sábado, fevereiro 13, 2016

A UIARA DO JARAGUÁ, JOHN FOWLES & EMILY MORTIMER




Imagem: Ilustração de J. Lanzellotti.

A UIARA DO JARAGUÁ – Na Revista de Cultura Lendas e fábulas indígenas (Rio de Janeiro, 1938), encontro a narrativa O Uiara do Jaraguá, do Padre Armando Guerazzi, dando conta de que: De manhãzinha, clara manhã de algodoadas nuvens, ao primeiro despontar do sol, Leri – a ostra -, jovem esbelto, cabelos cor de ônix, olhos chispantes cheios de doçura, galgara o pico do Jaraguá a ver, dizia ele consigo mesmo, se lograria contemplar a Uiara. A lagoa, que brilhava no alto, nesses tempos remotos, refletia o céu azul, numa transparência cristalina. Eis senão quando percebe o moço um canto de enlevar. Pareciam acordes sobrenaturais. Voltou-se e, junto a si, deu de rosto com a Uiara. Linda como as mais lindas; cabelos de ouro, olhos glaucos, tez clara como seda branca e sorriso de real atrativo. – Vem comigo, Leri, e te mostrarei as minhas riquezas ocultas. O jovem lhe obedeceu. Lança-se às ondas tépidas, e, num instante, a Uiara o leva para o fundo das águas. Grande porta de bronze rangeu nos gonzos e se abriu para dar passagem ao visitante. Mas logo o moço recuou. Três monstros lhe surdiram à frente: um jacaré, uma sucuriju famélica e um tapir enorme. – Não temas, acudiu a fada encantadora. Essa visita te dará o poder da energia na guerra, desde que te laves na fonte dos diamantes. Assim fez, porque ao lado pululava água puríssima. Sorveu alguns haustos dessa água límpida e viu faiscar ali toda a sorte de pedras preciosas das mais variadas cores, como não vira jamais. E, a brando toque de Uiara, os monstros se transformaram em donzelas de aparência arrebatadora. Borboletas volitavam em ondas graciosamente cromáticas. – É o país do sonho – prosseguiu a fada. E ela assumiu vestes cada vez mais brilhantes. Enquanto da fisionomia moça irradiava felicidade. Perolas lhe afogavam o pescoço, diamantes lhe reluziam aos dedos, e os braços ebúrneos da Uiara tinham o lácteo das espumas do mar. Sentara-se depois a um trono e recebia das jovens, reverencias. Perfumes exalavam as tapeçarias magnificas, ao modo dos palácios orientais. As cores do ambiente mudavam de irisações, num espetáculo original, ao passo que harmonias em surdina se elevavam, entre vozes misteriosas, como qualquer cousa de exceder a fantasia humana. O jovem se esquecera da terra. Mas desejoso de mostrar aos seus aquele recanto ideal, onde notara tantas formosuras – estrelas de ouro, pedras dos variados matizes, sinfonias dulcíssimas e cantos de fascinar -,. Pensou um momento em voltar à maloca. – Ah! – exclamou pesarosa a linda Uiara. – Tens saudades da terra? Para lá hás de voltar. Partirás como herói porque viste o palácio do misterio. Nem te mostrarei as outras salas. E ao leve bater da vara de junco, a Uiara transportou de novo o rapaz à tona d’água, e desapareceu. O moço refletiu. Não podia falar. Durante aquela cena não pudera articular palavra. E mudo permaneceu mais tarde para não poder jamais contar a outros os segredos do Jaraguá. Mas de uma vez ascendeu ao topo daquele monte, e nada mais pode observar de extraordinário. Os sonhos, como as grandes alegrias, têm a fugacidade dos aromas e dos minutos... E caiu o moço na realidade da vida. Sobreveio a guerra. Leri, que era tido como a vergonha da tribo pela covardia, - tanto que o alcunhavam de belo efeminado -, revelou desde ali audácia nos combates e deixou entre os fortes o renome dos mais fortes. Trazia consigo os dentes de ror de inimigos que abatera na luta. E, nas horas do cururu, tanta vez cantaram em desafio que ele era o melhor, porque soubera lavar o nome quando bebera da água transformadora de vontades no palácio encantador da Uiara, no Jaraguá.

Veja mais:
A BURRINHA DE PADRE 
A LENDA DO MORRO PINTADO
  

DITOS & DESDITOS

Sempre senti que precisava me esforçar muito para não decepcionar. Então, me esforcei muito, mas na época me convinha, porque eu não fazia muita coisa além disso...

Pensamento da atriz, diretora e produtora de cinema britânica Emily Mortimer.

