Não há resposta, apenas sei que As pedras falam e estou calado. Foi o que ela me disse ao aparecer como se fosse a cientista Sonia Hoffman na pele de Liv Ullmann: os seus ideais traídos, a lucidez e frustração, os problemas com a filha. Não estava dividindo espaço com um político que se descobriu mentira nem com um dramaturgo em fuga, não, não estava: apenas eu e ela atravessando o pântano do tempo. Depois de uma longa caminhada em que discutíamos a diferença entre mudança e transformação, deparamo-nos com um castelo medieval no Litoral da França. O passado estava ali, enclausurado. E nós com todos os temas difusos que nos atormentam mundo afora: a vida, o amor e a guerra, a política, o planeta, a morte e as tecnologias. Encaramos nossos desencontros: o do secular mecanicismo dos fragmentos especializados, ao invés de considerar as interrelações sistêmicas: Preferimos falar sobre ‘hiperatividade’ ou a ‘incapacidade de aprendizagem’ de nossos filhos, em lugar de examinarmos a inadequação de nossas escolas; preferimos dizer que sofremos de ‘hipertensão’ a mudar nosso modo supercompetitivo dos negócios; aceitamos as taxas sempre crescentes de câncer em vez de investigarmos como a indústria química envenena nossos alimentos para aumentar seus lucros. A natureza é o corpo inorgânico do homem – isto é, a natureza, na medida em que ela própria não é o corpo humano. Estávamos diante dos efeitos mais desagregadores: Hoje, porém, a desintegração do patriarcado tornou-se evidente. O movimento feminista é uma das mais fortes correntes culturais do nosso tempo, e terá um profundo efeito sobre a nossa futura evolução... O universo começa a se parecer mais com um grande pensamento do que com uma máquina. Transigimos, destoamos, uma dolorosa constatação: A evolução da consciência deu-nos não só a pirâmide de Quéops, os concertos de Brandemburgo e a teoria da relatividade, mas também a queima de bruxas, o Holocausto e a bomba de Hiroxima. Fitamo-nos indecisos: a dúvida nos vivificou. Cada qual sua impressão, pensamentos em voz alta: o que somos e o que estamos fazendo aqui, é desanimador. O que nos espera, sabe-se lá quão doloroso.

 

TRÊS: A musa no Grand Guignol – Imagem: Musa impassível, do escultor Victor Brecheret (1894-1955), ao som de Love’s Greeting Op.12, do compositor britânico Edward Elgar (1857-1934). – De volta, não era ela: era a ausência dela na travessia, o olhar de Paula Maxa a me alertar: Olhos bem abertos! Olhos bem abertos! Você não percebe quanto horror está contido nessas três palavras! Não estava ali, bem sabia: estava em mim nos versos da poeta Francisca Júlia (1871-1920): Ouço e vejo o teu nome em tudo: ou nos ressolhos do vento, ou no fulgor das estrelas, radiante... Tu és sempre o mistério, a luz que tenho diante do olhar, quando te imploro a piedade, de geolhos. Atravessei sozinho a encruzilhada, contando os passos e ouvindo-a profundamente como se fosse a filósofa grega Theano de Crotona (séc. VI aC): Os números são a demonstração da realidade e individualidade... E ela segredasse sussurrante na mesma leva aos meus ouvidos: A mulher que vai para a cama com um homem deve tirar o pudor com a anágua e vesti-la novamente. Ri. Era o que me restava porque ela não estava ali para me recitar um verso apenas da Perenidade da poeta Fernanda Seno:.. seremos outra forma de presença porque o amor subsiste eternamente. Não sei onde estou e se voo, não sei. Até mais ver.

 

ADÃO PINHEIRO



A arte do gravador, entalhador, pintor, cenógrafo, artista gráfico, desenhista e professor Adão Odacir Pinheiro, que é pesquisador do artesanato popular do Nordeste e da Cultura Africana. Veja mais aqui e aqui.


 


HIRONDINA JOSHUA, NNEDI OKORAFOR, ELLIOT ARONSON & MARACATU

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Refúgio (2000), Duas Madrugadas (2005), Eyin Okan (2011), Andata e Ritorno (2014), Retalho...