Imagem: Olhar sensual, de
João Câmara
A MAGIA DO
OLHAR DE QUEM CHEGA
Há no seu olhar
algo
surpreendente
como o viajar
da estrela cadente
eu quisera ter
tantos anos-luz
quantos fossem
precisar pra cruzar o túnel do tempo do seu olhar...
(Gilberto Gil)
Luiz Alberto Machado
Quando o nome que não se pode dizer agora tocava - dlin! dlon! -,
a campanhia estridulava e trazia o seu olhar - que olhos pidões, meu Deus! -
indigente de quem se encontra na carência de encontrar o meu e eu me dizia
Romeu:
"... é minha dama! Oh! ela é o meu amor!
Oh! se ela
soubera!
Fala,
entretanto, nada diz; mas que importa, falam seus olhos....”
Era um trasgo adusto e a minha lucidez se evaporava. E absorto me
deixava ululante a ponto de encher com azáfama meus nervos e à cambalhotas o
meu coração desencontrado.
Era, com certeza, uma teopsia, na qual Perséfone se transmudava em
zis personagens para protagonizarem minha loucura. Eu sabia e me embevecia, me
entregava ao seu olhar como quem se entrega à própria sorte.
De quem vai se
entregar
Seja em
qualquer lugar
Onde a sorte
vier...
O seu olhar se mostrava carregado de ternura e cobiça invadindo
todas as minhas entranhas e todas as dependências do meu apartamento, removendo
taciturnidades, solidões, monocórdios, varrendo a mesmice, a pasmaceira e a
misantropia impregnadas no meu ser e no ar de todo ambiente, trazendo um clima
festivo de luzes acesas e alvoroços siderais para a minha acomodação.
Seu olhar me dizia Julieta:
"jura-me somente que me amas... toma-me toda inteira!"...
Era um rebuliço faceiro que sua figura altaneira causava no acorçoo
de minha alma, do sol brilhar valorizando sua presença. E eu enamorado recitava
com as forças do meu coração:
"com as leves asas do amor transpus estes muros, porque os limites de
pedra não servem de empecilho para o amor. E o que o amor pode fazer, o amor
ousa tentar... ai! Mais perigos há em teus olhos do que em vinte de suas
espadas... amor, que foi o primeiro que me incitou a indagar; ele me deu
conselho e eu lhe dei meus olhos...”
Era a trapaça de ver-me rendido no lance, tantalizado com a sua
chegada inopinada, acabrunhado com o seu jeito e com o leve toque
descompromissado do seu olhar em minha direção a cobrar-me:
"jura pela tua graciosa
pessoa que é o deus de minha idolatria... quanto mais te dou, mais tenho..."
E rompia a encruzilhada do prazer, exorcizando meus demônios com
seus lábios - aquela boca linda de Liv Tyler, fissurando-me com seus lábios bons
de morder, salientes e capazes de seu diâmetro escancarado abarcar meus
segredos excitados. Aliás, diga-se de passagem, a sua boca era uma entre tantas
outras seduções capazes de me endoidecer, de sonhar com meu sexo duro, túmido,
dentro, todinho, engolido por seu paladar - e seus seios de Mathilda May
rodopiando na minha saliva, sua pele sedosa eriçada, seu corpo esgalgo, a sua
carne de polpa saborosa, seu ventre humoso - aquele ventre estival e sápido -,
a taça do seu veneno para beber ensandecido na doação de seu corpo maternal...
"o amor corre para o amor"... entoei...
Quero que você
me venha de manhã
Plantar a luz
do sol
Com sua fonte a
minar
E em mim se
escorrer...
E me contornava inóspita, toda exata com sua blusinha de alça,
deixando prevalecer todos os seus atributos, a proeminência dos seios latentes,
as vestes coladas no corpo realçando a sua vitalidade e seus dotes corpóreos
aliciando a fogueira ardente do meu corpo sedento por tostar a alma agradável,
sussurrando em sonho ao meu ouvido...
"e como o amor é cego, combina melhor com a noite!... vem, tu, dia da
noite, pois sobre as asas da noite parecerás mais branco do que a neve
recém-pousada sobre um corvo!... vem, noite gentil!... vem, amorosa noite
morena... Dá-me meu Romeu!..."
