TRÍPTICO DQC: PLANOLÂNDIA NO FECAMEPA - Ao som de Planolândia (Quarto
Dimensões, 2019), o primeiro álbum de uma trilogia do trabalho conceitual
desenvolvido pelo trio musical Pedro Ben, Davi Abel e Iegor Rainer. - Despertei
com uma música jamais ouvida e meu quarto transformado numa sala de cinema. Ouvia
duas pessoas discordantes em refutação mútua. Na verdade, eram três, ou quatro,
aliás, muitos. Destacou-se entre eles um vulto não reconhecido que se apresentou como sendo o logógrafo,
geógrafo e mitógrafo grego, Hecateu (550-480aC): A Terra é plana! Prova
disso é o que diz Tales, Leucipo e Demócrito. Como é? Novo tumulto entre
eles. Um terceiro depois identificado como sendo o astrônomo e matemático
grego, Aristarco (210-230aC) mencionou: A Terra gira em torno do Sol!
Logo em seguida Ptolomeu (90-168dC), com o seu Almagesto: A Terra é o
centro do Universo! Ouvi alguém gritar que ele havia plagiado
Hiparco, rejeitado Aristarco e que o seu único benefício foi ter criado o
astrolábio. Novo tumulto, muitas vozes que se sobrepunham umas sobre as outras,
até emergir no meio da discordância geral
a figura de Copérnico, comprovado
por Giordano e Galileu, que falou como se pusesse um ponto final na discussão.
Novo tumulto e a censura imposta pela inquisição a respeito do que ele disse. Toma
frente o britânico Parallax Rowbotham (1816-1885) defendendo o seu panfleto Zetetic
Astronomy (1849): A Terra é plana! Isso deu gás pro John Hampden apresentar
Um novo manual de cosmografia bíblica (1877), o que deu uma turbinada na
ideia do inglês William Carpenter a publicar Cem provas de que a Terra não é
um globo (1885), fato este que redundou na gritaria de pregadores,
professores e outros que fundaram a Sociedade Zetética Universal, em 1893,
defendendo ser a Bíblia a autoridade inquestionável e, por consequência, o
definitivo terraplanismo, mantido pelas escolas de Zion e sob o argumento de
que é uma tese ignorada. No zoadeiro ouvi que em 1956 foi criada a Sociedade da
Terra Plana, no Reino Unido, que resistiu a tudo, inclusive ignorando o
Sputinik, até ter sua sede incendiada e o evento de morte do mentor em 1990. Eita!
A narrativa registrava o renascimento da instituição em 2004 e desde então tornou-se
bandeira dos hackers Anonymous, incluindo a tese de que a gravidade é uma
mentira, baseado nos estudos do teorista William Carpenter (1830-1996), do
líder Charles K. Johnson (1924-2001), do presidente sul-africano Paul Kruger
(1825-1904), do evangelista Wilbur Glenn Voliva (1870-1942), e das ações do ator
David Wolfe, do jogador de basquete Kyrie Irving, de um aluno PhD tunisiano e da
campanha GoFoundMe do rapper B.o.B. Ah, não! Que papo é esse? Um livro
entrou em cena, o The Myth of the Flat Earth, de Jeffrey Russel. Sim? Logo um outro: o Flatland - A Romance
of Many Dimensions (1884), de Edwin
Abbott Abbott (1838-1926). Este último me chamou muito atenção porque
dele foi fonte para uma série de filmes a respeito do tema e no Brasil foi
traduzido com o título de Planolândia: um romance de muitas dimensões (Pictorial, 2019).
Nossa! Que doidice, meu! Tudo
isso é muito bizarro! Cá, comigo: e Einstein? E os buracos de minhoca e
os objetos da quarta dimensão? E a faixa de Möebius? No meio das minhas
indagações apareceu uma animação desconhecida: Dr. Quantum visita Planolândia - Quem somos nós? – Uma nova evolução.
Depois, mais outra: Dr. Quantum dupla
fenda. Sim? Cheio de interrogações e sem entender patavina do que se
passava ali, surgiu o risonho Carl Sagan. Graças, foi uma longa
conversa e esclareceu tintim por tintim falando sobre um Pálido Ponto Azul,
a geometria euclidiana, a física newtoniana, a relatividade einsteiniana, a
quadridimensionalidade e mais outras e tantas coisas. Ah, tá. Da minha parte a
compreensão de que há seres que ocupam as mais diversas dimensões, sabendo que
há quem viva na bidimensionalmente, nós estamos na tridimensional; e eu sou
crisantempespaço proutras multipluridimensões. É isso aí.
