sexta-feira, fevereiro 12, 2016

A MAGIA DO OLHAR DE QUEM CHEGA



 Imagem: Olhar sensual, de João Câmara

A MAGIA DO OLHAR DE QUEM CHEGA

Há no seu olhar
algo surpreendente
como o viajar da estrela cadente
eu quisera ter tantos anos-luz
quantos fossem precisar pra cruzar o túnel do tempo do seu olhar...
(Gilberto Gil)

Luiz Alberto Machado

Quando o nome que não se pode dizer agora tocava - dlin! dlon! -, a campanhia estridulava e trazia o seu olhar - que olhos pidões, meu Deus! - indigente de quem se encontra na carência de encontrar o meu e eu me dizia Romeu:

"... é minha dama! Oh! ela é o meu amor!
Oh! se ela soubera!
Fala, entretanto, nada diz; mas que importa, falam seus olhos....”

Era um trasgo adusto e a minha lucidez se evaporava. E absorto me deixava ululante a ponto de encher com azáfama meus nervos e à cambalhotas o meu coração desencontrado.

Era, com certeza, uma teopsia, na qual Perséfone se transmudava em zis personagens para protagonizarem minha loucura. Eu sabia e me embevecia, me entregava ao seu olhar como quem se entrega à própria sorte.

De quem vai se entregar
Seja em qualquer lugar
Onde a sorte vier...

O seu olhar se mostrava carregado de ternura e cobiça invadindo todas as minhas entranhas e todas as dependências do meu apartamento, removendo taciturnidades, solidões, monocórdios, varrendo a mesmice, a pasmaceira e a misantropia impregnadas no meu ser e no ar de todo ambiente, trazendo um clima festivo de luzes acesas e alvoroços siderais para a minha acomodação.

Seu olhar me dizia Julieta:

"jura-me somente que me amas... toma-me toda inteira!"...

Era um rebuliço faceiro que sua figura altaneira causava no acorçoo de minha alma, do sol brilhar valorizando sua presença. E eu enamorado recitava com as forças do meu coração:

"com as leves asas do amor transpus estes muros, porque os limites de pedra não servem de empecilho para o amor. E o que o amor pode fazer, o amor ousa tentar... ai! Mais perigos há em teus olhos do que em vinte de suas espadas... amor, que foi o primeiro que me incitou a indagar; ele me deu conselho e eu lhe dei meus olhos...”

Era a trapaça de ver-me rendido no lance, tantalizado com a sua chegada inopinada, acabrunhado com o seu jeito e com o leve toque descompromissado do seu olhar em minha direção a cobrar-me:

"jura pela tua graciosa pessoa que é o deus de minha idolatria... quanto mais te dou, mais tenho..."

E rompia a encruzilhada do prazer, exorcizando meus demônios com seus lábios - aquela boca linda de Liv Tyler, fissurando-me com seus lábios bons de morder, salientes e capazes de seu diâmetro escancarado abarcar meus segredos excitados. Aliás, diga-se de passagem, a sua boca era uma entre tantas outras seduções capazes de me endoidecer, de sonhar com meu sexo duro, túmido, dentro, todinho, engolido por seu paladar - e seus seios de Mathilda May rodopiando na minha saliva, sua pele sedosa eriçada, seu corpo esgalgo, a sua carne de polpa saborosa, seu ventre humoso - aquele ventre estival e sápido -, a taça do seu veneno para beber ensandecido na doação de seu corpo maternal... "o amor corre para o amor"... entoei...

Quero que você me venha de manhã
Plantar a luz do sol
Com sua fonte a minar
E em mim se escorrer...

E me contornava inóspita, toda exata com sua blusinha de alça, deixando prevalecer todos os seus atributos, a proeminência dos seios latentes, as vestes coladas no corpo realçando a sua vitalidade e seus dotes corpóreos aliciando a fogueira ardente do meu corpo sedento por tostar a alma agradável, sussurrando em sonho ao meu ouvido...