E aguando esta
ternura
Na gente dê
vontade de nascer
Beijar-lhe o
ventre
E ver a vida a
rolar... vai ser demais!
E ela caminhava citígrada na noite da minha solidão, pesunhando
minha alma, e eu a seguir seus passos insones, ah! pequena aljôfar de olhos
súplices fitando-me compenetrada enquanto chupava sorvete só para me provocar;
deixando-me antever a textura de sua língua exuberante e aveludada naquele
rostinho lindo, semiangelical, de uma beleza ostensiva tripudiando meus
quereres decíduos e arruinados pela sua supremacia toda acanhada, silente,
sonsa, excitante, solaçosa, enxuta, fermentosa, édule, usurpando minha quietude
com a sua blusa a mostrar-me o rego dos seios generosos, onde eu já via na
minha ilusão instantânea a sua manifestação de naja com seu capuz estufado para
me devorar e premida pela sua necessidade, a suavidade de suas curvas
desafiando minha perícia para um test-drive
por seus traços angulosos, suas formas assombrosamente sedutoras. - parece que
se vestia assim para mim, na provocação vindicativa do seu olhar imantando o
meu gândulo, não se desgrudando imbrífera dos meus segredos mais remotos.
O tempo vai
ruir pra nós
Desexistir
Incendiar o
corpo, a voz
A sede saciar
na foz
Assim, sedento
A diluir-se em
flor pelos confins...
Não havia jeito de me desvencilhar de sua imagem onímoda e
deslumbrante, provocando um redemoinho em todas as minhas certezas
defenestradas dali, deixando-me débil com seu ar brizomante, parece que
adivinhando os meus sonhos de vê-la estirada na minha bandeja, nua esurina,
trincadeira.
Onde está o que
sou eu?
Será renúncia
de querer você?
Amor, que vai
ser de mim
Se um dia esta
vontade de viver
Perder o amor
de vista e esquecer
Angústia de não
ter raiz
E o ar
desvencilhar-se do nariz...
Será de mim?
O que será do
meu coração?
A sua voz arrastada, manhosa, mais parecia Nelli Sampaio sussurrando
versos luxuriosos na minha alucinação, sotaque que mais acrescentava a minha
filoginia e nos dava a urgência de nos estreitar mais convergindo ao centro da
minha paixão desnudada.
Não forcei a barra, fui manso, deixei a coisa rolar. Eu estava a
fim, ela, ao que parece, idem, mas afastada. Ela dava bandeira, mas se
resguardava quando eu me insinuava, podando-me a iniciativa. Ela bateu forte,
fundo, aguçando a minha imaginação para peripécias zis. Eu sabia que dali
sairia um bom caldo. Saquei seu timing, o seu jeito guerreira, altiva e
cosmopolita, um tanto animalesca, dando-lhe um trato terno na geografia
curvilínea, não poupando um centímetro de sua graça corporal que evocava
sabores, brincando com o meu apetite. Eu a desejava da ponta dos pés ao último
fio de cabelo e quando exaltada na minha cobiça, seus olhos pareciam mais um
pelotão de fuzilamento. Eu recuava, cedia, certo de que haveria ocasião melhor
para a minha investida amorançada.
Para puxar assunto inquiri sua data de nascimento, ao que me
respondeu e caí logo numa sessão horoscopeta, puxando-lhe pela intimidade,
descobrindo que "da mesma forma que
damos e fazemos pelos outros, dessa mesma forma receberemos e teremos sucesso
na vida", revelando o sentido da troca do amor, da permuta do querer e
que, por sua natureza bondosa e muitas vezes desprendida, carecia de se soltar,
cobrando-lhe uma reciprocidade clara aos meus intentos.
Nenhuma atitude esboçara, impassível. Por ser uma pessoa liberal,
franca, honesta, desprezando o enganoso e o ilícito, fixei minha retórica
valorizando lugares como a Babilônia, a Pérsia, o Egito, a Palestina e as
veredas estranhas do Oriente, onde sabia que se desmanchava por curiosidade,
estendendo-se por países como o Egito, China e Japão.