 

O COLECIONADOR – [...] Eu adoro fazer, adoro fazer. Adoro estar por inteiro, adoro tudo que não seja ficar sentado assistindo, copiando e morto de coração. [...] Acho que somos apenas insetos, vivemos um pouco e depois morremos, e é isso. Não há misericórdia nas coisas. Não existe nem mesmo um Grande Além. Não existe nada. [...] Todos nós queremos coisas que não podemos ter. Ser um ser humano decente é aceitar isso. [...] Odeio os ignorantes e os ignorantes. Odeio os pomposos e os falsos. Odeio os invejosos e os ressentidos. Odeio os rabugentos, os mesquinhos e os mesquinhos. Odeio todas as pessoas comuns e sem graça que não têm vergonha de serem sem graça e pequenas. [...] É desespero pela falta de sentimento, de amor, de razão no mundo. É desespero por alguém sequer cogitar a ideia de lançar uma bomba ou ordenar que ela seja lançada. É desespero por tão poucos de nós se importarem. É desespero por haver tanta brutalidade e insensibilidade no mundo. É desespero por jovens perfeitamente normais poderem se tornar cruéis e malignos só porque ganharam muito dinheiro. E depois fazer o que você fez comigo. [...] Quando você desenha algo, ele vive; quando você o fotografa, ele morre. [...] Esquecer não é algo que você faz, acontece com você. Só que não aconteceu comigo. [...] O poder das mulheres! Nunca me senti tão cheia de um poder misterioso. Homens são uma piada. Somos tão fracas fisicamente, tão indefesas diante das coisas. Ainda assim, até hoje. Mas somos mais fortes do que elas. Podemos suportar a crueldade delas. Elas não suportam a nossa. [...] O homem comum é a maldição da civilização [...] Eu só penso nas coisas como bonitas ou não. Você não entende? Eu não penso em boas ou ruins. Só em bonitas ou feias. Acho que muitas coisas boas são feias e muitas coisas ruins são bonitas. [...] Vivo. Vivo do mesmo modo que a morte é viva. [...] Sou apenas uma em uma fileira de espécimes. É quando tento sair da linha que ele me odeia. Sou destinada a estar morta, presa, sempre a mesma, sempre linda. Ele sabe que parte da minha beleza é estar viva, mas é a minha versão morta que ele quer. Ele me quer viva, mas morta. [...] Sou eu. Eu sou a loucura dele. Há anos ele procura algo para colocar sua loucura. E ele me encontrou. [...] Você deve fazer, sempre. Você deve agir, se acredita em algo. Falar sobre atuação é como se gabar dos quadros que você vai pintar. A pior forma de se fazer. [...] Apenas essas três palavras, ditas e significadas. Eu te amo. Elas eram completamente sem esperança. Ele disse isso como se tivesse dito: Eu tenho câncer. Seu conto de fadas. [...] Ele é sólido; imóvel, com uma vontade férrea. Um dia, ele me mostrou sua garrafa da morte. Estou aprisionado nela. Flutuando contra o vidro. Como consigo ver através dela, ainda acho que posso escapar. Tenho esperança. Mas é tudo uma ilusão. Uma parede grossa e redonda de vidro. [...] A arte é cruel. Você pode se safar de um assassinato com palavras. Mas uma imagem é como uma janela que atravessa direto o seu coração. [...] Você sabia que tudo o que é grandioso na história da arte e tudo o que é belo na vida é, na verdade, o que você chama de desagradável ou foi causado por sentimentos que você chamaria de desagradáveis? Pela paixão, pelo amor, pelo ódio, pela verdade. Você sabia disso? [...] O céu está absolutamente vazio. Lindamente puro e vazio. Como se os arquitetos e construtores morassem em todas as casas que construíram! Ou pudessem morar em todas elas. É óbvio, é evidente. Deve haver um Deus e ele não pode saber nada sobre nós. [...] Devo lutar com as minhas armas. Não com as dele. Não com egoísmo, brutalidade, vergonha e ressentimento. [...] Ele não é humano; ele é um espaço vazio disfarçado de humano. [...] O que você ama é o seu próprio amor. Não é amor, é egoísmo. Não é em mim que você pensa, mas no que você sente por mim. [...] Trechos extraídos da obra The Collector (Back Bay Books, 1997), do escritor e novelista britânico John Fowles (1926-2005), contando sobre o jovem solitário Frederick Clegg, que trabalha como balconista em uma prefeitura e coleciona borboletas nas horas vagas. A primeira parte do romance conta a história do seu ponto de vista, mostrando seus familiares e seus desejos profundos. De repente, ele fica obcecado por Miranda Gray, uma estudante de arte de classe média na Slade School of Fine Art. Ele a admira à distância, mas é incapaz de fazer qualquer contato com ela, porque se considera socialmente subdesenvolvido. Um dia, ele ganha um grande prêmio nas piscinas de futebol e deixa o seu emprego e compra uma casa isolada no campo. Apesar de ficar rico e ter sua própria casa, ele se sente muito sozinho, e seu desejo de ficar com Miranda aumenta. Como ele é incapaz de fazer qualquer contato normal com ela, Clegg decide adicioná-la à sua "coleção" de objetos bonitos e preservados, na esperança de que, se ele a mantiver em cativeiro por tempo suficiente, um dia ela passará a amá-lo. O romance foi adaptado o cinema e estreou em 1965, com o roteiro escrito por Stanley Mann e John Kohn, e dirigido por William Wyler, com Terence Stamp e Samantha Eggar. Em 1985, os assassinos Leonard Lake e Charles Chi-Tat Ng sequestraram Kathy Allen, de 18 anos, e Brenda O'Connor, de 19 anos. Lake disse que era obcecado por O Colecionador, e descreveu seu plano de usar as mulheres para sexo e tarefas domésticas e depois registrava em vídeo que considerava sua principal "filosofia". Acredita-se que os dois assassinos tenham matado pelo menos 25 pessoas, incluindo duas famílias inteiras. Embora Lake tenha cometido vários crimes na área de Ukiah, Califórnia, sua "Operação Miranda" não começou senão depois que se mudou para Wilseyville, Califórnia. As fitas de vídeo de seus assassinatos e um diário escrito por ele mesmo, estavam enterrados perto do bunker em Wilseyville. Eles revelaram que Lake havia nomeado seu enredo de Operação Miranda em homenagem à própria Miranda do livro. Já Christopher Wilder foi um assassino em série que matava jovem garotas, ele foi morto pela polícia em 1984 e um sua posse estava o O Colecionador. Em 1988, Robert Berdella manteve suas vítimas do sexo masculino em cativeiro, sob tortura. Fotografava-os antes de os assassinar a sangue frio. Ele alegou que a versão cinematográfica de O Colecionador havia sido sua principal inspiração quando era adolescente. Veja mais aqui.