NOVA DOSAGEM & DE NOVO – Imagem: a artista conceitual alemã Hanne Darboven (1941-2009). – Estava mergulhado
nas minhas reflexões quando ela achegou-se mansamente e recitou-me com o
sotaque de estrangeira: O nosso Universo é quadrimensional, / a quarta
dimensão é fundamental / e já não faz sentido a seta do tempo. / Daí eu não
saber se este sofrimento, / esta dor aguda que me invade o peito, / afinal é
causa ou será efeito. Belo poema e
ela falou-me ser este intitulado Indeterminismo,
da poeta Regina Gouveia. Fiquei impressionado com a presença dela ali ao meu
lado e entregou-me algumas publicações: Ciência
para meninos em poemas pequeninos (Porto, 2014); Entre margens (Lua de Marfim, 2013), Terras de Cieiro (CMAlfândeha da Fé, 2013), Quando mel escorre nas searas (Lua de Marfim, 2016), Quando
o mistério se dilui na penumbra - Magnetismo terrestre (Autor, 2017) e Requiem pelo
planeta azul / Reflexões e Interferências (Autor, 2017), todos da mesma
autora. Recitou-me, ainda, Máquina do
Mundo: Não havia espaço / Não havia tempo. / Apenas um nada, grávido de
tudo, / Numa ínfima parte do segundo, / o nada deu à luz a máquina do mundo / que
irrompeu do útero e, despudorada, / foi abrindo frestas / uma escuridão densa e
recatada. Não conhecia nem a autora nem quem recitou os poemas dela. Disse-me
apenas num inglês peculiar: I am Hanne.
E sorriu apanhando um livro que eu havia separado para ler: Crisantempo - no espaço curvo nasce um (Perspectiva, 1998). Inclinou-se e fitou-me interrogativa, respondi-lhe
ser a reunião com as últimas produções e o percurso inventivo de Haroldo de Campos. Ela sinalizou que
sabia de quem se tratava, abriu o volume e leu ao seu modo o poema diana caçadora: agora resta ver / (mas é preciso saber ver)
/ como o arco da deusa caçadora / por um triz / não lhe toca - / trivia
ride le ninfe etterne / a escorreita
/ (divinal) bundinha. Sorriu lindamente, meneou a cabeça, sobrancelhas
arqueadas e inquiriu: What's in it for me. Intuitivamente
recitei o primeiro que me veio à cabeça, o Pequeno
poema didático, de Mário Quintana:
Todos os
poemas são um mesmo poema, Todos os porres são o mesmo porre, Não é de uma vez
que se morre… Todas as horas são horas extremas! Ela repetiu várias vezes as
duas últimas palavras: Horas extremas... Horas extremas. E falou que eu era uma
hora extrema.
A VIAGEM DELA QUE SE DEU EM MIM – Imagem: Kulturgeschichte, da artista conceitual alemã Hanne Darboven (1941-2009). - Levou-me pela mão por diversos salões
até que visualizei a placa com o nome do evento. Olhei para ela e ela a mim. Indaguei:
Você? Sim. Era ela e a sua arte, eu sabia, desconfiado adivinhava. E fiquei
maravilhado com cada uma das obras ali expostas, eram muitas, demais. Conferia uma
a uma, pelas tantas daquela imensa exposição. Eis que ela puxou-me levando-me
corredor afora até uma área livre do anexo. Sacou do bolso do blusão um
cigarro, ofereceu-me o maço, retirei um e tragamos nossa hipnose mútua fixada
um no outro, no meio daquele ambiente bastante arborizado. Ela nos meus olhos e
eu nos dela, calados, a fumaça do nosso trago atravessando nosso olhar fixo um
no outro. Havia um ar de satisfação no meio do sorriso comedido dela. Eu não
conseguia pensar em nada, a não ser naqueles olhos azuis compenetrados,
interrogativos, provocadores. Era como se conversássemos silenciosa e
intimamente. Sabia o que ela me dizia e acredito que adivinhava o que se
passava em mim. Depois de longo tempo ela aproximou-se, beijou-me os lábios e
me permitiu a descoberta do que jamais fosse possível. Até mais ver.
O MARCO AMADOR, DE PAULO MEIRA
O marco amador: Bordas de Silêncio, Las Outras, Cursos, A perder de
vista, 15 minutos de Alice Coelho – Catálogo Prêmio de Artes Plásticas
Marcantônio Vilaça (Funarte, 2014), do premiado artista visual, designer
gráfico e professor Paulo de Araújo
Meira Júnior, que desenvolve obras em diversas linguagens como vídeo, jogos
eletrônicos e vídeo instalações e co-fundador do coletivo Camelo. Veja mais
aqui e aqui.