A UIARA DO JARAGUÁ – Na
Revista de Cultura Lendas e fábulas indígenas (Rio de Janeiro, 1938), encontro
a narrativa O Uiara do Jaraguá, do Padre Armando Guerazzi, dando conta de que: De manhãzinha, clara manhã de algodoadas
nuvens, ao primeiro despontar do sol, Leri – a ostra -, jovem esbelto, cabelos
cor de ônix, olhos chispantes cheios de doçura, galgara o pico do Jaraguá a
ver, dizia ele consigo mesmo, se lograria contemplar a Uiara. A lagoa, que
brilhava no alto, nesses tempos remotos, refletia o céu azul, numa
transparência cristalina. Eis senão quando percebe o moço um canto de enlevar.
Pareciam acordes sobrenaturais. Voltou-se e, junto a si, deu de rosto com a
Uiara. Linda como as mais lindas; cabelos de ouro, olhos glaucos, tez clara
como seda branca e sorriso de real atrativo. – Vem comigo, Leri, e te mostrarei
as minhas riquezas ocultas. O jovem lhe obedeceu. Lança-se às ondas tépidas, e,
num instante, a Uiara o leva para o fundo das águas. Grande porta de bronze
rangeu nos gonzos e se abriu para dar passagem ao visitante. Mas logo o moço
recuou. Três monstros lhe surdiram à frente: um jacaré, uma sucuriju famélica e
um tapir enorme. – Não temas, acudiu a fada encantadora. Essa visita te dará o
poder da energia na guerra, desde que te laves na fonte dos diamantes. Assim
fez, porque ao lado pululava água puríssima. Sorveu alguns haustos dessa água
límpida e viu faiscar ali toda a sorte de pedras preciosas das mais variadas
cores, como não vira jamais. E, a brando toque de Uiara, os monstros se
transformaram em donzelas de aparência arrebatadora. Borboletas volitavam em
ondas graciosamente cromáticas. – É o país do sonho – prosseguiu a fada. E ela
assumiu vestes cada vez mais brilhantes. Enquanto da fisionomia moça irradiava
felicidade. Perolas lhe afogavam o pescoço, diamantes lhe reluziam aos dedos, e
os braços ebúrneos da Uiara tinham o lácteo das espumas do mar. Sentara-se
depois a um trono e recebia das jovens, reverencias. Perfumes exalavam as
tapeçarias magnificas, ao modo dos palácios orientais. As cores do ambiente
mudavam de irisações, num espetáculo original, ao passo que harmonias em
surdina se elevavam, entre vozes misteriosas, como qualquer cousa de exceder a
fantasia humana. O jovem se esquecera da terra. Mas desejoso de mostrar aos
seus aquele recanto ideal, onde notara tantas formosuras – estrelas de ouro,
pedras dos variados matizes, sinfonias dulcíssimas e cantos de fascinar -,.
Pensou um momento em voltar à maloca. – Ah! – exclamou pesarosa a linda Uiara.
– Tens saudades da terra? Para lá hás de voltar. Partirás como herói porque
viste o palácio do misterio. Nem te mostrarei as outras salas. E ao leve bater
da vara de junco, a Uiara transportou de novo o rapaz à tona d’água, e
desapareceu. O moço refletiu. Não podia falar. Durante aquela cena não pudera
articular palavra. E mudo permaneceu mais tarde para não poder jamais contar a
outros os segredos do Jaraguá. Mas de uma vez ascendeu ao topo daquele monte, e
nada mais pode observar de extraordinário. Os sonhos, como as grandes alegrias,
têm a fugacidade dos aromas e dos minutos... E caiu o moço na realidade da
vida. Sobreveio a guerra. Leri, que era tido como a vergonha da tribo pela
covardia, - tanto que o alcunhavam de belo efeminado -, revelou desde ali
audácia nos combates e deixou entre os fortes o renome dos mais fortes. Trazia
consigo os dentes de ror de inimigos que abatera na luta. E, nas horas do
cururu, tanta vez cantaram em desafio que ele era o melhor, porque soubera
lavar o nome quando bebera da água transformadora de vontades no palácio
encantador da Uiara, no Jaraguá.
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