TRÍPTICO DGF – AQUELA DE... TATÁ-MANHA,
MBOITATÁ & QUEIMADAS - Ora, ora, queimada não é fogo-fátuo! É fogo ateado por
jagunços com leniência militar na piromania da monocultura! Está vendo a
clareira? É só para concentração fundiária e predatória, desmatando tudo. É de
temer a savanização, a desertificação! Já se devastou a Mata Atlântica, agora
estão consumindo a Amazônia e o Pantanal no maior fogaréu incontrolável. Ah,
não! O fogo! Desde criança aprendi a respeitá-lo,
tanto pelo ardume que deixa bolhas dolorosas, como pelo braseiro que só deve
ser usado por quem sabe direito o que fazer. Se para adustão, só na fogueira
junina e de longe, com cuidado; pior a ignificação: Olha o fogo, menino! Isso queima,
desgraçado! Quer ficar tostado, é? Não cuspa nele senão fica tísico! Só apague
com galhos, nunca com os pés ou com água, senão, senão, ora! Tem que prever a
reviravolta da sorte, avalie. É com ele que se assa, coze, ferve e celebra o
culto dos mortos e antepassados, deuses larários e penates, reminiscências ao
calor reconfortante que aquece no frio: Sustente direito o tição fumegante que
é a custódia contra os assombros dos matagais! É dele aquelas labaredas que afugentam fantasmas noturnos e segue feito facho cintilante que vira méuan, o fogo corredor que ataca e mata os incendiários, que são
levados para Mboitatá, a
cobra-de-fogo que mora na água e vai praquela que sustenta e dirige, a
imponderável Mãe-do-fogo, Tatá-Manha.
Das chamas emerge o alarme da jornalista russa Anna Politkovskaia (1958-2006): Estamos voltando para o abismo, para um vácuo de
informações que significa a morte de nossa própria ignorância. Assustado eu quase nem
me contive, não fosse a intervenção severa de Ulrike Meihhof: Protesto é
quando digo que isso não me agrada. Resistência é quando eu garanto que o que
não me agrada não ocorre mais. É o que me faz deste chão que sou lavado
pela água e levado pelos ventos no fogo da vida. Alertas para a ganância demais
no Fecamepa.
DOIS PASSOS & LÁ VOU EU NO EMBALO DA CHULA MARAJOARA – Para me
recuperar do susto ela me levou à Ilha de Marajó, onde mulheres descalças dançavam
a chula das Taieiras, ao som de
tambores, maracás, banjo, flautas, reco-recos e ganzás. Tudo em louvor de divindades
que ignoro quais sejam, carregando água da Cachoeira do Arari para as casas dos
seus senhores, cantando Morena: Deixei cabana / Deixei meu gado / Pra ver morena / Do meu
cuidado / Morena bela / Que tanto amei / A fé mais pura/ eu te jurei / Eu já
fui preso / Por uma açucena / Só por gostar / Da cor morena / A cor morena / É
cor de prata / A cor morena / É que me mata.
Era essa a chula marajoara do compositor, maestro, pianista e escritor Waldemar Henrique (1905-1995). PS:
material extraído do livro Waldemar Henrique – O Canto da
Amazônia (Funarte, 1978), de Claver Filho; do livro Waldemar
Henrique – Compositor Brasileiro (Falangola, 1979), de Ronaldo Miranda; do
livro Waldemar Henrique – Só Deus Sabe Porque (Fundação Cultural do Pará,
1989), organizado por Sebastião Godinho; da dissertação de mestrado Waldemar
Henrique folclore, texto e música num
único projeto – a canção (Unicamp,
2005), de Maria de Fátima Estelita Barros; do artigo Uma visão sobre a
interpretação das canções amazônicas de Waldemar Henrique (Estudos Avançados, 2005), de Márcia Jorge Aliverti;
e do artigo Canção Morena do
compositor brasileiro Waldemar Henrique: um estudo analítico e interpretativo
(DAP-Pesquisa, 2018), de Luciana Pereira da Costa e Silva.
TRÊS GINGADAS NA SERPENTINE DANCE – Imagem: poster Loïe Fuller, de Henri Toulouse-Lautrec, retratando a arte da atriz e bailarina
estadunidense Loïe Fuller (1862-1928), pioneira das técnicas da dança
moderna e da iluminação teatral, inventora da serpentine dance. – No meio da festa, eis que ela sob mil véus luminosos
de seda multicolorida serpenteava arrebatadora Urânia nua com suas magias fantásticas no Folies Bergère do meu coração vulnerável entre asteroides e
cometas, surreais lembranças, astrologia matemática. Envolveu-me em si com seu
manto azul transparente para que eu pudesse usufruir de sua deidade estelar e
oceânida, a se entregar inteira a recitar os versos de Três formas de história e cultura, de Amiri Baraka: Eu penso no
tempo / em que estarei tranquilo... / Quando as vaidades / e as paixões fúteis
se consumirem, / e os meus olhos, minhas mãos / e minha mente / poderão
enternecer... / Finalmente... / E as canções serão suaves / e flutuarão no ar...
E a vida pode ser vivida da melhor forma possível. Até mais ver.
HISTÓRIAS MEDONHAS D’O RECIFE ASSOMBRADO
[...] O desejo foi, sempre, registrar, sem compromisso, o imaginário popular sobre o assunto. E contá-lo, fazendo arrepiar cabelos, como faziam os contadores de “causos”, tempos atrás, gastando as noites com as suas narrativas nas todas de cadeiras nas calçadas (tão ao gosto do recifense antes da televisão e da violência atual). Histórias que fariam, mais tarde, as crianças procurarem a cama dos pais e muitos adultos “se esquecerem” de apagar a luz. [...].
Trecho
extraído da apresentação da obra Histórias
medonhas d’O Recife Assombrado (Bagaço, 2002), organizada por Roberto
Beltrão, reunindo relatos sobre o casarão de Setúbal, encontro com papa-figo,
prédio do Espinheiro, o homem da capa preta, o fantasma carinhoso, madrugada no
quartel, a perna cabeluda, entre outros contos sobre Monga, pastoril, maldições
e outras arrepiantes histórias. Veja mais aqui, aqui & aqui.