"e como o amor é cego, combina melhor com a noite!... vem, tu, dia da noite, pois sobre as asas da noite parecerás mais branco do que a neve recém-pousada sobre um corvo!... vem, noite gentil!... vem, amorosa noite morena... Dá-me meu Romeu!..."

E aguando esta ternura
Na gente dê vontade de nascer
Beijar-lhe o ventre
E ver a vida a rolar... vai ser demais!

E ela caminhava citígrada na noite da minha solidão, pesunhando minha alma, e eu a seguir seus passos insones, ah! pequena aljôfar de olhos súplices fitando-me compenetrada enquanto chupava sorvete só para me provocar; deixando-me antever a textura de sua língua exuberante e aveludada naquele rostinho lindo, semiangelical, de uma beleza ostensiva tripudiando meus quereres decíduos e arruinados pela sua supremacia toda acanhada, silente, sonsa, excitante, solaçosa, enxuta, fermentosa, édule, usurpando minha quietude com a sua blusa a mostrar-me o rego dos seios generosos, onde eu já via na minha ilusão instantânea a sua manifestação de naja com seu capuz estufado para me devorar e premida pela sua necessidade, a suavidade de suas curvas desafiando minha perícia para um test-drive por seus traços angulosos, suas formas assombrosamente sedutoras. - parece que se vestia assim para mim, na provocação vindicativa do seu olhar imantando o meu gândulo, não se desgrudando imbrífera dos meus segredos mais remotos.

O tempo vai ruir pra nós
Desexistir
Incendiar o corpo, a voz
A sede saciar na foz
Assim, sedento
A diluir-se em flor pelos confins...

Não havia jeito de me desvencilhar de sua imagem onímoda e deslumbrante, provocando um redemoinho em todas as minhas certezas defenestradas dali, deixando-me débil com seu ar brizomante, parece que adivinhando os meus sonhos de vê-la estirada na minha bandeja, nua esurina, trincadeira.

Onde está o que sou eu?
Será renúncia de querer você?
Amor, que vai ser de mim
Se um dia esta vontade de viver
Perder o amor de vista e esquecer
Angústia de não ter raiz
E o ar desvencilhar-se do nariz...
Será de mim?
O que será do meu coração?

A sua voz arrastada, manhosa, mais parecia Nelli Sampaio sussurrando versos luxuriosos na minha alucinação, sotaque que mais acrescentava a minha filoginia e nos dava a urgência de nos estreitar mais convergindo ao centro da minha paixão desnudada.

Não forcei a barra, fui manso, deixei a coisa rolar. Eu estava a fim, ela, ao que parece, idem, mas afastada. Ela dava bandeira, mas se resguardava quando eu me insinuava, podando-me a iniciativa. Ela bateu forte, fundo, aguçando a minha imaginação para peripécias zis. Eu sabia que dali sairia um bom caldo. Saquei seu timing, o seu jeito guerreira, altiva e cosmopolita, um tanto animalesca, dando-lhe um trato terno na geografia curvilínea, não poupando um centímetro de sua graça corporal que evocava sabores, brincando com o meu apetite. Eu a desejava da ponta dos pés ao último fio de cabelo e quando exaltada na minha cobiça, seus olhos pareciam mais um pelotão de fuzilamento. Eu recuava, cedia, certo de que haveria ocasião melhor para a minha investida amorançada.

Para puxar assunto inquiri sua data de nascimento, ao que me respondeu e caí logo numa sessão horoscopeta, puxando-lhe pela intimidade, descobrindo que "da mesma forma que damos e fazemos pelos outros, dessa mesma forma receberemos e teremos sucesso na vida", revelando o sentido da troca do amor, da permuta do querer e que, por sua natureza bondosa e muitas vezes desprendida, carecia de se soltar, cobrando-lhe uma reciprocidade clara aos meus intentos.

Nenhuma atitude esboçara, impassível. Por ser uma pessoa liberal, franca, honesta, desprezando o enganoso e o ilícito, fixei minha retórica valorizando lugares como a Babilônia, a Pérsia, o Egito, a Palestina e as veredas estranhas do Oriente, onde sabia que se desmanchava por curiosidade, estendendo-se por países como o Egito, China e Japão.

