TRÍPTICO DQC: QUARTA FEIRA, O TRÂMITE DA
SOLIDÃO – A festa acabou e não houve nenhum barulho na madrugada. A
rua está pesunhada em honra de Pã, homenagem a Baco. A festa do povo passou.
Neste dia eu te ofereço minha carne em holocausto, apesar da madrugada com o
luar que azula a escuridão. As ruas são do pretérito caboclinho do Rabeca, o
reluzente estandarte da Virgem Guadalupe e a extinção de Tupác Amaru até sua descendência em quarto grau. Tudo
apaixonadamente vivo, tudo delirantemente sentido, tudo escandalosamente
passado a limpo em mim. Contaminados estão os cultores do pecado original, do
hedonismo ou do Rigveda. Hoje o morto carrega o vivo e ontem de noite correu
bicho em Matriz de Camaragibe.
Anteontem o bufo inspirou Zé da Justa pra afinar a orquestra e a Fubana dos artistas, varrida de sonhos,
impetrava um calor nas reentrâncias das senhoras e das mocinhas. A folia fez-se
noite, fez-se dia. Permita Deus este mês não seja só carnaval. Dentro de mim
passou a folia do planeta com seus trogloditas modernos e o assoalho repleto de
excrementos, a casa vazia e o reino dos fantasmas. Vozes cantarolam: saia do
sereno, saia do sereno, saia do sereno que esta frieza faz mal. De mim, o
silêncio e o meu sacrifício de Odin: apenas água para beber e braços
solidários. Tudo cinzas. Não fiz abstinência da carne, nem interdição dos
sentidos. A minha impulsividade e o suntuoso e o inexprimível: um dia tão
grande no desvario do frevo. Não quero penitência, estou debilitado pelo
incenso inebriante de mulher, aquela que dorme oculta no deleite do meu
travesseiro. Tudo viverá enquanto meu verso existir: o bar, a noite, o cigarro
e a solidão. O poeta morreu terça-feira e eu sigo inquieto. O amor assim que
deveria ser: a vida!
ELA O LUGAR & AS MULHERES DE BABILARY
& PLANOLÂNDIA - Imagem: arte do ilustrador
e designer Lucas Martins. - O meu
quarto no meio da chuva de meteoros Orionids, na verdade uma poeira deixada
pelo cometa Halley e sob a ameaça de um asteroide em rota de colisão com a
Terra, o desgoverno do Fecamepa e tudo
pronto ali para desabar na minha cabeça enquanto o mundo em tempos de
isolamento pandêmico e eu à toa com os olhos vidrados nela, linda e nua a rir
de tudo. Aliás, não mais pandemia, corrija-se: de sindemia que, segundo o médico, professor e antropólogo
estadunidense Merrill Singer, ocorre
quando “duas ou mais doenças
interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas
doenças”.Para escaldado como eu, desgraça pouca é bobagem: uma
bronca nunca vem sozinha, outras se escondem por trás para detonar um efeito em
cadeia e aí salve-se quem precavido ou se fode todo mundo duma vez só. Ao lado
dela, afagos e beijos, dois sujeitos surgem do nada. Um deles, o abade
historiador, tradutor e jornalista francês, Pierre François Guyot Desfontaines,
autor dos dois volumes da Le nouveay
Gulliver ou Voyage de Jean Gulliver, Fils Fu Capitaine Gulliver (1730 - Nabu
Press, 2012), a narrar em Babilary, que significa lá na língua deles à glória
das mulheres, elas eram: além de
guerreiras e piratas, são também músicas e poetas, não levam muito a sério o
casamento porque têm o direito de se divorciar, o que é proibido aos homens. Um
tribunal literário, composto de sete mulheres, julga todas as peças de teatro e
a rainha recompensa os melhores autores; os ruins são punidos com a proibição
de escrever. Ah, verdadeira ginocracia. O outro, Edwin Abbott Abbott, falava
de Planolândia: As mulheres de
Planolândia são dignas de nota, pois, além de serem pontudas (pelo menos em
duas extremidades), possuem o poder de se tornar invisíveis e, portanto, não se
deve brincar com elas. É bom tomar cuidado porque o encontro com uma delas pode
causar a destruição absoluta e imediata. Ao mesmo tempo, são totalmente
desprovidas de cérebro e não têm reflexos, juízo nem prudência, e dificilmente
alguma memória. Ela riu,
mas não dispensou um esconjuro: coisa de machista, misógino. E entredentes sussurrou
Francisca Praguer Fróes: A inferioridade da mulher não é fisiológica,
nem psicológica; ela é social. Sua escravidão sexual determina sua dependência
econômica. Rimos juntos e ela me beijou
profunda e ardentemente. Ah, ela sempre divinamente inteira em sua entrega. Agora
sinto sua falta como aquela de O sorriso por trás da máscara da Quarentena de Maurizio Ruzzi: Que ela o tinha infectado, não tinha dúvida, só não sabia com o quê.
Assim seja.
ELA, A DANÇA SEDUTORA - Imagem: a arte da bailarina e coreógrafa cubana Alicia Alonso (1920-2019) - Era ela de
volta sensualmente provocante enquanto eu perdido pelas onze dimensões da
Teoria de Tudo – a M das supercordas -, rendido por seu rebolado frenético para
esfregar-se no meu sexo espalmado e uma das mãos a rondar o ar para pegá-lo com
apertos carinhosamente ternos, um dos pés ao alto com as firulas dos passos para
pisá-lo deliciosamente tentadora, os lábios apertando-se aos lambidos bicuda-bocuda
para beijá-lo galante e eu em estado de graça à cata dos seus encantos
transbordantes. Achegou-se mansamente insaciável e sussurrou frase da escritora
estadunidense Lydia Child
(1802-1880): A cura para todos os males e
injustiças, cuidados, tristezas e crimes da humanidade, tudo está na palavra
AMOR. É a vitalidade divina que produz e restaura a vida. E nos beijamos pelos lençóis das nuvens e gozamos
mutuamente a cachoeira dos nossos suores e nos redimimos da queimadura das esperas
e quereres mais urgentes. Restou-me agora cantá-la como Pablo de Rocka: Canto sem querer,
necessariamente, irremediavelmente, fatalmente, em eventos aleatórios, como
quem come, bebe ou anda e só porque; / Eu morreria se não cantasse, morreria se
não cantasse ... / Edifico canções como as grandes cidades estrangeiras ... / Quero
ser ao mesmo tempo sombra e luz, raiz, folha e fruto, / e condensar imensamente
toda a vida em um minuto. Assim o amor, a vida plena. Até mais ver.
AS BAIANAS DE PERNAMBUCO
Baiana / se você quizé / eu faço um chalé / mode você mora / Parmares / que é terra da lua / que tem uma rua / de prata e me dá.
Originária
de Pernambuco, nessa dança se apresentam mulheres trajadas com vestes
tradicionais de baianas, que dançam e fazem evoluções ao som de instrumentos de
percussão. É considerada uma adaptação rural dos maracatus pernambucanos,
mesclada com músicas que fazem lembrar o canto dos negros nas senzalas e a
coreografia por eles criada nos terreiros da Casa Grande. Quentes e voluptuosos
são os movimentos e os ritmos que acompanham a dança. Extraído da obra Danças Folclóricas (Esperança, 1986) do
jornalista e professor Américo
Pellegrini Filho. Imagem: artesanato pernambucano. Veja mais aqui &
aqui.