Ela estava hipnotizada com minha falácia e eu sabia disso,
aguçando ainda mais seu êxtase pelo que eu discorria.
Parece que eu adivinhava e ela se desnudava por inteiro perante
minhas considerações. Ela me fitava a ponto de me engolir por inteiro. Estava
receptiva, ao que acertei em cheio os seus mistérios. Repentinamente,
escapulira pela porta afora, deixando-me a falar sozinho. Com isso perdi a
noção de ser feliz. Fiquei por horas e dias a esperar-lhe a presença à minha
porta, tocando a campainha para realizar-me os desejos desenfreados que me afligiam.
Sumira. A campainha calara. E de repente é como se ela passasse a povoar os
meus sonhos, abrindo a porta do coração e entrando com sua nudez ao som do Concierto de Aranjuez, rompendo o
abandono e o sacrifício da existência. E me chegasse como a ânsia do meninote embalado
pelos seios da professora do primário, Ilmena, peituda, reboculosa, linda de
morrer e me enveredando pelos caminhos do amor impossível. E me visse mais
taludo já, bigodinho ralo, como uma professora de Ciências, Lidinalda, ah! A que
arrebatara todas as minhas atenções a deixar-me quase morrer onanista feita a
coleguinha Chumbinho, miudinha, troncuda, do ginasial, a me extasiar na
adolescência e, ao mesmo tempo transformada em Livânia, uma varapau
maravilhosa, quase duas de mim na altura, que ao encontrar-me absorto
apaixonado, virava o rosto para o céu como a pedir clemência entre escanteios e
desencontros de musas mil que se enviesavam em meus caminhos, como Perséfone
amada que me afligia no centro da das mais paixões construindo castelos de
invenções para ser a Malésia que me falava com seu jeito Leila Diniz: "sou uma mulher meiga, adoro amar. Quero
mesmo é fazer amor sem parar". E cantarolava: "... Brigam Espanha e Holanda, pelos direitos do
mar... porque não sabem que o mar é de quem o sabe amar...". E dela se
formando um panteão com Pomona simpática, com Maristela que vivia de peitica
com a minha timidez a mostrar-me seu derrière, atrepando-se a qualquer
saliência a me provocar como naquela cena antológica de Sonia Braga no telhado
quando Gabriela; com o riso ao vivo de Marina Lima, que teimava em se manter
colorindo meu cérebro; com a altiva presença de Luciana Ávila ou Mônica
Waldvogel atualizando-me com o noticiário nacional, enquanto eu morria de
paixonite aguda; como Leila sacando no volei ou Isabel paramentada com a mais
estonteante torcida do Flamengo; como Débora Rodrigues, uma sem-terra sedutora
que arrepiava numa direção da Fórmula Truck; como a nudez de Carolina Ferraz no
Pantanal; como a meiguice de Fátima Guedes, cantando as coisas mais mansas de
sua feminilidade; como uma altaneira Vera Fischer, o vinho mais nobre da minha
cobiça; como a viúva Thereza, a residente mais contumaz do meu imaginário; com a
pele trigueira de Suzy Rego, sedutora feiticeira; com a magnífica expressão de
Kátia Maranhão a me convidar para todas as traquinagens do amor; com o jeito
manso de Adriana Calcanhoto encantando minha alma, com o lindo enleio de Leila
Pinheiro aformoseando minha vida, enquanto eu ruminava paixões alucinadas e
desmedia de mim, do meu próprio tamanho, crescendo, dilatando com meu prazer no
vórtice das emoções mais arraigadas para invadir suas ruas e becos e voar no
seu íntimo e crescer na sua carne e ser-me probo condutor de suas mais agudas
premências de gozo, enquanto eu lhe ouvia gemendo Clarice Lispector no centro
da maior das minhas loucuras e me desencontrando ao encontra-la nua e inteira ao
meu dispor para todas as explosões da minha catarse. O amor sempre apronta: “O amor quando acontece a gente esquece que
sofreu um dia...”. Veja mais aqui e aqui.
Imagem: Marabá, de Rodolpho
Amoedo.
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Musical Tataritaritatá - Fanpage.