Ela estava hipnotizada com minha falácia e eu sabia disso, aguçando ainda mais seu êxtase pelo que eu discorria.

Parece que eu adivinhava e ela se desnudava por inteiro perante minhas considerações. Ela me fitava a ponto de me engolir por inteiro. Estava receptiva, ao que acertei em cheio os seus mistérios. Repentinamente, escapulira pela porta afora, deixando-me a falar sozinho. Com isso perdi a noção de ser feliz. Fiquei por horas e dias a esperar-lhe a presença à minha porta, tocando a campainha para realizar-me os desejos desenfreados que me afligiam. Sumira. A campainha calara. E de repente é como se ela passasse a povoar os meus sonhos, abrindo a porta do coração e entrando com sua nudez ao som do Concierto de Aranjuez, rompendo o abandono e o sacrifício da existência. E me chegasse como a ânsia do meninote embalado pelos seios da professora do primário, Ilmena, peituda, reboculosa, linda de morrer e me enveredando pelos caminhos do amor impossível. E me visse mais taludo já, bigodinho ralo, como uma professora de Ciências, Lidinalda, ah! A que arrebatara todas as minhas atenções a deixar-me quase morrer onanista feita a coleguinha Chumbinho, miudinha, troncuda, do ginasial, a me extasiar na adolescência e, ao mesmo tempo transformada em Livânia, uma varapau maravilhosa, quase duas de mim na altura, que ao encontrar-me absorto apaixonado, virava o rosto para o céu como a pedir clemência entre escanteios e desencontros de musas mil que se enviesavam em meus caminhos, como Perséfone amada que me afligia no centro da das mais paixões construindo castelos de invenções para ser a Malésia que me falava com seu jeito Leila Diniz: "sou uma mulher meiga, adoro amar. Quero mesmo é fazer amor sem parar". E cantarolava: "... Brigam Espanha e Holanda, pelos direitos do mar... porque não sabem que o mar é de quem o sabe amar...". E dela se formando um panteão com Pomona simpática, com Maristela que vivia de peitica com a minha timidez a mostrar-me seu derrière, atrepando-se a qualquer saliência a me provocar como naquela cena antológica de Sonia Braga no telhado quando Gabriela; com o riso ao vivo de Marina Lima, que teimava em se manter colorindo meu cérebro; com a altiva presença de Luciana Ávila ou Mônica Waldvogel atualizando-me com o noticiário nacional, enquanto eu morria de paixonite aguda; como Leila sacando no volei ou Isabel paramentada com a mais estonteante torcida do Flamengo; como Débora Rodrigues, uma sem-terra sedutora que arrepiava numa direção da Fórmula Truck; como a nudez de Carolina Ferraz no Pantanal; como a meiguice de Fátima Guedes, cantando as coisas mais mansas de sua feminilidade; como uma altaneira Vera Fischer, o vinho mais nobre da minha cobiça; como a viúva Thereza, a residente mais contumaz do meu imaginário; com a pele trigueira de Suzy Rego, sedutora feiticeira; com a magnífica expressão de Kátia Maranhão a me convidar para todas as traquinagens do amor; com o jeito manso de Adriana Calcanhoto encantando minha alma, com o lindo enleio de Leila Pinheiro aformoseando minha vida, enquanto eu ruminava paixões alucinadas e desmedia de mim, do meu próprio tamanho, crescendo, dilatando com meu prazer no vórtice das emoções mais arraigadas para invadir suas ruas e becos e voar no seu íntimo e crescer na sua carne e ser-me probo condutor de suas mais agudas premências de gozo, enquanto eu lhe ouvia gemendo Clarice Lispector no centro da maior das minhas loucuras e me desencontrando ao encontra-la nua e inteira ao meu dispor para todas as explosões da minha catarse. O amor sempre apronta: “O amor quando acontece a gente esquece que sofreu um dia...”. Veja mais aqui e aqui.

Imagem: Marabá, de Rodolpho Amoedo.

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