EU NASCI ENTRE UM RIO E UM SORRISO DE MULHER – Foi Carma quem me deu o
primeiro abraço na vida. E com um riso lindo. Minha mãe, coitada, vítima da
minha buliçosa gestação, perdia a conta da gravidez: sete ou 10 meses? Quase
endoida, avalie. Desentalei na horagá do rebento de um jeito da prestimosa
parteira se atrapalhar. Foi que escapuli dali às pressas para tocar fogo no
mundo e aprontar, quase me arrebentando no chão. Eis que Carma,
providencialmente, me abraça brincando: - Eita, chegou o meu netinho lindo! O
sorriso dela me acompanha desde então, porque é o amuleto que me faz um
sujeito, de sorte. A paciência daquela que me pariu quase finda num
enlouquecimento com minhas presepadas de garoto. Ela não arredava, cuidou de
mim todo tempo. E eu um malcriado só queria aconchego com Carma reclamando aos
prantos: - Carma, maínha não deixa. Maínha não deixa! Acometido por
enfermidades zis por ser mal-ouvido que aproveitava cada mínima piscada de olho
dela pras fugas e arteirices, com desobediência às prescrições médicas desde
que fora vítima de um derrame nos olhos ainda no primeiro ano de vida,
empanzinamento com iguarias condenáveis pelo fígado baqueado dos antibióticos, peraltices
de cair do teto da casa numa pia repleta de cascos de garrafas, presepadas de
virar armários quebrando todos os utensílios, pisoteios muitos que me levaram a
ser tratado como os pés-da-doida por todas da vizinhança. Eu desfazia todas as
ordens e na hora das lapadas corria para os braços de Carma que me alentava
como ente endeusado. Ah, Carma, sempre no meu coração. Eu podia fazer de tudo,
encher a rua de pernas, virar a cidade de cabeça pra baixo, pintar e bordar,
chegasse na casa dela: um abraço apertado e um afeto inesquecível; - Esse o meu
neto lindo! Quando dava, eu tomava café da manhã, almoçava, jantava, brincava
com Marquinho e Marcelo no quintal, virava a noite nós três no último dos
tantos quartos da casa – vez ou outra minhas comadres Sônia ou Deínha chegavam
lá para repreender a gente que passava da conta nas maloqueragens altas horas
da madrugada. O chulé dos três cuecas comia no centro! Um horror! As vítimas
que o digam: todos da casa. E a gente ainda fumava trancado de quando abrir a
porta sair o maior fumaceiro. Vixe! Bueiro da usina perdia! E Carma se ria.
Fosse festa de aniversário, de São João, Natal, Ano Novo, eu lá: Carma sempre
trazendo o meu prato farto com um sorriso largo. A hora que fosse, a porta era
só no trinco e eu invadia a sala, ia pelo corredor passando pela sala de jantar
e, na cozinha, lá estava Carma às gargalhadas com a minha chegada presepeira. E
me trazia um lanche e me acarinhava e conversava comigo e se ria às alturas a
cada despropósito que eu contava. Quando eu me ajeitava pra ir embora, tinha
que dar aquele abraço afetuosamente apertado pra ela me beijar na testa e me
abençoar pra meu juízo não virar a doidice que virei: - Vai com Deus, meu neto
lindo! Ah, Carma, sempre no meu coração. E pra ela – Dona Carminha, como todos
carinhosamente a chamam -, a avó do meu coração, deixo um versinho que fiz: O seu sorriso é a luz da minha vida. (Luiz
Alberto Machado). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
Imagem: arte do pintor e professor Murillo La Greca (1899-1985)
Veja mais: Slavoj Zizek, Pier Paulo Pasolini, Martin Baró, Victor Hugo, Silvana Mangano, Altay Veloso, Agildo
Ribeiro, Maria Creuza, Honoré Daumie & muito mais aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA