AS ABUSÕES DA
MATA DE XARETA - Noite escura,
mata ínvia, um silêncio macabro, só ao longe silvos, uivos, gorjeios, roncos de
suçuarana, rosnados de porcos, urros de bois e de bichos descomunais e ferozes
a voarem da imaginação para amedrontar. Qualquer coisa que bulisse, tremedeira
de perder a razão. Só a pisada nas folhas e galhos, os escorregões de ninguém
não vê nada na escuridão. Algumas pedras pareciam vivas e se não eram se passavam
por metais brilhosos e seixos. Reza forte pode ajudar, fé em Deus que tudo vai
dar. Quem vai pra mata tem que levar cachorro, apetrechos, armas e munição da
boa, senão, senão. Quem bem souber leva seus talismãs às mãos. Qualquer coisa
sem nome pode surgir de repente, convém prevenir e se não souber de cor um
folheto de cordel, mais precaução, quem sabe fantasmas furtivos servirão para a
corrupção de mentirosos como eu. E Xareta nunca foi diferente, alta noite em
pleno meio dia. De só se ouvir de tudo: do bicho-preguiça e morcegos, capivara
e tamanduá, jaguatirica e quati, paca e cotia, jandaia e gato-maracajá, saguis
e pererecas, jiboia e cobra-coral, lontra e urutau, capivara e jacaré, cágado e
jararaca, passarinhos de todo tipo e tamanho a chilrear safadosos; borboletas e
xexeus para enganar os bestas; de bacurau e onças, sapos-cururus e raposas, caranguejeiras
e mariposas, vagalumes e um monte de coisa que mete medo só de passar sem se vê.
Até o que não existe nessa hora aparece para dar sinal de vida. Segura a
fraqueza, o frio na barriga. Coragem é coisa pra ter depois de passar no brejo,
um tombo aqui e acolá, e de topar com o que for, de levar carreira do Boitatá, o
Mabaê-Tata, com seus olhos grandes e morada no fundo dos rios. É que ele depois
de escapar do dilúvio escondido num buraco, mas que na verdade era a alma
malvada com seu facho cintilante incendiando o mato de um lado pra outro, na
perseguição dos notívagos; de Lobisomem que era o sétimo filho e aparecia em
noite de lua cheia pelo pacto das forças do mal atacando as pessoas; do Labatut
esfaimado com seus pés redondos, mãos compridas, cabelos longos e assanhados, o
olho na testa e dentes de elefante, os cães a ladrar com aquele que morava no
fim do mundo, saía ligeiro da lua e vinha com seus passos pesados e retinentes
rugindo na ventania, uma monstruosidade abocanhando a presa: pior que o
Lobisomem, pior que a Burrinha, pior que a Caipora, pior que o Cão-coxo; da
Mula-sem-cabeça com choro pungente e fogo pela venta e boca, freios de ferro e
a maldição de mulher que dormiu com o padre, e de quinta pra sexta na
encruzilhada, chupava os olhos, unhas e dedos de quem por ela passasse; do
moleque preto Caipora que era que nem o capeta de preto, peludo, ossudo,
empunhando um ferrão e fazendo alarido com sua voz fanhosa e esganiçada por aí
no ecou ecou; do gentiozinho Curupira que era o Pai-do-mato, com seus cabelos
vermelhos compridos, os pés virados para trás, de cocar e tanga de penas,
armado de arco e flechas, montado num porco do mato para açoitar e matar quem
encontrasse pela frente; da burrinha de padre que desencantou moça bonita nua,
chega dava gosto de ver a sedução; da Cabra-Cabriola, perna cabeluda, saci e
chupa-cabra. Tinha até uns Ets brocos que nem sabiam aonde estavam, só pra
assombrar quem lá fosse, de não querer ir mais de jeito nenhum. Tudo isso a
muito tempo de antes, matas que havia e nem se vê mais. Êta, Xareta! Ao
descobrir seus mistérios ela desapareceu tal como as sereias e a esfinge. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS
[...] no mesmo palco
onde filosofam à sua maneira, por gestos mais que pelo verbo, mais com ação que
com a retórica, encontramos também, do lado da moral, aqueles que, longe do
acesso fácil às manchetes e da profissão aberta de cínico patenteado, denunciam
o mundo tal ele caminha, recusam o real em sua crueldade, sua violência e seu
parentesco com a morte. Modestos, discretos e silenciosos, confundidos na
massa, instalam o filósofo da lanterna ao lado dos sem-documento, dos sem-teto,
dos desprovidos, dos rejeitados, dos desempregados, dos pobres, dos
estrangeiros e dos sem-diploma, daqueles de quem nunca se fala e a quem falta
toda voz. [...]
Trecho de Em face do
consenso, a salvação passa pela revolta (Zahar, 1999), do filósofo francês Michel Onfray, fundador da Universidade
Popular de Caen. Veja mais aqui.
A POESIA DE JOAQUIM CARDOZO
SÓ – Sou o mais só/ o mais
só deste mundo, / por isso contra mim / os galos cantam / ladram os cães... /
facilmente / sem trabalho em mim mesmo me absorvo / indefinidamente.
AINDA TERESA – Professora da
vida e do amor / quanta coisa aprendi que tu sabias / quantas vezes me lembrei
de ti / em passagens de longe, inda por longe; / doce Teresa das feiras do
Bacurau / onde se ceava sarapatel de porco / em longos tempos, em longas eras, /
- Teresa, professora de ternuras e carinhos.
HINO AO SOL – Sobre a
folhagem mais uma vez / passa o esplendor do sol. Manhã! / Folhagem que nas
águas permanece / no esplendor do sol nos flamboyants. / Este Hino que canto
exalto e louvo / dá-me a visão do que vai surgir: / é o curso dos ciclos
permanentes / no fundo do universo a reluzir.
Poemas extraídos da obra Um
livro aceso e nove canções sombrias (Civilização Brasileira/Massao Ohno,
1981) do poeta, dramaturgo, engenheiro civil, desenhista, professor e editor Joaquim
Cardozo (1897-1978). Veja mais aqui, aqui & aqui.
A ARTE DE PANMELA CASTRO
A arte
da artista e grafiteira Panmela Castro,
mais conhecida como Anarkia Boladona, a rainha do grafitti brasileiro. Veja mais aqui.
&
A obra do
filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
&
muito
mais na Agenda aqui.