  


Veja mais sobre:
Boi de fogo aqui.

E mais:
Poetas do Brasil, Gregório de Matos Guerra, Sheryl Crow, Dalinha Catunda, Yedda Gaspar Borges, Iracema Macedo, Fidélia Cassandra, Jade da Rocha, Psicodiagnóstico, Controle & Silêncio Administrativos aqui.
Eliete Cigarini, Abuso Sexual, Condicionamento Reflexo & Operante aqui.
Poetas do Brasil, Satyricon de Petrônio, Decameron de Boccaccio, Jorge de Lima, Laura Amélia Damous, Sandra Lustosa, Arriete Vilela, Sandra Magalhães Salgado, Celia Lamounier de Araújo & Simone Moura Mendes aqui.
Anna Pavlova, a Psicanálise de Freud & Adoção aqui.
A magia do olhar de quem chega aqui.
A mulher chinesa aqui.
Tarsila do Amaral, Psicopatologia & Transtornos de Consciência, Direito, Consumidor & Internet aqui.
José Saramago, Hannah Arendt, Luís Buñuel, Sérgio Mendes, Catherine Deneuve, Frederico Barbosa, Barbara Sukova, Os Assassinos do Frevo & Gilson Braga aqui.
Skinner, Walter Smetak, Costa-Gavras, Olga Benário, Kazimir Malevich, Irene Pappás, Camila Morgado & Pegada de Carbono aqui.
Marcio Baraldi & Transversalidade na Educação aqui.
Padre Bidião & as duas violências aqui.
A literatura de Rubem Fonseca aqui.
Proezas do Biritoaldo: Quando o banguelo vê esmola grande fica mais assanhado que pinto no lixo aqui.

Big Shit Bôbras & o paredão: quem vai tomar no cu aqui.
Todo dia é dia da mulher aqui.
A croniqueta de antemão aqui.
Fecamepa aqui e aqui.
Palestras: Psicologia, Direito & Educação aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
&
Agenda de Eventos aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA;
Veja mais aqui, aquiaqui e aqui.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
Veja os vídeos aqui & mais aqui e aqui.

MALIKA MOKEDDEM, EWA LIPSKA, ZADIE SMITH, ARTE NA ESCOLA & SUBLIME SEMBLANTE

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som de Vista , para orquestra (2019) e Semafor , para grupo instrumental (2020), da compositora finlandesa ...