CARTA DE
FEVEREIRO – Por onde andei nenhum rastro, quase
nem sei dali como fui: águas na areia familiar sem impressão digital. O chão
esconde as dores na sola dos sapatos gastos, pés na terra, como se a punição
apagasse fevereiro sem frevo nas chuvas de um céu incendiado. A culpa, não sei,
o pingado da torneira, a sensação das cinzas de fogo apagado para desconhecer
os nomes do parentesco, como se fosse roupas perdidas, cartas rasgadas, coisas
urgentes esquecidas, consertos adiados, batalhas que sequer venci: nenhum
caminho de volta e ter de fugir a toda hora para longe ir, não sei, andanças de
quem chora e sofre entre extravios e fadigas. Quando por vezes regressei, mãos
vazias pelas ruas escuras e desbotadas, havia escuridão e eu estava esgotado,
todavia o que voga e conta, sem limites nem horas, nada mais porque cheguei
disperso pelo que me consumia na desbaratada calamidade. Não que ouvisse quem
me chamasse, coisas incompreensíveis e ninguém ali, porque sabia apenas necrológios
e o que não se comprazia das fortunas embalsamadas, mumificados patrimônios,
objetos de borracha e tecnologia de ponta, nada valia nada, decerto, apenas o repentino
frio da solidão ao vento arrepiando a alma com as portas que se fechavam por si
mesmas, as vozes das crianças, os muitos mortos nas entranhas abertas do meio
dia. Não sou poeta porque revolvo cinzas um canto estropiado e não me digam das
cigarras escondidas no ouvido tapado pelas mãos desesperadas, porque ninguém
percebe que já fui embora há muito tempo, razão alguma pra voltar. O que se
pode fazer diante de tudo isso, quem sabe, não fale com o motorista, não fale, não
tenho passagem nem malas. Nem buzine em frente aos hospitais, por favor, os
enfermos precisam de paz. Não liguem as máquinas barulhentas, elas roem minha
paciência e inflamam o planeta. Não acionem os motores, não há pressa nem levam
a lugar algum, poluem demais. Não usem o telefone, não me falem, não preciso de
datas ou comemorações. Não acendam as lâmpadas, prefiro escurecer sozinho
mesmo. Não façam nada, oh, não façam porque é preciso viver como se tivesse que
correr o mundo inteiro depois de inúmeras quedas e cartas escritas, choradas,
lacradas, laceradas, rasgadas, porque a noite é imensa e perdi o caminho quando
as coisas não iam lá muito bem, assim me parece. Não me digam nada, nada mais
vive fora daqui já que o estrondo dos tremores rasgam as tumbas e os astros,
nada mais sustenta as palavras e os versos, a vontade e os gestos desenfreados.
Não há mais terraços para recitar a música das preces mais verdadeiras. A
canção restou amordaçada pelos negros anos e o silêncio infame faz da minha
boca a flor murcha no peito, queimando o riso, a tormenta nos lábios
ressecados, dos quais o derradeiro grito goteja sílabas de sangue, lama,
feridas e o martírio da carne. Quem aquele que não veio a pele ao granizo, pelos
açoitados, o corpo desnudo desconhece o frio da noite, desolado e só, eu voo
sem precisar ter pra onde ir ou chegar. Apenas, simplesmente, sorriso tímido,
olhar em qualquer direção, a vida passa e eu voo. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS
[...] se descobrimos de fato uma teoria completa,
ela deverá, ao longo do tempo, ser compreendida, grosso modo, por todos e não
apenas por alguns poucos cientistas. Então, devemos todos, filósofos,
cientistas, e mesmo leigos, ser capazes de fazer parte das discussões sobre a
questão de por que nós e o universo existimos. Se encontrarmos a resposta para
isto teremos o triunfo definitivo a razão humana; porque, então, teremos
atingido o conhecimento da mente de Deus [...].
Trecho
extraído da obra Uma breve história do
tempo: do Big Bang aos buracos negros (Rocco, 2000), do físico e cosmólogo
britânico Stephen Hawkins
(1942-2018). Veja mais aqui.
MARIA & MUCUNÃ DE CAROL
CORREIA
A cineasta Carol
Correia dirigiu e fez o roteiro do premiado filme Maria (2015), contando a história de uma mulher que caminha pelas
ruas de um passado de beleza e desventuras, ao sentar-se na calçada, acedendo
um cigarro e desfrutando da sua habitual solidão. No elenco Marcélia Cartaxo e
Karine Ordônio. Ela anuncia para breve o lançamento do seu novo filme Mucunã: A subsistência, a existência e a resistência. A Arte. A Revolução. Nada
se apaga. Tudo se paga. A gente
se comove e sonha. Aí sente, senta, coloca no papel e luta. Só que sonho bom a
gente divide com os outros e a realização plena dos sonhos só é possível
através de um processo coletivo e horizontal. Veja mais aqui e aqui.
A ARTE DE NARCIS IBAÑEZ PALLARES
&
muito
mais na Agenda aqui.